O Instituto Nacional de Estatística (INE) reviu os valores da dívida pública e do crescimento da economia nos últimos dois anos, tendo o rácio da dívida em 2023 passado para 97,9% do PIB, uma melhoria face aos 99,1% estimados anteriormente. Além disso, o gabinete de estatística revelou ontem que nos primeiros seis meses do ano houve um excedente orçamental de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), isto em contabilidade nacional, ou seja, a que conta para Bruxelas. Os excedentes e a redução do endividamento público são sempre boas notícias para o país, mas os economistas contactados pelo DN/Dinheiro Vivo alertam para a conjuntura de abrandamento económico neste final de ano - que afetará a receita fiscal - e para as pressões que existem sobre a despesa pública..O excedente de 1,2% não vai durar até ao final do ano. Aliás, como o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, já sublinhou por diversas vezes, o Governo espera acabar 2024 com um saldo orçamental bem abaixo do valor reportado a Bruxelas no 1.º semestre, entre 0,2 e 0,3%..O INE lembra que as contas públicas do 2.º trimestre beneficiaram de “um ajustamento relativo à prorrogação de prazo, até 15 de julho, para entrega e respetivo pagamento da declaração Modelo 22 do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao exercício de 2023, com impacto positivo de 3199 milhões de euros no saldo do 2.º trimestre de 2024, mas que terá o efeito contrário no trimestre seguinte”..Parte da redução da dívida pública em 2023 face ao que se estimava - terá ficado em 261,8 mil milhões de euros -, explica-se pela nova série de informação de Contas Nacionais anuais, que passam a ter como referência o ano de 2021, substituindo a base de 2016. O valor relativo ao endividamento em 2022 também baixou, de 112,4% do PIB para 111,2%. A previsão para o rácio da dívida em 2024 é agora de 94,5%..“As novas séries das contas nacionais e das Administrações Públicas implicam pequenos ajustamentos nas taxas conhecidas, mas sem alterar o quadro de fundo: depois de um forte solavanco (na economia e nas contas públicas) devido à pandemia, a situação reverteu para a antiga trajetória, uma dinâmica positiva, mas lenta. As atuais revisões são, portanto, de pormenor”, sublinha João César das Neves, professor Catedrático da Católica-Lisbon..“Contra o excedente “.O economista nota que, “graças sobretudo à inflação”, a dívida publica caiu de 134% do PIB em 2020 para os tais 97,9% em 2023. No entanto, acrescenta, “apesar desse ótimo resultado, o valor atual é ainda muito preocupante, e as condições para continuar a trajetória de redução da dívida são hoje muito piores, com o fim da inflação anormal, um Governo minoritário e enormes pressões das corporações”..César das Neves chama a atenção para as pressões atuais sobre as contas públicas: “Quer as promessas do Governo, quer as exigências dos setores e da oposição vão funcionar contra o excedente orçamental. Isso significa que hoje não pode ser grande o otimismo.”.O INE também alterou o crescimento do PIB em 2022, de 6,8% para 7%, e em 2023, de 2,3% para 2,5% (o valor da riqueza nacional no ano passado ficou em 267 384 milhões de euros). O crescimento do PIB entre abril e junho deste ano foi igualmente revisto de 1,5% para 1,6%. “Temos agora uma ligeira aceleração no 2.º trimestre (de 1,4% para 1,6%), mas estamos a falar de alterações pouco significativas e tal não altera a tendência de abrandamento da economia no conjunto dos últimos trimestres”, explica Óscar Afonso, diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto..O antigo ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, alerta que “os dados da primeira parte do ano apontam para o arrefecimento do crescimento económico, e não é claro até onde pode ir. Há que ter alguma prudência”. “Um abrandamento económico mais forte terá algum efeito sobre as contas públicas. Deve manter-se o saldo positivo, será um sinal importante”, sublinha..O economista considera que “é bom, com a incerteza deste final de 2024 e também para 2025, quanto a como será o crescimento em Portugal e na Europa, ter alguma folga orçamental”..Óscar Afonso corrobora, destacando os compromissos assumidos do lado da despesa. “As contas do 1.º trimestre não foram famosas e a economia tem revelado uma tendência de abrandamento nos últimos trimestres, o que condiciona a evolução da receita, ao mesmo tempo que o Governo e o Parlamento têm assumido novos compromissos de despesa e redução de receita, como é conhecido”..O Ministério das Finanças está confiante que as agências de rating vão subir a notação do país - a Fitch melhorou na sexta-feira as perspetivas para Portugal. “Neste momento, com a diminuição da dívida pública em 2023 - que, com a revisão da série, afinal ficou abaixo do que se previa -, e com o saldo positivo das contas públicas, pode haver reavaliação do rating. É uma possibilidade, é expectável, é razoável, num contexto de continuação do processo de melhoria de há dez anos para cá”, diz Manuel Caldeira Cabral.