A desinflação avança, mas cortar juros vai ser “um passo de cada vez”
A Zona Euro já está “muito adiantada” no caminho de redução dos preços, que deve convergir para a meta oficial de inflação de 2%, o chamado “processo de desinflação”, mas a rota das reduções de taxas de juro tem de ser “avaliada e reavaliada constantemente”, “tem de ser um passo de cada vez”, declarou Christine Lagarde, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), no Fórum anual organizado por esta instituição, em Sintra.
No painel de debate desta terça-feira sobre política monetária, que reuniu três banqueiros centrais - a própria Lagarde, Roberto Campos Neto (governador do BCB - Banco Central do Brasil), e Jerome Powell (presidente da FED-Reserva Federal dos Estados Unidos) - a chefe do BCE declarou que, no que concerne ao caso da Zona Euro, “estamos muito adiantados no processo de desinflação”.
Ou seja, as pressões sobre os preços estão a reduzir-se de forma evidente, idem até no caso de pressões de segunda ordem como nos salários e nos lucros das empresas, que deixaram de ser uma ameaça mais grave e latente (como foram durante meses).
Ainda assim, Lagarde disse na véspera, na abertura do Fórum BCE, que “ainda enfrentamos várias incertezas quanto à inflação futura, em particular em termos de como evoluirá o nexo entre os lucros, os salários e a produtividade e no que toca à possibilidade de a economia ser afetada por novos choques do lado da oferta”.
“Levará algum tempo até dispormos de dados suficientes para termos a certeza de que os riscos de uma inflação superior ao objetivo se dissiparam”, insistiu.
Em todo o caso, tudo considerado, foi esse avanço no processo de “desinflação” que deu “confiança” ao BCE para, finalmente, reduzir taxas de juro em 0,25 pontos percentuais (de níveis máximos históricos) no início de junho (a taxa de depósito, a nova referência de taxa principal, caiu de 4% para 3,75%). Foi a primeira descida em quase dois anos de aumentos severos e repetidos.
Ontem, o Eurostat revelou que a inflação da Zona Euro voltou a cair ligeiramente de 2,6% em maio para 2,5% em junho (variação homóloga). Compara com o máximo histórico da Zona Euro de 10,6% em outubro de 2022. Expurgando as componentes de bens de energia e alimentares, também diminuiu, mas o nível continua a ser mais elevado, fixou-se em 2,8% em junho.
No debate, Lagarde comentou o valor da inflação de junho, que classificou de “positivo” (desceu uma décima face a maio), mas repetiu o que já vem dizendo há semanas: que o caminho até ao final deste ano, pelo menos, “vai ser acidentado”.
“Um passo de cada vez”
No entanto, mal falou no sucesso do processo de desinflação, Lagarde quis conservar o registo “água na fervura” a que já acostumou a Zona Euro e disse imediatamente que a descida de taxas de juro por parte do BCE “não é um processo linear nem tem um caminho pré-determinado, é um passo de cada vez”, um processo que “exige constantemente avaliações e reavaliações” de acordo com os novos dados que forem surgindo.
No mesmo debate, a líder do BCE reiterou que a inflação do euro “está a ir na direção certa”, ao contrário do que disse o seu colega Powell, da FED, desvalorizou a importância da inflação no setor dos serviços, referindo que esta não tem sofrido grandes alterações e que o BCE “não precisa que a inflação dos serviços esteja em 2%” para se sentir confiante em prosseguir a sua missão.
“Obviamente, não precisamos que a inflação nos serviços esteja em 2% porque a inflação dos bens da indústria transformadora está abaixo dos 2% e, no final do dia, isso levará a um equilíbrio entre bens e serviços”, atirou Lagarde, tendo em mente que a inflação dos bens industriais (sem energia, claro) está atualmente nos 0,7%, segundo o Eurostat. E abaixo dos 2% desde janeiro deste ano.
Também acrescentou que “necessitamos de ver os lucros das empresas a absorver os aumentos salariais” para haver mais tranquilidade e certezas quando ao passo seguinte nos preços gerais da economia e, ato contínuo, nas taxas de juro.
Até agora, como explicou na segunda-feira a líder do BCE, as pressões salariais, que chegaram a ser temidas como um grande problema para domar a inflação, estão a ser acomodadas pelas empresas, pois os lucros destas são elevados, ao passo que os salários reais (mesmo que subam) são relativamente baixos.
Ou seja, a resiliência do mercado laboral advém desta capacidade de as empresas “acumularem” uma força de trabalho (pessoas) que aceita ganhos salariais de poder de compra (os ganhos reais) relativamente baixos, apesar do contexto agreste em termos de taxas de juro e de custo de vida agravado, sobretudo desde o início de 2022.