Taxas de juro das empresas escapam ao agravamento na dívida pública

Em novembro, as empresas portuguesas contrataram com os bancos empréstimos com uma taxa de juro de 3%. Abaixo, por exemplo, da taxa de 3,5% das obrigações do Tesouro, que entretanto já subiu para quase 4%

As taxas de juro da dívida pública de longo prazo estão a subir de forma consistente desde agosto (a taxa a dez anos já superou os 4%), mas o custo médio do novo crédito às empresas tem-se mantido estabilizado, pouco acima de 3%. Em novembro, até recuou ligeiramente para 3,01%, indicam dados do Banco de Portugal.

As taxas da dívida soberana voltaram a subir, refletindo, por exemplo, o menor volume de compras do Banco Central Europeu (BCE) ao abrigo do programa de expansão monetária (quantitative easing). Em dezembro, comprou menos 29% de dívida pública portuguesa aos bancos face a novembro e os mercados refletiram isso, descendo o valor das obrigações e subindo as respetivas taxas de juro. Aquele corte de 29% é o segundo maior desde que o BCE começou o programa de compras, no início de 2015. A maior redução aconteceu justamente em julho (33%), seguida de novo corte nas compras de OT de 25% em agosto.

Apesar disso, o mercado do crédito às empresas manteve-se estável. O valor dos empréstimos concedidos continuou em rota descendente, tendo caído 2,7% em novembro, mas as taxas de juro de base média (sem comissões e outros encargos) até têm vindo a aliviar devagar, estando nos referidos 3%. O que explica isto? Como é que o agravamento do custo da dívida soberana não está a contaminar outros mercados?

"São mercados muito diferentes, mas podemos dizer que a pressão sobre as taxas de juro do crédito às empresas, cuja taxa média está à volta de 3%, pode ser explicada em grande medida pelo facto de este mercado ser muito mais competitivo", considera Paulo Soares Pinho, professor de Economia da Universidade Nova.

"O crédito de que estamos a falar está a ser comprado pelas empresas que sobreviveram à crise, que se reestruturaram e fizeram desalavancagem. O mesmo que dizer que os bancos agora estão todos a competir por essas mesmas empresas, que são em menor número do que no passado", acrescenta. Portanto, o mercado de potenciais clientes é composto por menos empresas e estas têm agora menores incentivos para recorrer ao crédito, menor necessidade face ao que acontecia antes da crise. É o tal efeito de desalavancagem.

Mas há mais. Para este consultor, "em cima disto temos mais bancos estrangeiros a oferecer taxas melhores, mais baixas, do que as dos nacionais. Como sabemos, há várias instituições portuguesas de dimensão relevante, caso do BCP, que ainda estão a tentar resolver os seus problemas de capital, cumprir os rácios regulamentares do BCE. Nesse sentido, não terão a mesma agressividade comercial dos bancos que não têm tal problema, como o Santander", exemplifica.

Além do mais, observa ainda Soares Pinho, "desde 2010 que, com a notória exceção do mercado do crédito ao consumo, que os empréstimos estão a cair. Estamos a falar de uma autêntica razia". "E quanto à relação com as taxas da dívida pública podemos assumir que existe um certo isolamento dos bancos a isso na medida em que, ao contrário do que sucedia no passado, conseguem financiar-se externamente e esse funding é suficiente para a procura de crédito que existe. Aqui temos de ter presente que a economia também não está a crescer muito, que o investimento está em queda."

O Banco de Portugal, no inquérito de outubro sobre as condições do mercado de crédito, confirmou que "os bancos indicaram uma redução dos spreads aplicados nos empréstimos de risco médio concedidos a empresas". O dinheiro vai ficar mais barato para as boas empresas.

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