Suspeitas de crime de fraude fiscal nas barragens levaram a buscas na EDP
A Autoridade Tributária e o DCIAP estão a investigar a venda das seis barragens no Douro à Engie por 2,2 mil milhões. EDP diz que a operação está isenta do pagamento de imposto do selo.
O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e a Autoridade Tributária e Aduaneira fizeram ontem buscas na sede da EDP e na Agência Portuguesa do Ambiente, entre outras entidades. Em causa estão suspeitas da prática de crime de fraude fiscal, admitiu o Ministério Público em comunicado, no negócio da venda de seis barragens do grupo liderado por Miguel Stilwell ao consórcio francês da Engie, Crédit Agricole Assurances e Mirova, do grupo Natixis. A EDP confirmou as buscas e garantiu que "está a prestar toda a colaboração com as autoridades e mantém-se convicta de que a operação de venda cumpre todos os requisitos legais".
Relacionados
A operação, que envolveu 29 Inspetores da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), 37 inspetores da Direção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais (DSIFAE), incluindo dez especialistas do Núcleo de Informática Forense, bem como 28 militares da Unidade de Ação Fiscal da GNR, sete magistrados do Ministério Público e cinco magistrados judiciais, contemplou buscas, ainda, em instalações de barragens, escritórios de advogados e sociedades ligadas ao setor hidroelétrico, num total de 11 locais do país. O inquérito está em segredo de justiça, diz o Ministério Público no comunicado.
O negócio em investigação é o trespasse da concessão das barragens de Feiticeiro, Miranda, Bemposta, Picote, Baixo Sabor e Foz-Tua ao consórcio francês, liderado pela Engie, por 2,2 mil milhões de euros e sobre o qual muito se tem escrito. A venda foi anunciada em dezembro de 2019 e só viria a concretizar-se um ano depois, quando obtidas todas as autorizações, incluindo o parecer positivo da Agência Portuguesa do Ambiente.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
O primeiro a falar em risco de esquema de planeamento fiscal agressivo no negócio foi o Movimento Cultural Terras de Miranda, que reuniu com o ministro do Ambiente em setembro de 2020 e, desde então, tem vindo a acusar o governo de conceder uma borla fiscal à EDP de cerca de 300 milhões, 110 dos quais referentes só ao imposto do selo.
Imposto de 110 milhões
Na primeira ida à comissão parlamento do Ambiente sobre esta matéria, em janeiro, já o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais argumentara que as barragens têm o estatuto de "utilidade pública", integrando, por isso, o inventário geral do património do Estado, pelo que não estão sujeitas aos impostos de património, como o IMI (imposto municipal sobre imóveis) ou o IMT (imposto sobre transmissões onerosas), e, consequentemente, não há lugar ao pagamento do imposto do selo. Pelo menos na verba relativa à transmissão de imóveis.
Já quanto ao imposto do selo relativo à transmissão de concessões, Mendonça Mendes lembrou, na altura, que este é um imposto "autoliquidado pelo contribuinte, tendo de ser declarado até ao dia 20 do mês seguinte à realização da operação. E é esta parcela, de 110 milhões de euros, que está em investigação pelo fisco. A diretora da AT já o tinha assumido no parlamento. Helena Borges foi ouvida em abril e em junho, recusando-se sempre a estabelecer um prazo para a conclusão da investigação. "Temos que ter a noção que está em causa um conjunto de operações alargadas que a EDP e as empresas que estão envolvidas desenvolveram. Portanto, é uma matéria com uma complexidade que naturalmente não pode deixar de ser tida em conta nas conclusões que vamos extrair", sublinhou.
Ainda antes foi ouvido o ministro das Finanças, que sublinhou que o Governo tem dado "orientações claras de combate ao planeamento fiscal agressivo". João Leão garante: "Que não haja dúvidas, subterfúgios utilizados para não pagar impostos serão vistos como planeamento fiscal agressivo", e é nesse sentido que "a Autoridade Tributária está a trabalhar para analisar este caso em concreto".
Abuso e "borla fiscal"
O BE e o PSD têm sido particularmente críticos da operação. Mariana Mortágua tem acusado a EDP de "utilizar abusivamente um benefício fiscal" ao "mascarar esta operação e ao tratar uma venda como se fosse uma mera transmissão". Já o partido de Rui Rio solicitou, em março, à Procuradoria Geral da República um pedido de averiguação da venda, considerando que o governo favoreceu a EDP e concedeu-lhe uma "borla fiscal".
O presidente executivo da EDP esteve também na comissão parlamentar de Ambiente, a 16 de março, onde garantiu que a empresa "cumpre escrupulosamente a lei". Miguel Stilwell foi perentório: "Esta é uma operação perfeitamente normal, tal como se faz em muitas outras transações em Portugal e fora de Portugal. É um modelo que cumpre a legislação nacional e internacional. Não se vendem atividades como esta através de venda avulsa, muito menos em transações de infraestrutura e com esta dimensão. Simplesmente não se faz. Não é possível".
Em causa a criação de uma nova empresa, para a qual foram transferidos todos os ativos a vender à Engie, bem como os trabalhadores, contratos e outras responsabilidades. Algo que dissera que ia fazer logo em 2019, quando anunciou ao mercado a venda das barragens. A EDP aplicou o "único modelo possível" para "garantir a manutenção de todos os compromissos necessários para o normal funcionamento das barragens. Foi a decisão certa e a mais responsável", tem insistido.
Miguel Stilwell tem argumentado que, à luz da legislação nacional e de uma diretiva comunitária, este tipo de operação não está sujeito ao pagamento do imposto do selo e recusado qualquer manobra para fugir a impostos. "Nós não fazemos planeamento fiscal. Isto não foi uma operação montada com qualquer tipo de intenção de planeamento fiscal. Isto não foi planeamento fiscal agressivo, [isso] simplesmente não existiu", sustenta.
Já em fevereiro, e questionado à margem da sessão de apresentação do novo plano estratégico da companhia para o período 2021-2025, o CEO da EDP classificara a operação como "perfeitamente standard e normal", assegurando que "é a forma tecnicamente correta de fazer estas transações, é assim que é feito em todo o mundo". Mais, na venda de ativos em Espanha foi seguido o mesmo modelo.
Também o ministro do Ambiente já deixou claro que o governo não impediu a vendas das barragens "porque não quis", pois "vê com bons olhos a diversificação dos donos das fontes de energia. Matos Fernandes garantiu, ainda, que o Estado não exerceu o direito de preferência no negócio já que "teria de desembolsar, à cabeça, 2,2 mil milhões de euros, sem garantia de ser ressarcido de tal quantia noutro concurso de concessão".
Partilhar
No Diário de Notícias dezenas de jornalistas trabalham todos os dias para fazer as notícias, as entrevistas, as reportagens e as análises que asseguram uma informação rigorosa aos leitores. E é assim há mais de 150 anos, pois somos o jornal nacional mais antigo. Para continuarmos a fazer este “serviço ao leitor“, como escreveu o nosso fundador em 1864, precisamos do seu apoio.
Assine aqui aquele que é o seu jornal