"Não há sustentabilidade sem mudança de atitude", diz Marcelo
A sustentabilidade é o caminho e quanto a isso não há grandes divergências. Mas, por si só, não constitui uma solução milagrosa. É preciso mudar comportamentos, ter uma abordagem integrada e investir na inovação. Foram estas algumas das conclusões de um dia de debate dedicado ao tema "Pandemia e depois? A sustentabilidade como resposta", uma iniciativa comemorativa dos 20 anos do Grupo BEL (acionista de DN, JN e TSF) e que contou com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Nos últimos 20 anos, Portugal e o mundo mudaram radicalmente. Conforme lembrou o Presidente da República, entre as consequências de a principal potência económica mundial, os Estados Unidos, assumir um papel que a isolou do resto do mundo, e o novo ciclo da Europa, com as eleições em França e na Alemanha, fazer duas décadas de existência neste contexto é muito difícil.
As prioridades têm de ser revistas, ao mesmo tempo que a crise obriga a uma gestão atenta do dia-a-dia, defendeu Marcelo, no encontro comemorativo dos 20 anos do Grupo BEL. E com isso, referiu o Presidente, corre-se o risco de perder de vista a sustentabilidade, pela urgência de cumprir ações no imediato em detrimento de gizar estratégias de longo prazo.
A sustentabilidade não é apenas um tema das empresas ou das famílias, passa também pelos poderes políticos. Que estão "obsoletos", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa. E de nada vale investir na sustentabilidade, em soluções que resolvem problemas de Portugal, da Europa e do mundo, se as estruturas das instituições permanecem as mesmas e se não houver uma mudança de comportamento e de cultura.
Se a pandemia fez despertar a consciência (ainda mais) para este tema, também mostrou a importância das empresas no desenvolvimento da economia, nomeadamente a sua resiliência, que funciona, segundo palavras de Marco Galinha, CEO do Grupo BEL, como "um fator de estabilidade social". Sem empresas não há emprego, não há rendimentos, não há riqueza para redistribuir ou bem-estar que permita focarmo-nos em matérias como o ambiente. Ou seja, a sustentabilidade ambiental só pode existir havendo sustentabilidade social e económica.
E para Paulo Macedo, presidente executivo da Caixa Geral de Depósitos (CGD), também presente na conferência, esta é a melhor altura para as empresas investirem. Na inovação, na sustentabilidade, na criação de valor acrescentado. Mesmo porque nunca, como agora, as taxas de juro estiveram tão baixas, tudo indicando que o cenário se mantenha pelo menos mais dois a três anos. E esta é uma notícia e um momento importante dado que, como lembrou o líder da CGD, Portugal ainda está muito longe de alcançar os objetivos de ter 2% a 3% do PIB em investimento alocado à inovação. Algo essencial à criação de valor acrescentado nas empresas portuguesas, um tema tão importante que consta dos objetivos estratégicos nacionais inscritos pelo governo no Portugal 2030. No mesmo consta a necessidade de aumentar exportações de bens e serviços, incrementar o investimento em I&D, mas também o de contribuir para a alteração do perfil de especialização da economia portuguesa, garantir a formação de adultos e processos de formação ao longo da vida e ainda de reduzir as emissões de CO2 em 55% até 2030.
E tudo isso implica, antes de mais, mudança. Uma mudança de comportamento de todos nós como indivíduos - todas as ações, por mais simples que sejam, têm impacto - mas também de toda uma cultura corporativa. Um exemplo? As qualificações de quem ficou sem emprego no segundo trimestre deste ano (versus primeiro trimestre de 2019). Os números apresentados por Paulo Macedo indicam maior fragilidade das pessoas com poucas qualificações (9.º ano ou menos) ao tentar regressar ao mercado de trabalho.
Os dados são inequívocos. É preciso investir na qualificação dos recursos humanos. Aumentar as teses de doutoramento em ambiente empresarial, aumentar os cursos superiores partilhados entre instituições, ter cursos superiores com mais opções, fomentar novos licenciados em Engenharia e ainda trabalhar em áreas como robotização, gestão, big data e otimização de processos.
Temos de saber conciliar a competitividade e a sustentabilidade, alertou Luís Marques Mendes, conselheiro de Estado, também orador no evento. São áreas que têm de trabalhar em conjunto, caso contrário pode pôr-se em risco as empresas e a economia, mas também levar ao aparecimento de movimentos populistas. O caso dos coletes amarelos, em França, é para Luís Marques Mendes um bom exemplo disso.
E se é certo que o conselheiro de Estado está otimista em relação ao futuro, não deixa de alertar para os riscos que o país corre, tanto mais que vai receber 62 mil milhões de três programas e há que acautelar a gestão e implementação dos fundos por forma a não correr riscos. "Já foram cometidos erros." Que no futuro têm de ser corrigidos. Para o orador, essa "correção" é de vital importância, já que nos últimos anos Portugal foi ultrapassado por alguns países europeus do Leste, que há poucos anos tinham uma economia mais deficitária e hoje dão cartas. Se Portugal não souber aplicar corretamente os fundos, arrisca-se a ficar ainda mais para trás, alerta Luís Marques Mendes. Esses países também vão ter direito a uma bazuca. E, ao contrário de nós, estão a fazer reformas estruturantes. Um alerta deixado no Farol Hotel, em Cascais, palco da conferência.
As respostas para as questões lançadas por Luís Marques Mendes acerca do futuro estão no turismo, considera Luís Araújo - mas também nas migrações. A Europa precisa de recursos humanos. Há que investir no acolhimento e na formação, qualificada das pessoas, defendeu o presidente do Turismo de Portugal.
O turismo é e vai continuar a ser o motor de desenvolvimento da economia, ainda que a pandemia tenha levado as receitas a regredir dez anos. Ainda assim, essa realidade não alterou as metas definidas pelo Turismo de Portugal. Segundo Luís Araújo, o objetivo é alcançar 27 mil milhões de euros de receitas em 2027, uma evolução dos 15 mil milhões atingidos por Portugal dez anos antes, em 2017.
A nosso favor, entende o presidente do Turismo de Portugal, "temos a notoriedade da marca Portugal", considerada como sendo "uma marca fortemente relacional, amigável, atrativa, tradicional, charmosa e acessível, em processo de transformação, afirmação e valorização". "A prova está no facto de, na passada quarta-feira, quer a Condé Nast do Reino Unido quer a dos Estados Unidos terem considerado Portugal como o país número um a visitar."
Esta distinção reforça a necessidade de o país se promover como nação de turismo responsável e sustentável. Esta foi mesmo, segundo Luís Araújo, a premissa para a definição da nova estratégia de comunicação do destino. Uma estratégia que assenta na sustentabilidade e cujo objetivo é o de estimular uma mudança de atitude, inclusive no digital, onde, entre outras medidas, o Turismo de Portugal pretende reforçar a digitalização da atividade promocional.
Ao nível da inovação, o presidente daquela instituição relembra a necessidade de dotar os centros históricos de wi-fi gratuito, assim como potenciar a interligação das startups ao mundo do turismo, levando-as a feiras internacionais. Tudo isto se consubstanciou em 119 ações, em quatro eixos: estruturar, qualificar, promover e monitorizar a oferta.
Independentemente do setor, há que olhar com uma visão renovada para a sustentabilidade, integrá-la com outras valências e, principalmente, definir uma estratégia integrada, de longo prazo. Porque, para ter sustentabilidade, também é necessário ter as componentes económica e social. Nenhuma delas vive de forma isolada.