Michel Barnier: "O Brexit é uma escola de paciência"

O chefe das negociações da União Europeia para o Brexit alertou para as consequências "subestimadas" da saída do Reino Unido.

Foi quase sem voz que Paddy Cosgrave apresentou o orador-estrela da primeira manhã da Web Summit. O irlandês declarou-se um "europeu apaixonado" e quis saber quem, entre os presentes na Altice Arena, também tem uma relação de amor com a Europa. Michel Barnier entrou em palco com o ruído de milhares de aplausos.

Antes de passar para os assuntos sérios, o homem que nos últimos meses tem tido a tarefa de negociar, por parte de Bruxelas, a saída do Reino Unido da União Europeia, começou por notar que seria a primeira vez que partilharia palco com Eric Cantona e Ronaldinho Gaúcho, também oradores na Web Summit. "É um prazer mas também pode ser um risco".

A piada abriu caminho a 20 minutos de discussão sobre "o futuro das nossas vidas e do nosso continente". Em causa está a "complexa e extraordinária negociação que já dura há três anos", e cujas consequências têm sido "subestimadas". Nos próximos anos, sublinhou, será preciso construir com o Reino Unido uma parceria que beneficie tanto quem fica do lado de dentro como do lado de fora.

Ao longo de todo o discurso, o chefe das negociações para o Brexit não esconderia o agastamento que o prolongado processo lhe provocou. "Em 1992 organizei os Jogos Olímpicos de Inverno de Albertville. Foram dez anos de trabalho para 10 dias de competição. Acabou por ser um bom treino para o Brexit. Ensinou-me que resolver problemas torna-se mais fácil se olharmos por duas perspetivas: tentar ver além do horizonte imediato e pensar no que fizemos desde o primeiro dia".

Michel Barnier partilhou o palco com duas antigas estrelas do futebol: Ronaldinho Gaúcho e Eric Cantona

Segundo Michel Barnier, o Brexit tem sido uma "escola de paciência e de tenacidade", e a assinatura do acordo não será o fim da história, lembrou, porque o acordo "é apenas um passo, não é o destino final". A partir daí, haverá um longo caminho a percorrer na reconstrução de uma relação com o Reino Unido, para que as duas partes permaneçam "amigas, aliadas e parceiras". Até porque o acordo, considerou Barnier, irá trazer incerteza, "como acontece com qualquer divórcio".

A longo prazo, destacou, é preciso garantir a manutenção da paz e da segurança, e proteger o mercado único, o "ativo mais valioso" da União Europeia. Ao mesmo tempo será prioritário proteger os direitos dos cidadãos, "que jurámos defender para toda a vida". Nesse caminho, acrescentou, já foram dados alguns passos, em matéria de segurança de dados, política externa ou comércio.

No capítulo económico, Barnier reconheceu que as negociações vão ser particularmente "difíceis e exigentes", e que a partir de 2020 haverá mais concorrência entre o Reino Unido e a UE. "Mas a UE não vai tolerar que o Reino Unido tenha vantagens competitivas", assegurou. O nível de ambição de Bruxelas para o Brexit é garantir uma política de tarifas zero".

Apelo à cooperação

Barnier apelou ainda aos 27 estados membros que ficam na UE para que continuem a cooperar com o Reino Unido em matérias como a ciência ou a cibersegurança, salientando a importância da proteção de dados. Porque apesar do divórcio, a Europa quer sair mais forte e estar preparada para a nova revolução industrial que se avizinha, e cujos adversários estão a ganhar cada vez mais força.

"Hoje, os Estados Unidos e a China estão no topo. Se nós na Europa não agirmos agora, o futuro dos nossos empregos, da nossa indústria e dos nossos dados pessoais vai ser decidido em Washington e Pequim. Acredito que a Europa poderá estar no centro da nova revolução industrial, que terá como base a Internet das Coisas e a Inteligência Artificial, mas teremos de trabalhar em conjunto, a 27. Vamos tentar tirar uma lição do Brexit, tornando a Europa mais competitiva", concluiu.

Barnier lembrou ainda os "cinco dias e cinco noites" que as duas partes estiveram fechadas numa sala a negociar a "situação única" da Irlanda do Norte, e que culminou com um acordo que beneficia todas as partes, na medida do possível, naquela que é uma "lose/lose situation" (situação sem vencedores).

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