Juros de nova dívida de Portugal duplicam com anúncio de fim das compras do BCE

Em 2020, taxa de juro ponderada da nova dívida, baixou para um mínimo histórico de 0,5%. Em 2021, começou a subir. Em janeiro de 2022, chegou a 1,1% empurrada pelo BCE.
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A era dos juros baixos terminou em 2021, com a taxa de juro média ponderada da nova dívida emitida por Portugal a subir pela primeira vez em muitos anos. Era 0,5% em 2020 (um mínimo histórico) e avançou ligeiramente para 0,6%, segundo dados da agência da dívida pública (IGCP), que é tutelada pelas Finanças de João Leão.

Mas em dezembro, o Banco Central Europeu (BCE) revelou o seu plano para descontinuar vários programas de compras de dívidas e outros ativos que fornecem dinheiro muito barato à economia, a preços irrisórios, através da banca.

No mês seguinte, janeiro de 2022, aquela taxa média ponderada subiu a sério. Segundo o IGCP, o custo de emitir nova dívida é praticamente o dobro agora comparativamente a 2021. Ronda 1,1%. E mais do dobro face a 2020.

O IGCP calcula essa taxa média global ponderada como sendo "o custo da nova dívida emitida no ano", ou seja, "o custo médio dos instrumentos bilhetes do tesouro (BT), obrigações do tesouro (OT), obrigações do tesouro de rendimento variável (OTRV) e notas de médio prazo (MTN) emitidos no ano correspondente, ponderado pelo montante e maturidade".

Esta tendência de descida durava há cerca de sete anos mas, como já escreveu o Dinheiro Vivo, a era dos juros baixos parece ter mesmo terminado em 2021.

As taxas de juro de referência podem continuar em 0%, mas a redução desses fluxos de dinheiro barato acaba por ter um efeito que equivale a subir taxas. E assim foi.

Como referido, em dezembro, Christine Lagarde, a presidente do BCE, anunciou a descontinuação do programa de compras de emergência pandémica (PEPP) para o final deste mês (março de 2022). Era a bazuca especial contra os efeitos destrutivos da pandemia.

Lançado em março de 2020, quando foi declarada a pandemia, o PEPP tinha como objetivo comprar um total de 1,85 biliões de euros em ativos financeiros aos bancos e fundos comerciais do euro.

Veio juntar-se à bazuca principal o chamado APP, um programa mais antigo, inaugurado em 2014, para responder à crise persistente e aos ataques constantes à dívida pública de alguns países do euro, como Portugal. E a outras linhas de refinanciamento ainda hoje ativas.

Em todo o caso, o PEPP era tão grande que o anúncio de que vai terminar acabou por ter o efeito que se viu. As taxas de juro de todos os países do euro, subiram em todas as maturidades.

Há países pouco endividados para os quais este movimento não é propriamente dramático, dá para acomodar. Mas há outros, muito endividados, como Portugal, Grécia e Itália que, a prazo, podem ficar numa situação de aperto. Têm de baixar a dívida e pagar aos credores contas avultadas em juros.

Mas o início de 2022 veio com mais problemas do que se julgava. A inflação já trazia de 2021 uma forte tendência para subir devido a ruturas e fortes constrangimentos em algumas cadeias de abastecimento. Matérias-primas como petróleo, gás, alimentos em estado bruto (como sementes) fertilizantes e muitos outros inputs industriais estavam a ficar mais caros por isso.

A cereja em cima deste bolo da inflação haveria que surgir a 24 de fevereiro, quando a Rússia atacou a Ucrânia. Guerra que continua.

Num primeiro momento, o terror e o receio em relação à guerra ainda fez baixar as taxas de juro da dívida e o IGCP aproveitou para emitir dívida a preços vantajoso.

Mas durou pouco. Com a inflação a subir em flecha, a 10 de março, o BCE declarou que "a invasão da Ucrânia pela Rússia representa um ponto de viragem para a Europa". O mesmo se pode dizer dos juros.

O tal programa principal de compra de ativos, designado APP, vai ser reduzido nos próximos três meses (abril a junho), pelo menos, e confirmou-se que o programa especial de compra de dívida pública e outros títulos dedicado ao combate à pandemia (PEPP) será mesmo terminado no final deste mês.

O BCE tem por missão manter a inflação num eixo de 2%. Ao subir o custo do dinheiro (fechando aquelas torneiras ou bazucas), a economia tende a arrefecer, trazendo para baixo a inflação, assim esperam em Frankfurt.

O Conselho das Finanças Públicas (CFP) explica que, "num contexto de condições de financiamento em níveis historicamente reduzidos, o Eurossistema [BCE e bancos centrais nacionais] reconheceu em dezembro o aumento de riscos ascendentes sobre a inflação".

"Desta forma, e refletindo a possibilidade de alteração da política monetária, as taxas de rendibilidade das dívidas soberanas europeias subiram até meados de fevereiro de 2022, quando a taxa de juro a 10 anos de Portugal atingiu 1,4%", diz a entidade presidida por Nazaré Costa Cabral.

O CFP confirma que "esta subida foi interrompida aquando do conflito militar entre a Rússia e Ucrânia, com os investidores a retirarem-se dos mercados acionistas, evidenciando preferência por obrigações soberanas em detrimento de ativos de maior risco, num contexto de maior volatilidade e incerteza nos mercados financeiros".

Mas essa fase foi bastante fugaz, tendo-se dissipado com a declaração política de Lagarde no passado dia 10 de março. A taxa de juro a 10 anos de Portugal chegou a cair para 0,77% a 28 de fevereiro, mas desde então que esteve sempre a subir.

Na sexta-feira passada, encerrou nos 1,22%, o valor mais elevado em quase três anos.

luis.ribeiro@dinheirovivo.pt

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