Já com o Novo Banco às costas, Portugal fará o terceiro maior aperto orçamental da Europa
Portugal deverá registar o terceiro maior aumento da Europa no saldo das contas públicas, passando de um défice público mínimo histórico de 0,1% do produto interno bruto (PIB) neste ano para 0% em 2020 e para um excedente de 0,6% em 2021, indicou ontem a Comissão Europeia, nas novas previsões de outono.
De acordo com um levantamento do DN/Dinheiro Vivo junto da base de dados da Comissão, este será o terceiro maior ajustamento orçamental da União Europeia no período considerado. O maior aperto orçamental será o da Hungria, que aumenta o saldo num valor equivalente a 1% do PIB. O segundo maior é o de França, cujo saldo público sobe 0,9% do PIB até 2021.
Portugal aparece assim destacado como um dos melhores alunos da Europa no ajustamento do défice (que, de facto, desaparece), isto apesar de já carregar consigo encargos anuais avultados com o Novo Banco, que vai continuar a exigir mais despesa aos contribuintes portugueses.
Dito de outra forma, o Ministério das Finanças, hoje liderado por Mário Centeno, consegue ir ao pódio da consolidação orçamental e mesmo assim acomodar os encargos com a banca.
O governo já avisou que tem de ser assim, "não pode haver complacências" no domínio orçamental, tem de haver "contas certas" (palavras de Centeno) porque é urgente reduzir a dívida, não vá o país ser apanhado a meio do caminho pelas "vicissitudes" dos mercados, quiçá por uma nova crise.
Tudo isto tem um preço. A Comissão Europeia elogiou ontem Portugal pelos resultados obtidos na economia e nas contas públicas, ao mesmo tempo que mostrou que o país continua a ser dos mais fracos na recuperação do investimento público.
A forte consolidação orçamental prevista para os próximos dois anos deixará pouca margem para que seja de outra forma.
Aliás, no Programa do Governo até 2023, António Costa e Mário Centeno já foram avisando que querem fazer uma reforma profunda das progressões nas carreiras baseadas no tempo de serviço, visando especialmente distorções existentes nas chamadas carreiras especiais (como professores, médicos, enfermeiros, forças de segurança, etc.).
O DN/Dinheiro Vivo também já noticiou que a meta do novo executivo é cortar o nível de despesa com trabalhadores (salários, basicamente) dos atuais 10,8% do PIB para o equivalente a 10,3%, naquele que será o valor mais baixo das séries da Comissão Europeia, que remontam a 1995.
Além disso, o cenário preliminar que suporta o programa do novo governo também sinaliza que o peso das prestações e dos apoios sociais tem de baixar e de forma significativa, até o equivalente a 17,9% do PIB em 2023, naquele que, a verificar-se, será o valor mais baixo em 15 anos.
Segundo as novas previsões de Bruxelas, o peso do investimento público português neste ano é o mais baixo da Europa, o equivalente a pouco menos de 2% do PIB.
A Comissão Europeia refere que isto ajudou a reduzir o défice para os tais 0,1% porque Centeno investiu "menos do que o orçamentado", dando assim razão às críticas da oposição, sobretudo aos partidos da esquerda que sempre reclamaram mais investimento do Estado.
Nos anos seguintes, Portugal não sairá da mó de baixo no investimento público. Ficará sempre no terceiro nível mais baixo da Europa em 2020 e 2021.
No estudo económico do outono, Bruxelas constata que não fossem as ajudas valiosas dos contribuintes ao Novo Banco, Portugal teria já neste ano um excedente orçamental equivalente a 0,5% do produto interno bruto (PIB). Só que não. O saldo das contas públicas sofre o impacto negativo de "uma nova ativação do mecanismo de capital contingente do Novo Banco (0,6% do PIB)", daí o défice de 0,1%.
No ano que vem, a história repete-se: haveria excedente público de 0,4% se não fosse mais uma vaga de apoios a este banco via Fundo de Resolução, que arrastarão o saldo final para perto de 0%.
No plano económico, Bruxelas até reviu em alta o crescimento deste ano para 2%, mantendo os 1,7% em 2020, cifra que já vinha do verão.
Mas os riscos são negativos. O crescimento da economia portuguesa vai perder ritmo, de forma substancial, nos próximos anos e o emprego não vai crescer mais do que 0,5% até 2021, prevê a Comissão, que assim contraria a visão do governo que vê a economia a ganhar alguma força em 2020.
"Esta moderação não se deve a questões de finanças públicas, mas à procura externa", atirou o ainda comissário da Economia, Pierre Moscovici (acaba o mandato no final deste mês), durante a conferência de imprensa que decorreu ontem em Bruxelas.
O ex-ministro socialista francês observou que Portugal "é uma economia aberta ao mundo pelo que vocês não estão imunes ao que acontece globalmente, especialmente quando a economia está muito dependente de serviços e turismo".
Segundo a Comissão Europeia, as exportações portuguesas devem crescer apenas 2,7% neste ano e no próximo. O governo acredita em 3,9% no ano que vem.
O cenário do mercado de emprego também é mais pobre. O número de trabalhadores só deve aumentar 0,5% nos próximos dois anos. Será assim também no conjunto da zona euro. Recuperação moderada com pouco emprego adicional.
Para Bruxelas, haverá algum investimento, claro, mas este agregado da economia "enfrenta um declínio no sentimento dos empresários, particularmente no setor industrial", o que deve ter efeitos negativos no emprego.
O cenário só não é mais desfavorável graças à "absorção de fundos europeus ao longo do horizonte de projeção", isto é, até 2021.