Mulheres estão pior. Ganham agora menos 17% do que os homens
A diferença entre o que mulheres e homens levam para casa chegou no início deste verão aos 17,2%, num salto de mais de 1,4 pontos percentuais face ao mesmo período do ano passado. Há um aprofundamento das diferenças de ganhos, com implicações não apenas nas condições atuais de vida das famílias, como também na velhice - as pensões das mulheres são bastante mais baixas, e poderão continuar a sê-lo a este ritmo.
No final de junho, cada trabalhadora em Portugal levava para casa em média 830 euros, menos 172 euros do que a média masculina (1002 euros). A distância está a ampliar-se, com os rendimentos femininos médios a crescerem, em termos homólogos, 1,8% e a um ritmo bastante inferior ao dos homens, que melhoram o rendimento em 3,6% num ano.
Os dados são do rendimento médio mensal líquido apurado em inquérito pelo Instituto Nacional de Estatística. Não dão comparar o número de horas trabalhadas, diferenças de habilitações ou de antiguidade. Mas permitem isolar ocupações e perceber em que áreas o fosso de rendimentos é maior.
É na indústria, entre operadores de máquinas e trabalhadores de montagem, que mais se acentua a disparidade. Chega aos 27,5%, com 237 euros a menos para as mulheres. Seguem-se as Forças Armadas, onde o número de efetivos femininos permanece baixo e a diferença atinge os 26,6%, e os dirigentes ao serviço do Estado e deputados, num fosso de 22,6%.
O desnível é transversal e notório. Mesmo no trabalho intelectual e técnico atinge os 15,7% e 18%, respetivamente. Nos serviços chega aos 21,7% e no trabalho qualificado da indústria aos 18,5%. É ainda elevado no emprego não qualificado, com uma diferença de 24,5%. Já agricultura e trabalho administrativo permitem ganhos relativamente mais próximos: as mulheres ganham a menos só 1,6% e 3,7%.
O crescente fosso de rendimentos entre sexos não traduz necessariamente discriminação salarial. A possibilidade de haver pagamento diferente para trabalho igual é melhor apontada pelo chamado gender pay gap ajustado, medida de desigualdade cujo primeiro estudo foi publicado este ano pelo Ministério do Trabalho, e que procura descontar fatores como diferenças de habilitações ou antiguidade entre os trabalhadores. Este fosso estava em 11,2% no ano de 2017 neste primeiro Barómetro das Diferenças Remuneratórias.
Mas, apesar de nada dizer sobre discriminação salarial, o aprofundamento das diferenças de rendimentos aponta situações de impacto social importantes. Por exemplo, ao reproduzir o fosso ao longo das carreiras contributivas, levando a pensões bastantes mais baixas entre as mulheres. Ou, potencialmente, ao enviesar as escolhas sobre o gozo de licenças de parentalidade se as famílias escolherem preservar os rendimentos mais altos - com menos tempo para os homens participarem nos cuidados dos primeiros meses de vida dos filhos.
No que diz respeito às pensões de velhice, as aposentadas portuguesas enfrentam atualmente um fosso que ronda os 40%. Os dados do Relatório de Sustentabilidade Financeira da Segurança Social, publicado com o último Orçamento do Estado, indicam que as trabalhadoras aposentadas que tinham entre 65 e 69 anos em 2017 ganhavam em média 394 euros, e menos 41% que os pensionistas masculinos. Nas restantes idades as diferenças oscilam entre 38% e 45%.
Os valores médios exprimem décadas de carreiras contributivas pouco qualificadas e curtas, que chegam a alcançar pouco mais que 12 anos entre as pensionistas com 80 anos ou mais (cerca de 23 anos nos homens da mesma idade), e que estão nos 33,4 anos entre as mulheres que chegaram mais recentemente à aposentação (36,9 anos entre os homens), com reflexo nas taxas de pobreza.
A tendência futura será diferente, com maior participação feminina no mercado de trabalho e carreiras mais longas entre as pensionistas, reduzindo-se os fatores de penalização das reformas. A taxa de atividade das mulheres está a crescer com as gerações mais jovens, também mais qualificadas, igualando já praticamente a dos homens na geração nascida na década de 1980. Um estudo do Banco de Portugal, de junho, aponta aliás este dividendo feminino como um dos suportes importantes do mercado de trabalho num quadro de demografia em regressão.
Apesar disso, o ritmo de aprofundamento da desigualdade continua a acelerar, e deverá continuar a transmitir-se até à velhice.
Texto publicado originalmente na edição impressa de Dinheiro Vivo