Isaltino Morais: "Nos próximos anos, Oeiras vai precisar de 12 500 engenheiros"
Como tem sido este regresso à vida de autarca? Agitado?
Hoje já tive três ou quatro eventos: uma inauguração, a abertura da ComicCon, a assinatura de um protocolo solidário para levar tratamento de dentes aos habitantes de um bairro social... é a rotina de todos os dias. O poder local não funciona como a administração central: o poder central funciona no horário de expediente, das 9.00 às 17.00, aqui funciona-se o dia todo - e a noite.
Abordam-no muitas vezes na rua?
Sim, estou sempre a trabalhar. E eu até ando na rua para falarem comigo, para conhecer melhor a realidade e para poder ter contacto com aqueles que ainda acham complicado marcar uma audiência na câmara. Eu faço audiências todos os dias, mas oficialmente são às quintas-feiras. Acontece que não há semana em que não dê volta ao concelho todo, até para ver se há problemas de limpeza, o estado dos jardins - gosto de fazer isso à noite; de dia ando mais para conversar com as pessoas porque há muitos problemas que sem esse contacto nem sabemos que existem.
Dessas conversas saem medidas?
Saem. As pessoas pensam que há muito planeamento, que tudo o que se vai fazer no mandato vem do programa eleitoral, mas há decisões tomadas em função do contacto com a realidade. Por exemplo, a política do medicamento em Oeiras - a comparticipação a 50% dos remédios para quem tem mais de 65 anos (ou 55 se tiver deficiência ou dificuldades económicas) - nasceu no dia em que tive de ir ao Hospital de São Francisco Xavier por um problema na vesícula. Estava à espera dos resultados das análises e alguns idosos que vieram cumprimentar-me queixaram-se que não tinham como pagar os medicamentos. E aquilo não fazia sentido num concelho como Oeiras, que tem uma boa situação económica, é dos mais sólidos do país. E em três ou quatro meses estava montado o sistema com a Associação Nacional de Farmácias. Há muitos casos assim.
Mas também há planeamento. O investimento de 400 milhões até 2027 que anunciou para rejuvenescer o concelho e fazer aquilo o chamado Oeiras Valley.
Isso já é muito planeado... e estamos a atingir o objetivo. O Oeiras Valley é uma marca, o conceito é que importa - e nem todos os concelhos podiam usar esta marca, porque o planeamento, o ordenamento do território, a disponibilidade, a captação de empresas sobretudo de base tecnológica e com empregos de valor acrescentado é uma estratégia com mais de 30 anos. Essa foi a visão extraordinária que tivemos: numa altura em que Lisboa estava deprimida e não neste boom turístico, de renovação e de conforto, Oeiras propôs-se oferecer qualidade, qualidade ambiental, urbana... Então as empresas, sobretudo multinacionais ligadas a tecnologias (de informação, biotechs, etc.), encontraram aqui um espaço de acolhimento de qualidade. Preparámos o território e concentrámos esse investimento em núcleos como o Taguspark, o Lagoas Park, a Quinta da Fonte, o Arquiparque.
Mas que evolução traz o Oeiras Valley?
É um salto qualitativo. Porque ao longo destes 30 anos o território foi muito qualificado, houve investimentos muito fortes na área ambiental, na educação, nos equipamentos sociais e culturais, e hoje temos uma oferta de habitação de qualidade, espaços verdes, cultura... Isso permite uma evolução: antes, uma tecnológica queria instalar-se aqui e encaminhávamo-la para o Taguspark, por exemplo, agora todo o território de Oeiras, os 48 km2 estão vocacionados para acolher universidades, escolas internacionais, empresas de base tecnológica, institutos de investigação... Oeiras tem condições para ser o hub tecnológico mais importante do país. Aliás, já o é: 30% da base tecnológica instalada em Portugal está em Oeiras. É isso que faz deste o segundo município em volume de negócios, com 24 mil milhões (Lisboa tem 69 mil milhões e o Porto é o terceiro, com 14 mil milhões; Cascais tem 5 mil milhões). Isto dá uma ideia da riqueza, do valor acrescentado. E vai traduzir-se numa intervenção diversificada que passa por investimentos muito significativos na área da educação: queremos ter os melhores alunos do país em Oeiras. Para isso, a partir de 2020 o acesso à universidade será universal no concelho. Já triplicámos as bolsas para 150, mas a partir de 2020 nenhum jovem ficará para trás por não poder pagar a propina. A par disso, apresentámos o Oeiras Educa, programa que intervém em todo o setor, incluindo políticas públicas com efeitos para os alunos, os professores, os pais, tendente a criar um ambiente favorável à aprendizagem, para que cada aluno possa realizar o seu potencial. No dia 17 vamos apresentar a agenda para a ciência e a tecnologia, com Oeiras a tornar-se no primeiro município a investir 1,8 milhões de euros exclusivamente em ciência. Proporcionalmente, investimos mais do que o Estado. Tudo isto justifica os 400 milhões de investimento público municipal.
Como é que se consegue levantar este financiamento, de onde vem o dinheiro?
Justamente da riqueza gerada pelas empresas, que pagam muito em impostos. Oeiras hoje não recebe um euro do Estado, é um de creio que três municípios nesta situação - a par de Lisboa e Cascais - e comparticipamos o Fundo de Apoio Municipal com 5 ou 6 milhões por ano, as nossas fontes de receita vêm da riqueza das empresas.
Há aqui também uma vontade de trazer para o concelho mais jovens, mais famílias, constituir-se como uma alternativa a uma Lisboa onde elas não conseguem casa?
É uma das nossas maiores preocupações, e naquilo que é responsabilidade da câmara, nós fazemos; no que é preciso pareceres do Estado é que é pior... Oeiras tem, por exemplo, políticas de habitação 100% financiadas pela câmara, investimos 8 milhões para recuperar prédios no centro histórico que foram comprados pela autarquia para criar habitação jovem.
A preços baixos?
São rendas que, no mercado, seriam de 1200 euros, e nós cobramos 250 (são no máximo T2, porque tentamos maximizar a oferta para podermos receber mais jovens). Depois, temos habitação para famílias carenciadas - que vivem no limiar da pobreza e não têm hipótese de comprar casa ou pagar renda, mesmo esta de 250 euros é um esforço impensável para famílias que vivem com o salário mínimo ou o RSI ou uma pensão de 300 euros - e nesse programa temos famílias a pagar 5 euros/mês (suportado na totalidade pela CMO). Temos um parque habitacional de 4 mil fogos e quando uma família necessitada sai, passamos a casa a outra. Mas temos um problema: o ciclo de pobreza não é quebrado ao mesmo tempo por todos os membros destas famílias e se numa família pode haver uma filha que consegue formar-se em engenharia ou medicina ou o que for, e através da educação apanha o elevador social, um irmão dela pode ser toxicodependente e outro ter um filho aos 15 ou 16 anos... e não podem ficar todos a viver na mesma casa, a CMO tem de fazer o desdobramento, ter casas para acolhê-los. E de repente as casas não chegam...
Tem planos para aumentar essa oferta?
Até ao fim do ano, vamos lançar um programa de 500 fogos, esperamos que com o apoio do governo através do Primeiro Direito, que comparticipa até 40% a fundo perdido. A ideia é começarmos a pôr no mercado casas para a classe média, para famílias que não têm condições para comprar ou arrendar em Oeiras e que a CMO pode lançar no mercado a preço reduzido: T2 e T3 entre os 130 e os 170 mil euros - que no mercado regular custariam acima de 300 mil euros.
É esse o caminho para resolver a falta de habitação? Não passa também pela reabilitação?
A requalificação urbana é um fiasco, uma ilusão. Se quer resolver o problema de quem não tem casa, não é por aí, porque os proprietários de casas nos centros históricos que decidem reabilitar fazem-no com custos muito elevados - e não vai realojar essas pessoas em centros históricos, numa construção de determinado patamar de qualidade, com rendas sociais comportáveis pelas famílias. Se quer resolver o problema de quem não tem casa e é pobre, é preciso construção nova.
Mas recorrendo também a privados?
Sim, já houve esse modelo no tempo do professor Cavaco Silva, o Programa Especial de Realojamento (PER): a câmara colocava terrenos à disposição e os empreiteiros construíam e vendiam à câmara - que depois as arrendava a essas famílias - ou diretamente às famílias que as câmaras indicavam, a preços controlados. Hoje toda a gente diz que as casas estão muito caras, mas há quatro anos dizia-se que havia casas a mais. Os construtores faliam, os bancos tomavam conta das casas e os especialistas, os gurus da economia do nosso país, diziam que as câmaras eram irresponsáveis, tinham colocado demasiadas casas no mercado. Bastaram três anos para vivermos o maior período de especulação imobiliária dos últimos 100 anos. E porquê? É a lei da oferta e da procura: as casas vão continuar caras - podem não subir mais - até a oferta ultrapassar a procura. Mas com a lei dos solos que temos, isso não vai acontecer. Isto está bom para os ricos.