ADSE: dívida aos beneficiários duplica, faltam trabalhadores para fazer reembolsos
Os atrasos nos reembolsos aos beneficiários da ADSE já são superiores a dois meses e a dívida duplicou face ao ano passado. Na origem desta situação, que já se arrasta desde o ano passado, está a falta de trabalhadores do sistema de saúde da função pública: só tem 184 funcionários quando o quadro é de 242 - ou seja, quase menos um quarto (24%). Desde o verão do ano passado, já saíram 11 trabalhadores sem que tivessem sido substituídos.
Eugénio Rosa, economista eleito pelos representantes dos beneficiários no conselho diretivo da ADSE, não revela o valor em dívida aos beneficiários mas acusa o Ministério das Finanças de não permitir o recrutamento de mais trabalhadores, apesar de a ADSE ter um estatuto diferente dos outros institutos públicos já que mais de 93% da sua despesa é financiada pelos descontos dos trabalhadores e aposentados da função pública - em 2018, estes descontaram 592 milhões de euros para o sistema.
Aos obstáculos criados pelo ministério de Mário Centeno, Eugénio Rosa acrescenta "a inércia dos membros do conselho diretivo nomeados pelo governo que, tendo a maioria, impuseram que o pelouro dos recursos humanos da ADSE ficasse sob a sua alçada".
Uma das soluções preconizadas pelo economista seria a contratação de uma empresa pública que permitisse dar vazão às faturas acumuladas, sobretudo desde que os processos das regiões autónomas passaram para Lisboa. Da Madeira, vieram caixotes e caixotes de papéis que têm que ser todos conferidos e introduzidos no sistema e isso representa um aumento brutal no trabalho realizado.
A isto soma-se o combate à fraude, que obriga os funcionários a passarem a pente fino toda e qualquer fatura e a documentação, mesmo a digital, que lhes é dirigida pelos grupos de saúde privados com convenção com a ADSE.
Resultado: ficam atrasados os pagamentos do regime livre - regime que permite aos beneficiários irem a uma consulta ou fazerem exames onde entenderem, remetendo depois a fatura à ADSE para serem ressarcidos com uma percentagem do pagamento.
O Portal da Queixa está repleto de denúncias de atrasos nos pagamentos: "Entreguei a fatura e o recibo relativo a dois aparelhos auditivos em outubro numa Loja do Cidadão. Contactei por telefone e responderam-me para ter paciência. Estou indignada, porque não respeitam os idosos. Há 6 meses que aguardo o reembolso", escreveu Emília no início deste mês. Aguarda resposta.
Mas há muitas mais queixas, como a de Patrícia, colocada no dia 24 de abril: "Tive uma consulta de reumatologia em julho de 2018, enviei os documentos para reembolso em correio registado e nunca foram digitalizados pelos serviços da ADSE. Já contactei a mesma mais do que uma vez através do site, enviando cópia dos documentos e até hoje não fui reembolsada, já lá vão 10 meses." Ainda aguarda resposta.
Ou como a de Nuno: "Tenho recibos de despesas muito atrasados. O mais antigo é de junho de 2018.
Os valores são relevantes e importantes para a minha economia familiar. Já tive uma ou outra despesa de baixo valor, enviada posteriormente e já as recebi. Não se justifica este atraso mais que excessivo." Também aguarda resposta.
"Até hoje não fui reembolsada, já lá vão 10 meses"
A falta de trabalhadores necessários para assegurar o funcionamento da ADSE está a causar graves prejuízos aos beneficiários, denuncia Eugénio Rosa. O que é tanto mais insólito, diz, quando o sistema tem dinheiro disponível para os reembolsos. "Os pagamentos aos beneficiários já ultrapassam os dois meses. Tenho recebido cartas de beneficiários a queixarem-se de que entregaram as faturas há já quatro e cinco meses e ainda não foram reembolsados", conta, sublinhado que nestes atrasos mais graves, muitas vezes isso também se deve ao facto de a papelada nem sempre ser entregue corretamente.
Além do quadro da ADSE permitir a contratação de mais trabalhadores, os custos operacionais do sistema representam apenas cerca e de 1,7 por cento da despesa total - numa seguradora esse custo é em média de 10 por cento, argumenta Eugénio Rosa.
A sobrefaturação dos privados e a sustentabilidade do sistema
O atraso nos reembolsos aos beneficiários, sobretudo aos da Madeira, já deu azo a uma troca de galhardetes entre responsáveis. João Proença, que é presidente do Conselho Geral e de Supervisão da ADSE, no final do ano passado negou qualquer responsabilidade da ADSE nos atrasos nos pagamentos aos beneficiários de regime livre. E frisou que a Madeira esperou primeiro pelo decreto-lei de execução orçamental, que levou quatro meses e meio a ser publicado, e "não fez os ajustamentos [durante esse período] para permitir a digitalização" enquanto "os Açores criaram uma task force e digitalizaram tudo rapidamente em duas ou três semanas".
"Isto é uma responsabilidade inteira da ADSE e ponto final", disse então Herberto Jesus, presidente do IASAÚDE - Instituto de Administração de Saúde e Assuntos Sociais. Apontou ainda várias circunstâncias que motivaram o atraso no pagamento aos beneficiários da região autónoma: o atraso na publicação da lei de execução orçamental (cinco meses); a inexistência da plataforma digital na Madeira para o processamento dos pagamentos; o pedido da ADSE para a região não enviar processos durante o período de verão; a demissão do conselho diretivo da ADSE e a promessa da ajuda do instituto nacional ao IASAUDE.
Estes atrasos no reembolso dos beneficiários surgem numa altura em que o sistema de saúde dos funcionários públicos tem sido notícia devido à polémica com os prestadores privados, com a ADSE a acusar os convencionados de terem sobrefaturado mais de 38 milhões de euros entre 2015 e 2016 e a exigir a devolução do dinheiro - nas próteses e medicamentos as diferença de valores cobrados chegou a 3000%.
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A Luz, José de Mello Saúde, Lusíadas, Trofa e HPA do Algarve disseram que iam suspender as convenções a partir de meados de abril, mas entretanto encetaram negociações e a ameaças não se concretizaram.
Ao mesmo tempo, o DN divulgou um estudo sobre a sustentabilidade do sistema que pede medidas urgentes:o alargamento a a cem mil trabalhadores com contratos individuais na administração pública, bem como a adoção rápida de instrumentos de controlo da despesa e dos "consumos excessivos promovidos por prestadores e mesmo a fraude".
Este estudo, elaborado pelo Conselho Geral e de Supervisão da ADSE e entregue ao governo, ainda a aguardar resposta, refere que 50% dos novos contribuintes poderiam vir da área da saúde, setor em que as idades contributivas são apelativas para um sistema que se depara com o envelhecimento e consequente aumento de despesas médicas dos seus beneficiários.