Impacto financeiro da covid é desconhecido por metade dos organismos públicos
Cerca de metade dos organismos públicos que conseguiram enviar ao Tribunal de Contas (TdC) o dossiê completo sobre as suas contas anuais, demonstrações financeiras e anexos com informação ligada aos efeitos da pandemia (quase 700 entidades públicas), não conseguiram ou não quiseram dar uma estimativa para o impacto financeiro da covid nos seus orçamentos e na sua atividade, diz o coletivo de juízes. O envio destas informações é feito ao abrigo da lei.
De acordo com o relatório sobre a prestação de contas públicas em 2020, divulgado esta quinta-feira, ao todo existem 6402 entidades públicas que estão "obrigadas à prestação de contas ao Tribunal de Contas".
Até ao final de outubro, isto é, já depois de ter sido entregue a proposta de Orçamento do Estado deste ano (OE2021), havia 440 entidades em "incumprimento", que ainda não tinham enviado as suas contas de 2019 para o Tribunal analisar e validar. Depois de algumas diligências, o TdC conseguiu baixar o número de infratores para 59.
Mas daquelas 6402 entidades, era suposto haver, pelo menos, 1375 que poderiam ter dado dados adicionais (nos tais anexos), já após o fecho dos seus balanços, sobre "riscos associados pelas entidades no que concerne aos impactos da covid-19", como "risco de negócio, risco de liquidez, risco de continuidade das operações, risco de contágio do vírus entre colaboradores, risco de resultados e o risco de receita".
Os juízes sublinham que esta omissão é relevante pois esses riscos "poderão ter impacto nas demonstrações financeiras de 2020".
"Dos dados evidenciados, apura-se que 679 (49,4%) não remeteram o anexo às demonstrações financeiras", elaborado de acordo com o previsto no SNC-AP (Sistema de Normalização Contabilística das Administrações Públicas), documento essencial para esta análise".
As entidades que, de acordo com as regras, devem prestar esse tipo de informação mais fina, designadamente sobre os eventuais impactos da covid, são muitas centenas de escolas, entidades da área da Economia e do setor social.
"Estavam nesta situação 669 entidades da área da Educação e Ensino, que correspondem a agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas de escolas de ensino básico e secundário."
Segundo o Tribunal, 696 entidades "enviaram a documentação na qual deveriam constar as divulgações em causa, designadamente as relativas a eventuais impactos da covid-19".
O vazio é grande. O Tribunal de Contas admite que o surto da covid "tem um impacto social e económico muito significativo, criando um elevado grau de incerteza para as entidades públicas e empresas, sendo que as implicações no relato financeiro podem também ser muito significativas, com efeitos que dependem da realidade de cada entidade".
Mas pede um esforço às entidades para calcularem os efeitos que já sentiram e, com base nisso, tentar projetar o futuro a bem das contas públicas.
O retrato relativo às 696 entidades que podiam ter feito estimativas envolvendo os efeitos da pandemia mostra, como referido, que quase metade, cerca de 47% não prestaram qualquer informação sobre os "possíveis impactos" da pandemia na sua atividade.
"330 entidades não relataram a situação provocada pela covid-19, sendo que, das 366 (52,6%) que o fizeram, a maioria (46,6%), apesar de esperar impactos, não procede à sua quantificação", refere o Tribunal.
Isto faz com que "efetivamente, apenas 42 das entidades [6%] apresentaram uma estimativa dos impactos esperados".
Numa avaliação mais abrangente ao ciclo de prestação de contas por parte das entidades da Administração Pública (AP) portuguesa, o TdC revela que deram entrada (até ao final de outubro passado) "5962 contas relativamente a 2019".
No entanto, como referido, a AP tem cerca de 6400 entidades que estão obrigadas a declarar as contas ao Tribunal.
Ou seja, no final de outubro, estavam "em situação de incumprimento 440 entidades, tendo sido, entretanto, realizadas diligências com vista à submissão das contas em falta". Assim, "à data atual estão em incumprimento 59 contas".
No âmbito do controlo de entrada das contas, apurou-se que 85% das contas foram recebidas dentro do prazo legal, 7% a coberto de PJRIC, isto é, foram forçadas a fazê-lo ao abrigo de "pedidos de justificação de remessa intempestiva das contas".
Mesmo assim, 5% das entidades públicas enviaram as suas contas "fora do prazo e sem qualquer justificação", refere o Tribunal.
Os 5962 organismos que prestaram informação dentro dos prazos legais foram responsáveis por um volume financeiro total (não consolidado) de quase 379 mil milhões de euros. Quase metade deste valor (49%) foi para as funções económicas. Quase 31% foi para o setor social, indica o novo estudo.