FMI: A despesa "paga" a redução do défice até final da legislatura
A redução prevista do défice público durante os anos que faltam para terminar esta legislatura (até 2023, inclusive) será feita essencialmente pela via da despesa pública, que deve cair dos atuais 48% do produto interno bruto (PIB) para cerca de 45%, prevê o Fundo Monetário Internacional (FMI), no Monitor Orçamental, edição que é da responsabilidade do departamento dirigido pelo ex-ministro das Finanças português, Vítor Gaspar.
Se a despesa terá um contributo muito significativo (dois terços da redução do desequilíbrio orçamental é feito pela forte redução no peso dos gastos), o rácio da receita oferece uma ajuda, mas mais modesta, que rondará um aumento de 1,7 pontos percentuais do PIB. Sobe de 42% para 43,7% do produto, indica o FMI nas previsões do departamento de assuntos orçamentais, ontem divulgadas.
Com este perfil de consolidação orçamental, o FMI indica que Portugal pode vir a ser um campeão do ajustamento orçamental ao nível da zona euro, prevê o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O défice deve cair de cerca de 6% em 2020 (recentemente o INE apurou um défice de 5,7%) para 5% no final deste ano e no próximo parece que o país até já cumpre o Pacto de Estabilidade nesta parte: o défice deve rondar 1,9%, bem abaixo da fasquia máxima dos 3% do PEC.
Em 2023, último ano desta legislatura (se correr sem percalços, claro), o desequilíbrio cai para apenas 1,4%. No ano seguinte, diz o FMI, o país até já deve chegar a um excedente, outra vez.
Este ano, a projeção da instituição sedeada em Washington dá um défice público equivalente a 5% do produto interno bruto (PIB), bastante acima dos 4,3% que estão no Orçamento do Estado de 2021 (défice que o governo já disse vai ter de ser revisto em alta porque a retoma está mais fraca), mas a partir daqui o ajustamento ganha velocidade.
Com um peso da dívida de quase 134% do PIB em 2020, um nível considerado excessivo e perigoso, o FMI parte do pressuposto que o país vai ter de fazer um ajustamento rápido nas contas públicas.
Seriam mecanismos temporários, mas deviam ser considerados no âmbito da estratégia para financiar a saída da crise pandémica e da luta contra as desigualdades: os países, sobretudo os mais avançados, deviam considerar o aumento de impostos sobre os rendimentos ou os rendimentos (heranças, por exemplo) das famílias mais ricas ou sobre os "lucros excessivos" de algumas empresas, defende o departamento de Assuntos Orçamentais, dirigido por Vítor Gaspar, do Fundo Monetário Internacional (FMI).
"Para ajudar a atender às necessidades de financiamento relacionadas com a pandemia, os decisores de política podem considerar criar uma contribuição temporária para a recuperação da crise da covid-19 que incidiria sobre rendimentos ou níveis de riqueza elevados", diz o novo estudo semestral Monitor Orçamental, uma das publicações charneira do FMI que é coordenada e dirigida pelo antigo ministro das Finanças do PSD-CDS.
O FMI está preocupado com o facto de os Estados poderem chegar a um ponto em que lhes falta dinheiro para combater esta crise, uma vez que os recursos (como no caso da União Europeia e de cada um dos países do grupo) são limitados e os bancos centrais podem estar no limite. Assim, a ideia é arranjarem novas fontes de receita, mesmo que algumas sejam temporárias.
É preciso acautelar e "reunir as receitas necessárias". "As economias avançadas podem aumentar a progressividade da tributação sobre o rendimento e aumentar a sua dependência face a impostos sobre heranças e doações, bem como aumentar a tributação sobre a propriedade", lê-se no Monitor Orçamental.
"Podem ser consideradas contribuições para a recuperação da crise covid-19 e considerados impostos sobre lucros empresariais excessivos."
Além disso, o FMI defende que "os impostos sobre as fortunas também podem ser considerados se as medidas anteriores não forem suficientes".
Isto são algumas ideias para os chamados países ricos. No caso dos menos ricos, chamados mercados emergentes e economias em desenvolvimento, o foco deve ser "o fortalecimento da capacidade tributária para financiar mais apoios sociais".
Para o FMI de Gaspar "as respostas políticas devem reconhecer que vários aspetos da desigualdade (rendimento, riqueza, oportunidades) se reforçam mutuamente e criam um círculo vicioso".
Por isso, "as intervenções precisam de ser uma combinação de políticas pré-distributivas (que afetam o rendimento antes de impostos e transferências) e políticas redistributivas (que reduzem a desigualdade de rendimento, principalmente por via das transferências públicas e, em menor grau, através dos impostos, especialmente no caso das economias avançadas)".
Na conferência de imprensa que decorreu esta quarta-feira em Washington, Paolo Mauro, o diretor-adjunto de Gaspar à frente do departamento, deu mais detalhes.
Nas economias avançadas, a contribuição fiscal "poderia tomar a forma, por exemplo, de uma sobretaxa nos impostos individuais ou uma sobretaxa sobre rendimentos das empresas, dado que algumas prosperaram imenso em termos de valorização no mercado de capitais" nos últimos tempos, referiu o italiano.
Mauro recordou inclusive que antes da pandemia já se assistia a uma "erosão nas receitas dos impostos sobre o rendimento das empresas" e "na taxação dos particulares que se encontram no topo dos escalões de rendimentos".
Para o FMI, há duas prioridades para os governos no uso dos apoios e do financiamento disponível.
A equipa de Vítor Gaspar defende "apoios mais direcionados às famílias vulneráveis". "A pandemia teve um efeito muito mais negativo sobre pobres, jovens, mulheres, minorias e trabalhadores em empregos com maus salários e do setor informal". As autoridades devem olhar mais para estes grupos, "aumentando a cobertura das redes de proteção social", mas sempre controlando os abusos e os usos "indevidos".
Os apoios também devem ir, de preferência, para as "empresas viáveis", isto é, "convém que os governos evitem a má alocação de recursos e limitem o aumento do número de empresas inviáveis", as que só se mantêm à tona com apoios públicos.