Fitch ameaça Portugal e corta perspetiva do rating de positiva para estável
Não estava previsto, mas a agência de ratings Fitch decidiu reduzir a perspetiva sobre a qualidade da dívida portuguesa de "positiva" para "estável", anunciou a empresa esta sexta-feira à noite. Motivo: os efeitos devastadores da covid na economia e, possivelmente, na qualidade da dívida.
A nota da dívida continua em BBB (acima de lixo), mas agora ameaçada de despromoção efetiva dentro de semanas. A Fitch volta a avaliar o País a 22 de maio e, se nada melhorar, o rating vai cair, o que pode perturbar seriamente as taxas de juro da República.
"A revisão do outlook reflete o impacto significativo da pandemia global da covid-19 na economia portuguesa e na posição orçamental do soberano. É provável que o choque interrompa as tendências de melhoria anteriormente previstas para o crescimento económico, o rácio de dívida pública em relação ao PIB e a resiliência do setor bancário".
"Uma economia pequena e aberta como Portugal, com a sua alta dependência face ao turismo, está exposta a riscos negativos devido a gravidade da pandemia, principalmente se o bloqueio do país continuar além do estimado no cenário de base da Fitch."
Como referido, a Fitch só tinha prevista uma avaliação aqui a pouco mais de um mês, 22 de maio, mas agora justifica esta ação com o facto de estamos a viver uma "situação em que há uma alteração significativa na capacidade creditícia do emissor [Portugal] que, acreditamos, torna inadequado esperarmos até a próxima data programada de revisão para atualizar a classificação" do País.
"A Fitch acredita que os desenvolvimentos no País justificam este desvio no calendário", insiste a agência.
A Fitch prevê agora que a economia sofra uma recessão de 3,9% em 2020, ou seja, uma revisão em baixa profunda de 5,6 pontos percentuais (p.p.) face à última ação sobre o rating português, que aconteceu em novembro de 2019.
O défice, como já se sabe, vem aí. Estes avaliadores consideram que pode chegar a 4% do PIB no seu cenário central (de base). Pode ser pior, num cenário adverso.
A agência refere ainda que "desde 18 de março de 2020, existe um bloqueio nacional, que encerrou sectores não essenciais, instituições de ensino e foram aplicadas restrições nas fronteiras".
"Os serviços e as indústrias relacionados com o setor de turismo serão os mais atingidos. A contribuição geral do turismo para o PIB e para o emprego é de cerca de 16,5% e 18,6%, respetivamente, de acordo com o Conselho Mundial de Turismo".
Nesse sentido, "esperamos uma contração profunda na economia no segundo trimestre deste ano, antes de uma retoma gradual da atividade no segundo semestre e em 2021". Mas isto só no cenário em que as medidas de bloqueio vão sendo levantadas até ao final de junho.
"A Fitch estima que o saldo orçamental final passará a um défice de 4% do PIB em 2020, isto depois de um excedente de 0,2% em 2019". Este valor para o défice já "contabiliza os estabilizadores automáticos [mais dinheiro automaticamente gasto em subsídios de desemprego e outros apoios sociais porque as situações de carência disparam] e as medidas orçamentais anunciadas em resposta à covid-19", diz a agência.
Em todo o caso, a Fitch não desarma. Diz que "existem riscos negativos significativos nas nossas previsões, dada a incerteza quanto à extensão e duração do surto de coronavírus. Uma segunda onda de infeções, um período mais longo de bloqueio da economia e/ou um agravamento da crise sanitária noutros países europeus, levariam a quedas muito maiores na economia portuguesa em 2020 e potencialmente a uma recuperação mais fraca em 2021. Esse cenário exacerbaria os efeitos negativos no mercado de trabalho, no setor bancário e nas finanças públicas".
Recorde-se que esta semana, o Fundo Monetário Internacional (FMI) sinalizou que se está a formar uma tempestade que pode arrasar, novamente, com a dívida portuguesa (e não só) e com as taxas de juro soberanas.
O FMI é até mais pessimista do que a Fitch. Disse que o mundo vai viver a pior recessão em quase 100 anos, desde a Grande Depressão dos anos 20 do século passado.
E que Portugal é, como quase todos os países, arrastado e deve registar uma das piores recessões de sempre (o FMI projeta uma quebra de 8% na economia nacional em 2020) e a taxa de desemprego pode atingir 13,9% da população ativa, mais do dobro face a 2019. O défice reaparece e atinge 7,1%.
Luís Reis Ribeiro é jornalista do Dinheiro Vivo