CP demora quase três anos a encomendar novos comboios

O governo autorizou a compra de 22 novos comboios em setembro de 2018. O processo está parado no Tribunal de Contas, à espera de esclarecimentos da empresa.
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Foi em 6 de setembro de 2018 que o Conselho de Ministros autorizou a CP a comprar 22 novos comboios para o serviço regional. Com preço-base de 168,21 milhões de euros, o concurso público previa a chegada destas composições entre 2023 e 2026.

Quase três anos depois, contudo, a transportadora ainda nem encomendou o novo material circulante. As 22 unidades apenas devem começar a chegar no final de 2024.

A primeira aquisição de novos comboios em duas décadas está parada no Tribunal de Contas (TdC). Desde fevereiro deste ano que a entidade liderada por José Tavares aguarda mais esclarecimentos da empresa pública ferroviária.

A CP vai comprar os 22 novos comboios aos suíços da Stadler, que ganharam o concurso com uma proposta avaliada em 158,14 milhões. Das 22 novas automotoras, 12 serão híbridas e poderão funcionar a diesel ou debaixo de catenária; as restantes 10 unidades serão exclusivamente elétricas.

As novas composições vão circular em linhas regionais como Douro, Algarve, Oeste e ainda em Évora e Beja. As unidades híbridas deverão ser usadas nos troços Casa Branca-Beja (linha do Alentejo) e Régua-Pocinho (linha do Douro), que não estarão eletrificados no final de 2024.

O Flirt 160 foi o modelo escolhido pela empresa suíça para entrar neste concurso. É um comboio regional com um só piso, que pode ser facilmente personalizado às necessidades da CP. Esta automotora pode utilizar entre duas e oito carruagens, estando preparada para circular com tração elétrica, híbrida ou exclusivamente a diesel.

O comboio conta ainda com portas largas, de piso rebaixado, que facilitam a entrada de crianças, idosos e de pessoas com mobilidade reduzida, ou então dos carrinhos de bebé ou bicicletas.

A Stadler é uma marca de comboios que está presente em toda a Europa, tanto com unidades com bitola métrica, bitola europeia e bitola ibérica, a mais larga. Em mais de uma década, já foram fabricadas mais de 1400 unidades.

O atraso na chegada dos novos comboios obriga a CP a recorrer à prata da casa. Nas linhas eletrificadas, a empresa aposta na recuperação de material circulante, como as locomotivas 2600 e ainda de carruagens como as Schindler e as Arco - estas compradas a Espanha em meados de 2020. Para as linhas sem catenária, a transportadora vai modernizar as automotoras da série 450 a partir de meados deste ano.

Em paralelo, até ao final de 2022, a CP tem um contrato de aluguer de 24 automotoras diesel aos espanhóis da Renfe, no valor de 320 mil euros por unidade. Depois deste verão, a transportadora prevê devolver oito unidades, baixando o valor anual do aluguer dos 8,3 para cerca de 5,8 milhões de euros.

Pedro Marques ainda era o ministro das Infraestruturas quando o governo autorizou a CP a comprar comboios.

O concurso público internacional só foi lançado em janeiro de 2019 e houve cinco candidatos na fase preliminar: os suíços da Stadler, os espanhóis da CAF e da Talgo, os franceses da Alstom e os alemães da Siemens.

Em julho, apenas os suíços e os espanhóis tinham chegado à segunda fase do concurso - Pedro Nuno Santos substituíra, entretanto, Pedro Marques. No início de dezembro, a Stadler foi declarada como a vencedora do concurso. A CAF, uma das derrotadas, travou o processo através da entrega de um contencioso no Tribunal Administrativo de Lisboa.

Dez meses depois, em 4 de outubro de 2020, foi levantada a impugnação. A CP assinou finalmente o contrato para a compra de comboios em 21 de outubro. O documento chegou pela primeira vez ao TdC em 11 de novembro, para receber o obrigatório visto para os contratos acima dos 750 mil euros.

O processo foi devolvido pela primeira vez em 4 de dezembro, pedindo novos elementos à CP. A análise foi reaberta em 8 de fevereiro mas suspensa por dez dias, para novos esclarecimentos. Desde 18 de fevereiro que o TdC está à espera da transportadora.

De acordo com a legislação em vigor, o TdC dispõe de 30 dias úteis para se pronunciar sobre um processo de visto. Se este tribunal devolver o processo para pedir mais elementos, a contagem do prazo é interrompida e é retomada quando chega a resposta da empresa visada.

O documento pode obter um visto tácito (administrativo) se o TdC não se pronunciar após a contagem dos 30 dias úteis; ou então pode ser visado após a análise do documento.

Nos próximos anos, serão lançados concursos para a compra de 129 novos comboios num montante próximo de mil milhões de euros: 62 para serviços urbanos, 55 regionais e ainda 12 unidades para o longo curso.

As décadas em que a CP não foi compensada pela prestação do serviço público ferroviário geraram uma dívida de 2,1 mil milhões de euros. O seu saneamento está previsto no contrato de serviço público, em vigor desde junho de 2020, mas aguarda pela autorização final do Ministério das Finanças.

Ainda sem data para conclusão do processo, o gabinete de João Leão recusa-se a prestar esclarecimentos, apesar da insistência do DV nos últimos dois meses.

Em abril, o vice-presidente da CP, Pedro Moreira, avisou que, enquanto se mantiver a dívida, a empresa "não conseguirá dar resposta à concorrência que vai aparecer".

A presidente do ISEG, Clara Raposo, assinala: "Uma dívida pesada no balanço é sempre um elemento de pressão para a gestão de uma empresa, podendo o serviço da dívida e a aproximação de data de reembolso tornar-se incomportável e condicionar, até, a forma como a empresa sente à vontade para gerir o negócio e outros custos que não financeiros."

diogofnunes@dinheirovivo.pt

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