Contas públicas não foram protegidas nas injeções no Novo Banco
São conclusões arrasadoras para a forma como foi conduzido o processo de resolução do Banco Espírito Santo (BES) e o acordo para as futuras injeções no Novo Banco.
O relatório de auditoria do Tribunal de Contas divulgado ontem não poupa críticas a ninguém: governos, Fundo de Resolução, Banco de Portugal e Novo Banco, apontando falhas de informação e de transparência sobre o acordo celebrado com o fundo norte-americano Lone Star e o cálculo das necessidades sucessivas de injeções de capital no Novo Banco (NB).
"O financiamento público do NB concorreu para a estabilidade do sistema financeiro, sobretudo por ter sido evitada a liquidação do banco e reduzido o risco sistémico", indica o Tribunal de Contas, concluindo que "não foi minimizado o impacto na sustentabilidade das finanças públicas, nem reduzido o risco moral, com 2976 milhões de euros de despesa pública, que acresce à dos 4 900 milhões de euros de capitalização inicial do NB", lembrando que o Estado ainda pode ser chamado para despender "mais 914 milhões de euros, ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente (ACC) e do montante necessário à viabilidade do NB, nos termos do compromisso assumido com a Comissão Europeia (até 1,6 mil milhões de euros)", frisa.
Nas conclusões divulgadas esta segunda-feira, o Tribunal de Contas (TdC), refere que "não tem sido devidamente cumprida a obrigação de o NB reportar a informação sobre a execução do ACC, por falta de formalização do acordo sobre forma e substância do suporte dessa informação e pelo atraso na preparação desse suporte pelo NB (face ao prazo contratual de trinta dias), alegando depender de contas auditadas", sublinhando que o valor a financiar deve ser "apropriadamente demonstrado, verificado e validada antes de ser pago", e que "não foi apresentada a demonstração do cálculo do défice de capital do NB (valor a financiar), nem evidência sobre a sua verificação integral, que o Fundo de Resolução (FdR) tem o dever de exigir nos termos do ACC."
Falhas a que se junta a "falta de transparência na comunicação do impacto da Resolução do Banco Espírito Santo (BES) e da Venda do NB na sustentabilidade das finanças públicas. O foco da imputação das perdas verificadas, no BES e no NB, não deve ser desviado dos seus responsáveis (por ação ou por omissão) para onerar os contribuintes ou os clientes bancários (em regra também contribuintes)", recomendando a aplicação dos "princípios da transparência e da prestação de contas e comunicar periodicamente esse impacto nas finanças públicas e essa imputação de responsabilidades."
A auditoria foi pedida pela Assembleia da República, visando "o processo de financiamento público do Novo Banco pelo Fundo de Resolução, ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente celebrado por ambos em 18/10/2017, e visa avaliar se esse financiamento salvaguarda o interesse público".
A próxima injeção de capital, prevista para este mês, está também dependente deste relatório, segundo o que garantiu o ministro das Finanças no parlamento. Em causa estará um valor a rondar os 430 milhões de euros que estão inscritos no Programa de Estabilidade 2021-2025, abaixo do que estava previsto no Orçamento do Estado para este ano no montante de 476 milhões de euros e que acabou por ser chumbado pelo parlamento.
A divulgação da auditoria conduziu a várias reações por parte das entidades envolvidas. Em comunicado, o Banco de Portugal disse que a conclusão principal do Tribunal de Contas é a de que a ajuda pública à instituição financeira permitiu garantir a estabilidade do sistema financeiro, que era o objetivo do supervisor. "Esta é a conclusão central da auditoria e confirma que tem vindo a ser cumprido o desígnio fundamental da ação do Banco de Portugal, ao longo de todo o processo iniciado com a resolução do Banco Espírito Santo, em agosto de 2014, e que teve como marco decisivo a conclusão da venda do Novo Banco, em outubro de 2017".
Sobre o ponto específico de "serem apropriadamente demonstrados, verificados e validados os cálculos do capital do Novo Banco, que determinam os valores a pagar pelo Fundo de Resolução", o supervisor financeiro contesta as críticas de falta de transparência e sublinha que é uma "competência exclusiva" do Banco Central Europeu, no quadro do Mecanismo Único de Supervisão, no qual o Banco de Portugal participa.
Já o Fundo de Resolução considera que tem cumprido todos os deveres para minimizar o impacto nas finanças públicas do Novo Banco e que tem havido transparência nos montantes. Diz o Fundo de Resolução que"importa demonstrar que, contrariamente ao que se conclui inadequadamente (ou está omisso)" na auditoria, tem cumprido os seus deveres no Acordo de Capitalização Contingente do Novo Banco (o mecanismo pelo qual o banco beneficia de dinheiro público) e que os valores pagos ao Novo Banco têm sido "apropriadamente demonstrados".
Ambas as entidades defendem que a auditoria do Tribunal de Contas ao Novo Banco demonstra que não há impedimentos à injeção de dinheiro público no banco e que devem ser cumpridos os contratos feitos no âmbito do Novo Banco, nomeadamente o contrato do mecanismo de capital contingente pelo qual o Estado tem capitalizado o banco.
Luís Máximo dos Santos, presidente do Fundo de Resolução, adiantou que a nova injeção de capital ainda não está "totalmente definida" estando a ser trabalhada com várias entidades, como o Ministério das Finanças.
Este, por sua vez, acredita que as sucessivas injeções no Novo Banco foram a solução que melhor protegeu as contas públicas, os depositantes e o sistema financeiro.
"O mecanismo de capitalização contingente, enquanto condição essencial à venda, salvaguardou o interesse público, preservou a estabilidade financeira, protegeu os depositantes e minimizou os impactos nas contas públicas", adiantou Ministério das Finanças, em comunicado.
Com Lusa