Contas anteriores a 2016 escapam ao fisco
Daqui a menos de um ano, o fisco vai receber pela primeira vez informação sobre as poupanças que os residentes (portugueses ou estrangeiros) têm em bancos nacionais. As regras ontem aprovadas em Conselho de Ministros determinam que apenas serão comunicados os saldos das contas abertas a partir de 1 de janeiro de 2016 e quando o seu valor ultrapassa os 50 mil euros. O diploma segue agora para apreciação do Presidente da República, depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter tecido críticas à versão inicial.
O primeiro reporte dos bancos sobre as poupanças de residentes terá de chegar à Autoridade Tributária e Aduaneira até 31 de julho do próximo ano e visará o valor existente a 31 de dezembro de 2016, ou seja, os movimentos efetuados ao longo do ano não chegarão ao conhecimento do fisco.
E como se apura aquele saldo? somando todas as contas (à ordem e a prazo) e o conjunto de outros ativos financeiros (como fundos de investimento, por exemplo) que cada pessoa tem num banco. Ou seja, se duas pessoas forem titulares de uma mesma conta e se esta tiver poupanças no valor total de 60 mil euros, o valor é reportado. Desta forma tenta travar-se tentações de espalhar as poupanças por vários titulares.
Mas o decreto-lei ontem aprovado é mais vasto e não se limita a regular as condições de reporte de informação sobre contas de residentes (portugueses ou estrangeiros) em bancos nacionais. Fazendo uma espécie de três em um, o diploma procede também à transposição da diretiva comunitária que estabelece um mecanismo automático de acesso e troca de informações financeiras em relação às contas detidas em Portugal por não residentes (incluindo emigrantes) com as autoridades fiscais de cerca de meia centena de países que aderiram ao Common Reporting Standard (CRS); e de portugueses cá residentes mas com contas no estrangeiro.
Regulamenta ainda o acesso da AT e a comunicação às autoridades dos EUA dos saldos bancários e informações de aplicações financeiras que cidadãos norte-americanos tenham em bancos nacionais e de contas de portugueses cá residentes existentes nos EUA.
Estas três áreas de intervenção obedecem a regras semelhantes mas têm algumas nuances. Uma delas está na data de abertura de contas, apenas em relação aos residentes em Portugal com conta em bancos nacionais o reporte será limitado às que foram abertas de 1 de janeiro de 2016 em diante. Já na troca com os EUA e no âmbito do CRS, o processo visará poupanças mais antigas. O mesmo se passa com o montante. Por cá, o fisco apenas receberá informação de saldos acima dos 50 mil euros, mas no âmbito de trocas com as autoridades fiscais dos países que aderiram ao CRS (onde se incluem alguns que são considerados regimes fiscais mais favoráveis) não haverá qualquer limite de valores para que o reporte seja realizado.
Apenas para as contas preexistentes a 2015 há um limite abaixo do qual não há lugar a reporte, sendo aquele de mil euros.
O comunicado emitido ontem pelo Conselho de Ministros sublinha que "com o diploma aprovado o governo pretende cumprir os compromissos internacionais do Estado português" em matéria de "reforço dos mecanismos que são internacionalmente considerados necessários como meios de combate à fraude e evasão fiscais, de natureza nacional e transfronteiriça" e salienta que a opção de estender aos residentes o reporte das poupança que detêm em bancos nacionais vai ao encontro da atitude que tem sido adotada por muitos países europeus.
O acesso do fisco ao saldo das contas de residentes nacionais tem sido alvo de críticas e mereceu reparos da Comissão Nacional de Proteção de dados, que emitiu um parecer em que considerava o diploma inconstitucional. O Ministério das Finanças salienta que a versão final acolheu "em grande medida" as recomendações específicas formuladas pela CNPD. O diploma veda o acesso a estes dados por terceiros, sujeita à verificação prévia da CNPD a comunicação de dados que não respeitem a jurisdições que não apresentem garantias de proteção, e estende os deveres de sigilo a entidades e pessoas subcontratadas pelas instituições financeiras reportantes.
Ao DN/Dinheiro Vivo, Fernando Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, salienta que "os mecanismos de acesso e a troca automática de informações financeiras no domínio da fiscalidade, conjugados com outros elementos, podem permitir a deteção e identificação por parte da Autoridade Tributária de práticas de deslocalização, ocultação ou subdeclaração de rendimentos e património". Além disso, "têm também uma natureza preventiva e dissuasora dessas mesmas práticas", sendo uma "peça importante no combate à evasão fiscal, sobretudo nos contribuintes de maior rendimento ou património".