Como o Deutsche Bank ajudou no esquema de fuga de capitais da Rússia
O Deutsche Bank foi apanhado num escândalo de fuga de capitais da Rússia. Em causa está um esquema avaliado em dez mil milhões de dólares (8,86 mil milhões de euros) e que se junta à lista de problemas cada vez maior de um dos maiores bancos mundiais.
Entre o final de 2011 e o início de 2015 três funcionários do banco alemão executaram um esquema de repatriação de capital através do mecanismo de mirror trade. A primeira operação era pedida para uma empresa local - representada pelo broker Igor Volkov - e consistia na compra em rublos equivalente a dez milhões de dólares em ações de uma grande cotada russa, como a Lukoil. Na segunda operação, Igor Volkov, em representação de uma empresa sediada num paraíso fiscal, vendia a mesma quantidade de ações da mesma empresa, em Londres, em troca de dólares, libras ou euros. Quer a empresa russa quer a offshore pertenciam à mesma pessoa. A sala de mercados do Deutsche Bank na Rússia ajudava o cliente a comprar e vender ações a si próprio.
Esta operação, aparentemente, era muito simples, legal e não dava sequer lucro aos clientes - o Deutsche Bank ganhava uma pequena comissão. Só que parte deste dinheiro tinha origem duvidosa. O que levou ao início das investigações dos reguladores financeiros da Alemanha, Reino Unido e do Departamento de Justiça dos EUA. Os britânicos acusam mesmo o banco alemão de "lavagem de dinheiro e financiamento de atividades terroristas", conta a revista New Yorker.
Tudo começou na sequência da crise financeira de 2008. O escritório russo de um dos maiores bancos do mundo começou a procurar outras fontes de receita, depois de anos em que os ganhos eram de perto de 300 milhões de dólares por ano. O esquema de fuga de capitais contava com a participação de vários milionários russos, representados por Volkov, e que geria fundos de investimento com nomes como Westminster, Financial Bridge e Louts. Depois destas operações de mirror trade, estes fundos compravam propriedades em Londres e em Nova Iorque.
Este esquema multimilionário de movimento de capitais acabou por ter impactos no mercado imobiliário: ao mesmo tempo que o dinheiro saía da Rússia, os preços das casas no Reino Unido aumentavam e até a libra se tornou mais forte, concluíram os próprios analistas do Deutsche Bank.
Vladimir Putin tentou contrariar a fuga de capitais em duas fases: em 2012, pediu aos maiores empresários russos e oligarcas para manterem as fortunas no país. Dois anos depois, e na sequência das sanções dos EUA e da União Europeia ao país (invasão da região da Crimeia), o presidente russo declarou ilegal a transferência de dinheiro para paraísos fiscais. De nada serviu. Muitos russos recorreram ao mirror trade, o que só encolheu a base fiscal do país e enfraqueceu (ainda mais) o rublo.
Estas operações envolviam aparentemente o círculo próximo de Putin. A Bloomberg chegou a sugerir que parte dos dez mil milhões de dólares desviados seriam de Igor Putin, primo do chefe do Estado russo, e dos irmãos Arkady e Boris Rotenberg. Estes são velhos amigos de Putin e estão na lista de sanções do Ocidente.
As operações decorriam sem que o Deutsche Bank fizesse grande caso. Cada novo fundo de investimento criado tinha de ser sujeito a uma dupla verificação pelos departamentos de compliance de Moscovo e de Londres (nos quais mal se sabia destas operações) para garantir que tudo estava em ordem. Depois desta luz verde, os fundos eram sujeitos a uma nova avaliação (know your client), em que era verificado se o cliente tinha algum indício de criminalidade. Mas estes fundos, representados por Igor Volkov, passavam sempre nos inquéritos. Apenas eram obrigados a escrever num parágrafo qual era a origem do dinheiro. "E não se perguntava mais do que isso", recorda um antigo funcionário do escritório de Moscovo. A miopia do Deutsche Bank acabou por levar, devido à pressão das autoridades, à suspensão de três funcionários do banco, em abril de 2015: Tim Wiswell, responsável da sala de mercados na Rússia; e dos traders Dina Makusutova e Georgiy Buznik. Cinco meses depois, em setembro, o Deutsche Bank anunciou o fecho da unidade de banca de investimento na Rússia, que só ocorreu em março deste ano.
Na mesma altura, o atual presidente executivo do Deutsche Bank, John Cryan, confessava: "No nosso entender, as operações individuais em si mesmas eram inócuas. Mas o caso levanta questões sobre quão efetivos são os nossos sistemas e controlos, sobretudo na integração de novos clientes, área em que temos tido dificuldades em obter informação suficiente."
Estas palavras chocam com o código de ética do banco, que serve para "guiar o negócio com a maior integridade". Há mesmo uma parte deste documento em que fica escrito: "Nós potenciamos o sucesso dos nossos clientes ao procurar as soluções mais adequadas para os problemas. [...] Faremos o que for certo - e não apenas o que for permitido."