Comissão Europeia geriu os resgates financeiros de forma "deficiente"

A conclusão é de uma auditoria do Tribunal de Contas Europeu divulgada hoje em Bruxelas

A Comissão Europeia não estava preparada para os primeiros resgates aos países afetados pela crise financeira de 2008. A conclusão é de uma auditoria do Tribunal de Conta Europeu (TCE), que diz que a gestão foi "deficiente" e inconsistente, uma vez que países com situações semelhantes foram tratados de forma diferente. Portugal, por exemplo, enfrentou muito mais "condições" e exigências do que as que foram pedidas nos programas iniciais, como o da Hungria.

Num relatório divulgado esta terça-feira em Bruxelas sobre a "assistência financeira prestada a países em dificuldades", o TCE - a instituição europeia que audita as finanças da União - analisou a gestão dos resgates a Portugal, Irlanda, Hungria, Letónia e Roménia. Os resgates ao Chipre e à Grécia serão objeto de relatórios autónomos, uma vez que ainda estão a decorrer, e o de Espanha não foi auditado porque não incluiu dinheiro da UE, diz a agência Reuters.

O relatório conclui que houve "insuficiências na gestão dos programas devido a controlos deficientes" e que esta pode ser melhorada caso surja a necessidade de novos "resgates". Os auditores consideram, no entanto, que a Comissão Europeia atingiu os seus objetivos, apesar da falta de experiência, porque conseguiu reduzir os défices dos países intervencionados e impulsionar reformas estruturais, diz o relatório.

Entre as falhas apontadas - e a auditoria deixou de fora análises às decisões tomadas no plano político da UE -, o TCE considera que, no plano de supervisão, "alguns sinais de alerta" relativamente a crescentes desequilíbrios macroeconómicos no início da crise "passaram despercebidos"

As condições da assistência foram geridas de forma diferente em cada programa

Os auditores encontraram também vários exemplos de países em situações comparáveis que foram tratados de forma diferente. "As condições da assistência foram geridas de forma diferente em cada programa. Em alguns programas, foram globalmente menos rigorosas, o que facilitou o seu cumprimento. Comparando países com fragilidades estruturais semelhantes, concluiu-se que as reformas exigidas nem sempre foram proporcionais aos problemas enfrentados ou que esses países seguiram percursos muito diferentes."

O relatório salienta, por exemplo, que "Portugal viu serem-lhe impostos requisitos de financiamento muito superiores às estimativas iniciais, com as fontes de financiamento a escassearem durante a execução do programa" e que por isso o país teve de financiar-se nos mercados.

Portugal viu serem-lhe impostos requisitos de financiamento muito superiores às estimativas iniciais

O TCE refere também que "a Comissão estipulou por vezes prazos irrealistas para reformas de grande amplitude". "Um elevado nível de cumprimento não significa que todas as condições importantes tenham sido cumpridas. Além disso constatou-se que os Estados-membros tendiam a adiar para a fase final da vigência do programa o cumprimento das condições importantes", sustenta o relatório

O estudo faz revelações que o jornal Financial Times considera "embaraçosas" sobre as práticas internas da Comissão Europeia, descrevendo a utilização de folhas de cálculo de previsão, "uma ferramenta complexa, que torna o controlo da qualidade problemático". E critica ainda a documentação insuficiente, referindo a ausência de documentos fundamentais nos dossiês.

O TCE reconhece todavia que as reformas do Pacto de Estabilidade e Crescimento, em 2011, 2013 e 2014, procuraram dar resposta às insuficiências do período anterior à crise, introduzindo uma maior supervisão macroeconómica, e que a Comissão ganhou experiência das suas "novas funções de gestão dos programas".

Ainda assim, o relatório deixa uma série de recomendações, considerando que "a Comissão deve estabelecer um quadro aplicável a toda a instituição para permitir uma rápida mobilização dos seus recursos humanos e conhecimentos especializados caso surja a necessidade de um programa de assistência financeira".

De acordo com o TCE, "o processo de elaboração de previsões (económicas) deve ser objeto de controlos de qualidade mais adequados", a Comissão deve "reforçar a manutenção de registos", "tentar formalizar a cooperação interinstitucional com os outros parceiros nos programas" e "deve analisar mais aprofundadamente os principais aspetos do ajustamento dos países".

O Tribunal recomenda ainda ao executivo comunitário que se centre "nas reformas verdadeiramente importantes".

Portugal esteve sob programa de assistência financeira entre 2011 e 2014, tendo, entre os cinco países analisados, recebido a maior ajuda financeira (78 mil milhões de euros).

Com Lusa

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