As obras que nunca mais acabam na Escola Artística António Arroio

A requalificação da escola artística de referência da região de Lisboa está em curso há mais de dez anos. Em setembro de 2019, a Parque Escolar lançou aquela que parecia ser a derradeira empreitada que poria fim a este longo processo, dando finalmente à escola um refeitório, um bar, uma galeria e um auditório. Mas, afinal, as dificuldades continuam, com a Construtora Tâmega em Processo Especial de Revitalização e sem perspetiva para a conclusão do projeto.
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Começaram em 2009 e em 2021 continuam por acabar. As obras na Escola Artística António Arroio (EAAA) parecem as de Santa Engrácia. Deviam fazer parte do "anedotário nacional", diz ao Dinheiro Vivo o diretor, Rui Madeira, que, à falta de refeitório - há mais de uma década - decidiu, neste ano letivo de 2021/2022, e no rescaldo da pandemia de covid-19, que uma parte do horário dos alunos seria dada em "trabalho autónomo" para permitir que almoçassem em casa.

E assim foi desde o arranque das aulas, no dia 20 de setembro, até ontem, 13 de outubro. É que na passada sexta-feira a direção da EAAA recebeu uma instrução da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEsTE) para repor o horário presencial por inteiro, com todas as aulas previstas nos horários afixados a serem dadas em sala de aula com o professor. Esta mudança surgiu depois de a associação de pais da escola se ter mobilizado contra uma solução que considera pôr os seus filhos em desvantagem e que não resolve o problema dos almoços, porque muitos estudantes (a António Arroio recebe alunos de toda a Área Metropolitana, e até de mais longe), para comer antes de sair de casa, tinham que almoçar à hora do pequeno-almoço e outros almoçar quase à hora do lanche. O resultado é que muitos acabam por comer na "ilha", como é conhecido o espaço em frente ao portão da escola, e nas imediações, face à impossibilidade de comerem no recinto escolar.

Na passada sexta-feira, questionado pelo Dinheiro Vivo sobre a situação na EAAA, fonte oficial do Ministério da Educação avançava que "os alunos da Escola Artística António Arroio cumprem o horário semanal e correspondentes atividades letivas, tendo a direção da escola revisto a reorganização letiva que determinou anteriormente".

Acrescentava que, "após uma reunião que juntou representantes da direção da escola, da associação de pais, da autarquia, da Parque Escolar e da DGEstE, foi ainda delineado um plano para responder, transitoriamente, à questão das refeições, até à conclusão da empreitada".

A reunião decorreu na passada quinta-feira por pressão da associação de pais, que conseguiu juntar à mesma mesa a direção da EAAA, a DGEstE, a Parque Escolar e a Câmara Municipal de Lisboa. Determinou-se que o horário seria reposto de imediato com uma solução provisória para a tomada de refeições.

A instrução da DGEstE chegou à EAAA na passada sexta-feira, mas as atividades letivas voltaram ao normal apenas ontem. Rui Madeira explica que a escola tinha de se preparar. A solução passa pela disponibilização de um espaço no piso -1, com mesas e cerca de 40 lugares sentados, e por um bar/bufete no contentor à entrada da escola, com 32 lugares sentados, que entrará em funcionamento na próxima semana. Os alunos terão de trazer comida de casa, ou requisitá-la à Câmara Municipal de Lisboa, que a fornece em take-away.

Rui Madeira, na direção da EAAA há oito anos e meio, está desgastado com a situação precária da escola que, lembra, "serve meio país", e considera que a solução encontrada "é uma mão cheia de nada". A informação que tinha é que o novo edifício seria entregue no dia 20 de agosto, a tempo do novo ano letivo. O que não se veio a verificar. Questionado sobre se a determinação do "trabalho autónomo" foi para pressionar as entidades responsáveis a resolverem o problema da escola, responde, taxativamente: "Com certeza, deixo de ser almofada, para-choques. Estava disposto a não abrir a escola este ano".

No verão de 2019, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, anunciava que as obras para concluir a requalificação da EAAA, que a dotariam de refeitório, bar, biblioteca, auditório e galeria, arrancariam em setembro de 2019. E assim foi, confirmava a Parque Escolar, a entidade pública promotora da obra, ao Dinheiro Vivo, em agosto do ano passado, avançando que, apesar dos constrangimentos da pandemia, as obras prosseguiam. "As obras da Escola Artística António Arroio foram retomadas em setembro de 2019, após a conclusão do processo de contratação. A obra não esteve parada devido à pandemia, tendo, todavia, o empreiteiro sofrido alguns constrangimentos em virtude da mesma. Face ao atual cenário, prevê-se que a obra esteja concluída até ao início do ano próximo ano letivo", respondeu na altura a Parque Escolar.

Já no início de setembro deste ano, e questionada de novo sobre o andamento da obra, a Parque Escolar respondia: "as obras de conclusão da Escola Artística António Arroio estão a decorrer a um ritmo condicionado devido à dificuldade na mobilização de meios pelo empreiteiro. O último planeamento elaborado pela empresa adjudicatária prevê que a obra esteja concluída até ao final deste ano".

Face a rumores de que a construção estaria parada por falta de pagamento por parte da Parque Escolar, esta veio agora esclarecer o que se passa. "A Parque Escolar paga pontualmente ao empreiteiro e está a realizar todos os esforços para que a obra seja concluída no mais curto espaço de tempo. O empreiteiro está em PER (Processo Especial de Revitalização), situação que provoca uma incapacidade de assumir todos os seus compromissos com os subempreiteiros e de assegurar um desenvolvimento dos trabalhos dentro do prazo contratualmente estipulado", explica. "Neste quadro, a Parque Escolar tem mediado a situação de atraso dos pagamentos pelo empreiteiro aos subempreiteiros, de modo a tentar que estes não interrompam a execução dos trabalhos", acrescenta ainda a entidade responsável pela requalificação da António Arroio.

A construtora em causa é a Construtora do Tâmega. Com mais de 70 anos de existência, não será a primeira vez que a empresa está em dificuldades. Em 2013, o Negócios noticiava que a empresa estava em PER, com uma dívida de quase 1,3 mil milhões de euros a 580 credores, entre eles os principais bancos nacionais. Citado pelo mesmo jornal, o presidente do Sindicato da Construção de Portugal dizia, nesse ano: "essa empresa, infelizmente, vai desaparecer. Infelizmente, porque durante muitos anos foi uma grande construtora". Não só não desapareceu, como ganhou um concurso público em 2019.

Rui Madeira critica as regras da contratação pública, que permitem que se verifiquem situações como esta que a EAAA está a viver. "Não sabemos trabalhar de forma programada em Portugal", diz. "O navio está parado há tempo demais", lamenta.

A história começou em 2009, com o início do processo de requalificação da escola, promovido pela Parque Escolar. A intervenção num dos edifícios do estabelecimento escolar ficou concluída em 2011 - com várias deficiências - sendo que os trabalhos no segundo edifício foram suspensos em 2012, porque a construtora foi à falência. Só em 2016 seria lançado novo concurso para a conclusão das obras, cuja portaria de extensão de encargos seria assinada apenas em abril de 2018. O vencedor do concurso público, no entanto, não chegaria a assumir a empreitada. As obras recomeçariam em setembro de 2019 e a construtora Tâmega falha o prazo de entrega e entra em Processo Especial de Revitalização.

A história volta a repetir-se, e não há entidade que arrisque uma data para a conclusão das obras na António Arroio.

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