Dinheiro
06 dezembro 2021 às 01h00

Bruxelas insatisfeita com empresas públicas avisa que PRR prevê "penalizações" por má gestão

Finanças prestam pouca e má informação sobre universo das empresas públicas. Balanços trimestrais não são divulgados desde 2018. Comissão quer usar PRR para acabar com isto.

Luís Reis Ribeiro (Dinheiro Vivo)

As empresas públicas mal geridas ou que não cumpram as metas estabelecidas no contrato do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) podem incorrer em penalizações que podem prejudicar o acesso aos fundos europeus ou a capacidade de absorção dos apoios europeus, muitos deles a fundo perdido.

Na mais recente avaliação ao pós-programa de ajustamento, o grupo de peritos da Comissão europeia (CE) que segue Portugal mostrou-se bastante insatisfeito com a falta de "resiliência" e de "sustentabilidade financeira" do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e agora alarga este tipo de críticas ao Setor Empresarial do Estado (SEE).

Para os avaliadores de Bruxelas, a situação financeira de muitas empresas públicas já era delicada ou má antes da pandemia, agora, com quase dois anos de pandemia em cima, pior ainda.

E os casos em que há pouca informação sobre as decisões de gestão e até falta de qualidade desta multiplicam-se. Tal como no caso do SNS e dos hospitais, a CE reclama uma reforma de gestão no SEE.

Na avaliação, a CE reconhece que a pandemia covid-19 "colocou uma particular tensão nas empresas públicas", sobretudo as que operam "no setor dos transportes", por exemplo.

Diz que "os efeitos adversos da pandemia foram sentidos de forma aguda pelas empresas públicas que operam nos setores mais expostos às consequências diretas das medidas de confinamento subsequentes".

Foi o caso dos transportes altamente penalizados pelo fecho compulsivo de lojas e negócios, pelo recolher obrigatório, tudo contribuiu para esvaziar os transportes e destruir as receitas próprias dessas empresas.

A Comissão repara que "a TAP Air Portugal -- a transportadora aérea de bandeira -- recebeu um auxílio de emergência no valor de 1.200 milhões de euros (equivalente a 0,6% do PIB ou produto interno bruto) em 2020".

As previsões de outono da Comissão para 2021 "tiveram em conta impactos orçamentais adicionais de 998 milhões de euros em 2021 e 990 milhões de euros em 2022 no caso da TAP ligados à compensação por danos resultantes da covid ao auxílio à reestruturação" da empresa.

Entretanto, a Comissão já abriu uma investigação "para avaliar se tal está em conformidade com as regras da União Europeia em matéria de auxílios estatais concedidos a empresas em dificuldade". Há queixas de que pode estar a violar as regras da concorrência. Uma das empresas que mais protesta contra o apoio à TAP é a low costa Ryanair.

Mas a CE continua a desfilar sobre as empresas públicas portugueses que mais dores de cabeça podem dar aos contribuintes. "Do mesmo modo, a SATA Air Açores recebeu um auxílio de emergência no valor de 132 milhões de euros em 2020".

No caso da SATA, as previsões para 2021 antecipam "impactos orçamentais adicionais de 120 milhões de euros em 2021 e 130 milhões de euros em 2022". "Estas operações devem ser registadas como transferências de capital, conduzindo assim a um impacto crescente do défice", observam os peritos de Bruxelas.

"Além disso, até agosto de 2021, outras empresas públicas que operam no setor dos transportes - nomeadamente, Infraestruturas de Portugal [Estradas de Portugal e REFER], metro de Lisboa e Porto ou a rede ferroviária nacional - tinham recebido injeções de capital ou empréstimos do setor estatal num valor aproximado equivalente a 0,6% do PIB", diz a CE. É mais meia TAP.

Mas o pior é que, na opinião de Bruxelas, "a crise pandémica agravou os riscos que já existiam [antes da pandemia eclodir no início de 2020] para a sustentabilidade financeira das empresas públicas".

A Comissão toma nota de que "estão a ser implementadas a um ritmo gradual medidas para identificar atempadamente e corrigir desvios dos orçamentos aprovados das empresas públicas, bem como para melhorar a transparência e as normas de informação".

Cerca de 20% do PIB em dívida

No entanto, "o rendimento líquido agregado das empresas públicas foi significativamente afetado pela crise da covid-19 em 2020, e agravou-se ainda mais na primeira metade de 2021"

Ou seja, o peso da dívida das empresas públicas não financeiras no PIB estava a descer antes da pandemia e chegou aos 18,5% do PIB no final do primeiro trimestre de 2020 (dos quais 15,2 pontos percentuais dizem respeito as empresas públicas dentro do perímetro da administração pública, ou seja, que contam para o défice ou dívida ou ambos).

Com a pandemia, o fardo da dívida dessas empresas públicas (onde estão CP, Metro de Lisboa, Metro do Porto, etc.) "subiu para 20% no final do primeiro trimestre de 2021". No final do segundo trimestre deste ano, aliviou ligeiramente para 19,4% do PIB. "Esta evolução, contudo, foi fortemente afetada por um efeito denominador desfavorável ligado à contração do PIB nominal", dizem os especialistas de Bruxelas.

Incentivos e penalizações no PRR

"Para melhorar a governação das empresas públicas, o aperfeiçoamento dos contratos de gestão", a Comissão Europeia e o governo português concordaram em incluir várias medidas e apoios ao SEE no PRR.

No entanto, o dinheiro não deve cair do céu. A Comissão relembra que as medidas previstas para dar a volta e renovar a gestão das empresas públicas preveem "a introdução de um novo sistema de incentivos e penalizações, que está previsto no Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal".

O governo de António Costa comprometeu-se com várias coisas no PRR, um plano que vale 13,9 mil milhões de euros em subvenções (dinheiro a fundo perdido) a que acrescem 2,7 mil milhões de euros em empréstimos.

No caso do SEE, uma das medidas ou metas é fazer "aprovar a minuta do contrato de gestão a aplicar a partir de 2022, no âmbito do novo sistema de incentivos/penalizações à gestão do SEE". Bruxelas desejava que isto ficasse feito até ao final deste ano, mas como o Parlamento foi dissolvido e o governo caiu, a medida vai ter de esperar, parece.

Outro marco previsto no PRR é a "publicação do novo modelo de análise e divulgação da informação financeira agregada das empresas públicas". O Ministério das Finanças tem prestado informação pública muito amiúde e muito pobre em conteúdo, tendo em conta a dimensão gigante do SEE.

A Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial (UTAM), que é tutelada pelo ministro João Leão, pouca ou nenhuma informação atempada dá sobre a situação. Publica umas notas de divulgação rápida (cerca de cinco quadros em duas páginas de um pdf). Esta é a informação mais atualizada, até ao final do terceiro trimestre.

Quanto ao resto, é desolador. O último boletim trimestral do SEE (com informação e análise) é do terceiro trimestre de 2018. O último relatório anual sobre "o cumprimento das práticas de bom governo" é de 2017. Há quatro anos que as Finanças não dão satisfações aos contribuintes nesta matéria.

Outro problema grave e crónico é a fragilidade na apresentação de planos de atividade e de planos orçamentais. O PRR prevê "aumentar o número de planos de atividade e orçamentais aprovados de forma consistente até 2025". Estão em falta 136 empresas.