A tradição ainda é o que era. Dr. Bayard quer crescer para o dobro em 5 anos

Fábrica tem capacidade para 800 mil rebuçados por dia, mas não chega. A procura excede a oferta e a família Matias sonha exportar.
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Se em equipa que ganha não se mexe, em receita secreta que é a preferida dos consumidores há quase 70 anos também é proibido inovar. Por ano são 125 toneladas de glicose, 40 toneladas de mel e 600 toneladas de açúcar - sem esquecer o misterioso xarope de plantas medicinais, com especiarias, limão e canela - com que a família Matias abastece a pequena fábrica no concelho da Amadora para produzir um verdadeiro clássico português: os rebuçados peitorais Dr. Bayard.

"Só o meu pai [José António] é que sabe a receita. Está guardada num cofre a sete chaves e quando achar que é pertinente vai partilhar com os filhos", conta Daniel Matias, diretor de comunicação da Dr. Bayard. Com o irmão André, faz parte da terceira geração a trabalhar no negócio da família, fundado em 1949.

Tudo começou com o avô Álvaro, que veio das Beiras para Lisboa e na capital conheceu o Dr. Bayard, um médico francês refugiado da II Guerra Mundial. Como trabalhava numa mercearia, ajudou-o a obter bens de primeira necessidade e levou-o a ver as vistas. Em troca, recebeu aulas de francês e uma latinha com a fórmula secreta de uns rebuçados ditos "milagrosos".

Da produção caseira, na cozinha lá de casa, e da venda em farmácias e à porta dos cinemas, hoje a fábrica da Dr. Bayard emprega 16 pessoas e há máquinas capazes de embrulhar mil rebuçados por minuto. Por dia, na produção máxima, são ali preparadas quatro toneladas de massa, o equivalente a 800 mil rebuçados. O negócio fatura cerca de 2,5 milhões de euros por ano e 99% da produção é absorvida pelo mercado nacional, enquanto 1% segue para as vendas ainda incipientes da loja online, criada em 2016. De norte a sul de Portugal, não há café, mercearia, supermercado ou bomba de gasolina que não venda os famosos rebuçados "amigos do peito", garante Daniel Matias.

"Não exportamos ainda porque não temos capacidade. Vendemos o produto todo e mesmo assim muitas vezes a procura é maior do que a oferta, principalmente nos meses mais frios. Se produzíssemos mais, venderíamos mais", garante, acrescentando: "O que nos leva a pensar numa hipotética expansão da fábrica para consolidar as vendas nacionais e avançar para o mercado internacional, num horizonte temporal de cinco anos, talvez."

Com máxima cautela e sem nunca dar o passo maior do que a perna, o mais jovem gestor da família Matias não esconde o sonho de inaugurar uma fábrica mais moderna na Amadora e ver crescer o negócio, pelo menos para o dobro da produção atual. "É uma ideia que estamos a amadurecer em família, porque requer um investimento grande, de vários milhões de euros. Não queremos tomar uma decisão precipitada sem ter a certeza de que vamos conseguir manter o nível de qualidade do produto", explica Daniel. É que, sublinha, em cada rebuçado está inscrito o ADN dos Matias: "Não é só uma marca, é a história da nossa família e da nossa vida que se funde com a história do produto." Além do dobro da produção e da exportação para mercados como Espanha, França, Itália, Reino Unido ou Alemanha, uma nova fábrica com mais linhas de produção (em vez de apenas uma) permitiria apostar em produtos diferentes, criados de raiz. Os rebuçados peitorais continuam a ser o core da marca Dr. Bayard, mas existem patentes registadas de vários tipo de rebuçados, desde os tempos do avô Álvaro: com frutos secos, chocolate, entre outros sabores. E mais: rebuçados light, sem açúcar ou mel, adoçados com stevia.

Por enquanto, a família Matias vai trabalhando naquilo que sabe melhor: "Para estarmos no mercado há 70 anos e as pessoas continuarem a comprar é porque temos um produto muito forte e estamos a fazer alguma coisa bem. Quando o produto é bom, não se mexe. As pessoas continuam a comprar porque nunca alterámos o produto, nem a receita, nem o logótipo, nem nada. Essa pode ter sido uma das razões pelas quais nunca tivemos quebras de vendas ao longo dos anos", diz Daniel, o grande responsável pela mais recente injeção de modernidade no império Dr. Bayard.

Há dois anos, a empresa decidiu trazer a marca para o século XXI e investiu cerca de 15 mil euros para criar um novo site, uma loja online e lançar-se nas redes sociais. Hoje a Dr. Bayard tem mais 12 500 seguidores no Facebook e 3000 no Instagram, além do YouTube e Twitter.

Daniel Matias quer pôr os millennials a adorar os rebuçados que os avós lhes davam na infância e a passar essa herança aos filhos e aos netos. "É um produto para ser passado de geração em geração."

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