V. Setúbal, que futuro? Rescisões vão avançar já, plano de recuperação financeira em perigo
Quase sem património, com um estádio obsoleto e com 24 milhões de euros em dívidas, o que acontecerá ao histórico Vitória (de Setúbal), agora condenado ao terceiro escalão do futebol nacional? Esta é apenas uma de muitas perguntas que andam às voltas na cabeça dos sadinos desde que o Tribunal Arbitral do Desporto decidiu rejeitar a providência cautelar do emblema de Setúbal, que pretendia travar a descida ao Campeonato de Portugal decretada pela Liga Portugal. O presente é negro e o futuro é incerto. Há angústia e medo entre aqueles que por lá passaram e também para quem se habituou a uma cidade com o Bonfim como pano de fundo.
Os 110 anos, as três Taças de Portugal (1964-65, 1966-67, 2004-05), uma Taça da Liga (2007-08) e as 77 presenças no escalão maior do futebol português fazem dos sadinos o sétimo grande do futebol português e orgulham os adeptos que têm um lema na ponta da língua: ''Vitória não é grande, é ENORME.'' Mas, e agora? Deixará o Vitória de ser "ENORME"?
Para já, o presidente sadino declarou "o estado de emergência do clube" e suspendeu os treinos por tempo indeterminado. Assim que foi notificado, Paulo Gomes foi ao balneário comunicar a descida ao Campeonato de Portugal, libertando-os dos treinos. "Os jogadores serão tratados caso a caso, sempre defendendo os interesses do Vitória, que é maior do que o seu presidente ou um atleta", informou o líder sadino, que viu a equipa garantir a manutenção na I Liga na última jornada. mas nãp conseguiu evitar a descida administrativa.
O dia de sexta-feira vai ser dedicado aos jogadores. Depois de analisar caso a caso, os atletas serão chamados para negociar. O clube espera bom senso e compreensão por parte dos atletas. Neste caso também é interesse do clube libertar os jogadores e assim diminuir encargos financeiros. Segundo soube o DN, alguns atletas já recorreram ao Sindicato de Jogadores para se informarem como proceder e saber a que têm direito numa situação como esta. A cessação do contrato não é automática, tem de estar prevista no contrato. E segundo apurou o DN, a maior parte dos futebolistas tem essa cláusula prevista no contrato, o que facilitará a saída. Para os que não têm essa situação prevista no vínculo laboral terá de haver um acordo.
Mas há mais decisões "urgentes" e "difíceis" que ainda é preciso tomar, pois um projeto de I Liga é muito diferente de um projeto para o Campeonato de Portugal. O emblema do Bonfim tinha já uma equipa técnica contratada à espera de assumir a equipa na I Liga e que agora será dispensada antes mesmo de ser oficializada. Quando o clube decidir o regresso aos treinos será Meyong, que já era o treinador interino, a assumir as sessões de trabalho.
A SAD sadina tem de decidir, entre outras coisas, se mantém a equipa de sub-23 ou aposta nesse grupo para construir uma equipa para alinhar no Campeonato de Portugal.
O presidente Paulo Gomes admitiu que o emblema sadino tem "muitos e graves problemas financeiros" e que "a subsistência" está em risco. E se a situação é grave, pior pode ficar. A descida ao terceiro escalão custa "dois milhões por ano" e o plano de revitalização (PER) pode estar em perigo, uma vez que os pressupostos que levaram à aprovação já não serão cumpridos face à despromoção e à consequente diminuição de receita.
Desde 2015 que o clube tem vivido à sombra de Planos Especiais de Revitalização (PER), um mecanismo de proteção contra credores e de renegociação de dívidas para entidades perto da insolvência. O último foi aprovado em junho e reflete dívidas no valor de 24 milhões de euros.
Segundo o documento a que o DN teve acesso, só a dívida ao Estado português é de 5,4 milhões de euros (3,4 à Autoridade Tributária e 1,8 à Segurança Social). Dívida que os sadinos se comprometem a pagar em 150 prestações. A dívida a fornecedores e a outros credores chega quase ao milhão de euros e os financiamentos obtidos superam os 17,6 milhões de euros (3,8 no Banco Comercial Português e 13,7 na Parvalorem, a entidade pública criada para gerir os ativos tóxicos do antigo BPN).
Sem receitas extra ou património para rentabilizar, o clube aceitou ceder verbas relativas a futuras vendas de ativos - 15% se for formado no Bonfim e 10% se não for formado localmente - para pagar aos credores. O problema é que os jogadores podem agora rescindir os contratos ... Entre as dezenas de credores está o Centro Hospitalar de Setúbal, com quase 23 mil euros de prestação de serviços, e a EDP, com 25 mil euros a receber.
Para já, o clube conta com o apoio da Câmara Municipal de Setúbal. O município liderado por Maria das Dores Meira salientou a ligação umbilical dos sadinos à cidade e prometeu ajudar "na viabilização futura". Ainda há um mês cedeu terrenos no valor de 800 mil euros.
Fernando Tomé é uma das glórias do Vitória e uma das figuras mais conhecidas de Setúbal. Fez parte dos "bons tempos" do clube sadino e agora invadido por "uma tristeza sem fim". Quando contactado pelo DN, o ex-jogador pediu desculpa por não estar em condições de falar. Ainda tentou, mas as lágrimas tomaram conta da voz.
Como Fernando Tomé há muitos mais a quem o declínio do clube faz verter algumas lágrimas. É o caso de Fernando Pedrosa. "Ainda atordoado" com a notícia e de "coração destroçado", o ex-presidente, no alto dos seus 80 anos lançou bases para o futuro. "O Vitória não acaba por ir para o Campeonato de Portugal. O futebol é que deixa de estar na I Liga. Não me cabe dizer ao presidente como gerir a situação, mas há uma coisa incontornável. O clube não pode continuar a ser dirigido como até aqui. O Vitória está a pagar pelas asneiras do nosso futebol nos últimos anos. A descida é um golpe profundíssimo na nossa história, que nos deixou a todos à beira do KO, mas temos de levantar-nos e tentar ganhar o combate", disse o ex-líder sadino, apelando à "união".
Para outros, como Pedro Salvado, mais conhecido pelo viking de Setúbal, que acompanha a equipa faça chuva ou sol, ainda é a fase da revolta e da incredulidade. "É uma tragédia, não há outra forma de olhar para isto", atirou em conversa com o DN o adepto de 52 anos e 50 de sócio. "Nunca joguei futebol, mas fui apanha-bolas durante algum tempo e convivi com Silvino ou Mário Ventura", confessou Pedro.
Depois de muito andar por esses estádios fora decidiu criar o "boneco" de viking para a final da 1.ª edição da Taça da Liga, que o Vitória de Setúbal conquistou, após vencer o Sporting na época de 2007-08: "Para a final levei um cachecol, capacete, a bandeira do Vitória às costas e umas pinturas na cara. Os miúdos, mesmo os do clube adversário pediram-me logo para tirar fotografias e eu prometi a mim mesmo que se o Vitória levasse a taça para casa, eu me tornava figura de bancada. E assim foi".
Passados 13 anos o viking anda triste, mas jamais vai abandonar o clube: "Vou onde tiver de ir. Serei sempre do Vitória até morrer." Mas isso não quer dizer que não doa. "Se baixar para a II Liga já era mau, descer para o Campeonato de Portugal é uma tragédia. Claro que tenho medo que as más decisões continuem e o clube não se reerga, mas prefiro pensar já na recuperação. É para voltar à I Liga e se possível em dois anos. Mas precisamos e um projeto e não de gente que se aproveite do Vitória".
Pedro Salvado confessa que foi vendo o clube "afundar" ou "definhar" sem nada puder fazer, além de ir ao jogos e pagar as quotas. "Os sócios pecam por omissão e desconhecimento. Uma coisa são rumores, outra são factos e esses nunca nos chegam como realmente são", lamentou o viking.
Apesar de a decisão do TAD não ser passível de recurso, há uma outra sobre a decisão da Comissão de Auditoria da Liga em desclassificar os sadinos das competições profissionais à espera de parecer do Tribunal administrativo de Lisboa: "Poderemos ganhar este processo, mas já não em tempo útil."
Para já a vaga é do Portimonense, que tinha descido na última jornada da I Liga 2019-20 e assim é repescado e marcará presença no sorteio da I Liga 2020-21, na sede da Liga Portugal, nesta sexta-feira.
Além do Vitória de Setúbal, também o despromovido Desportivo Aves foi excluído e baixou ao terceiro escalão. O clube de Vila das Aves decidiu não recorrer da decisão: "Não valia a pena." A Liga de Clubes convidou o Portimonense, 17.º classificado e despromovido, a manter-se na I Liga e o Cova da Piedade e o Casa Pia a manterem-se na II Liga, depois de terem sido despromovidos administrativamente, com o cancelamento do segundo escalão, devido à covid-19.