Desportos
26 março 2019 às 07h26

Superliga europeia: o futuro da Champions discute-se em Amesterdão

Uma prova de elite com 32 clubes, com subidas e descidas de divisão, jogos ao fim de semana e 900 milhões de euros de prémio? Para já, só um somatório de rumores, mas os clubes europeus debatem na Holanda propostas para substituir a atual Liga dos Campeões, a partir de 2024

Rui Frias

São 232 clubes reunidos em Amesterdão numa assembleia-geral da Associação Europeia de Clubes (ECA) cuja ordem de trabalhos "esconde", sob a aparentemente inócua designação de competições europeias, o tema explosivo da criação de uma Superliga europeia que pode revolucionar a paisagem não só das competições europeias como das ligas nacionais.

Ainda que tanto a UEFA quanto a ECA já tenham descartado várias vezes a hipótese de uma liga elitista e fechada, entre os principais clubes europeus, fora do âmbito oficial do organismo que tutela o futebol europeu, a verdade é que os principais emblemas do Velho Continente continuam a pressionar a UEFA para a reformulação da Liga dos Campeões, a partir de 2024, por forma a obter um modelo ainda mais rentável para as equipas de topo das ligas mais poderosas.

Os planos são antigos, os rumores sobre a Superliga do futuro vêm de longe, mas em novembro passado ganharam força com os pormenores revelados pelo Consórcio European Investigative Collaborations (EIC) - do qual fazem parte o jornal português Expresso e a revista alemã Der Spiegel, entre outras publicações - com base em documentos secretos obtidos pelo Football Leaks.

Os planos revelados pelo Football Leaks apontavam para 2021 como data de arranque pretendida por um conjunto de clubes liderado pelo Real Madrid, mas no início do último mês de fevereiro a UEFA e a ECA assinavam um memorando de entendimento para o triénio 2021-2024 que garante a manutenção do formato atual da Liga dos Campeões pelo menos até essa data.

Só que esse acordo não terminou com os rumores, nem com as vontades, acerca da criação de uma Superliga europeia a partir desse ano. Com o modelo atual aparentemente saturado em relação ao potencial de crescimento de receitas e audiências televisivas, os colossos europeus procuram novas fórmulas para fazer crescer as verbas envolvidas. E pressionam a UEFA, naturalmente pouco interessada em perder os principais clubes para competições paralelas àquelas que organiza.

Por isso, na semana passada, o presidente da UEFA Aleksander Çeferin recebeu o presidente da ECA, Andrea Agnelli (presidente da Juventus), para uma reunião na sede do organismo europeu, em Nyon, que ambas as partes pretendiam secreta mas acabou revelada pelo Wall Street Journal e da qual terá saído uma maior abertura de Ceferin à pretendida revolução que aproxime a atual Liga dos Campeões da ideia de uma Superliga defendida pelos maiores clubes europeus.

São os contornos dessa reforma da Liga dos Campeões que os 232 clubes que formam a ECA - entre os quais estão cinco portugueses (FC Porto, Benfica, Sporting, Sp. Braga e Marítimo) - começam a debater em Amesterdão, na assembleia-geral do organismo, com vários pormenores a virem a público já ao longo dos últimos tempos.

16 clubes fundadores

Segundo os dados obtidos pelo Football Leaks, são 16 as equipas por detrás dos planos da criação da superliga Europeia:
Real Madrid, Barcelona, Manchester United, Bayern Munique, Juventus, Chelsea, Arsenal, PSG, Manchester City, Liverpool e AC Milan, que figuram como fundadores, enquanto Atlético Madrid, B. Dortmund, Marselha, Inter e Roma surgiriam como convidados.

Mas o formato e o sistema de acesso a essa nova Liga dos Campeões serão necessariamente ainda um dos objetos de discussão. O Wall Street Journal, por exemplo, avançou um cenário de 32 equipas divididas em quatro grupos de oito, com um ranking histórico a poder ser estabelecido para o acesso à competição. Pelo que é prematuro, nesta fase, tentar perceber se Portugal estaria ou não representado na nova Champions.

Este formato levaria a um aumento do número de jogos para 14 na fase de grupos, levantando problemas acrescidos quanto à sobrecarga dos calendários e pressionando as ligas nacionais a reduzirem o tamanho das competições internas.

Subidas e descidas

Outro dos cenários em discussão é a elaboração de um sistema de subidas e descidas de divisão, que poderá, por exemplo, transformar as competições europeias atuais (Liga dos Campeões e Liga Europa, mais uma terceira prova a criar a partir de 2021) em três divisões diferentes da futura prova de clubes.

Assim, ainda segundo o Wall Street Journal, das 32 equipas da Liga dos Campeões poderiam descer quatro para a segunda divisão e subiriam outras quatro, o que permitiria sempre manter um grande núcleo das mais poderosas equipas europeias na divisão principal.

Jogos ao fim de semana

Um dos pontos mais polémicos entre aqueles que têm vindo a público é o da mudança dos jogos dessa futura Liga dos Campeões para os fins de semana (sábados e domingos), atacando assim um espaço sagrado das competições nacionais, que seriam empurradas para o meio da semana.

Naturalmente, esta será uma das propostas que mais oposição deverá ter por parte das ligas nacionais. De resto, a Associação Europeia das Ligas Profissionais (EPFL) já se manifestou contrária à ideia desta Superliga encapotada e rompeu com a UEFA, ficando fora do convénio assinado entre esta e e ECA sobre as competições europeias 2021-2024.

"A UEFA e a ECA estão a negociar, em segredo, o que poderá colocar em perigo as ligas nacionais. Estão a fazer reformas na Liga dos Campeões que são muito perigosas para o futebol. É um modelo muito prejudicial para as Ligas Nacionais as para a própria Liga dos Campeões, já que eles não entendem deste negócio", criticou Javier Tebas, presidente da Liga Espanhola, em declarações à Reuters.

900 milhões de prémio?

A ideia da reforma da Liga dos Campeões é, já se sabe, aumentar as receitas da competição a repartir pelos principais clubes. E nesse sentido surgiu há poucos dias um número mirabolante, revelado pela rádio espanhola Cope: a futura Champions pode distribuir 900 milhões de euros apenas como prémio de presença aos clubes participantes.

O Real Madrid, atual detentor do título, recebeu esta temporada de participação 50,7 milhões como bónus para premiar a prestação europeia nos últimos dez anos e mais 15,25 milhões pela participação na edição atual. Ou seja, um bolo de 65,95 milhões de euros, menos de 10% dos valores adiantados pela Cope.

"É impossível pagar um valor destes [900 milhões de euros] por equipa, não há dinheiro para isso", comentou Jaume Roures, especialista em direitos de transmissão televisivos citado pelo jornal espanhol AS.

Os alertas

Jaume Roures não é o único a manifestar desconfiança em relação aos planos para a reforma da Liga dos Campeões. Os avisos sobre os perigos de uma espécie de Superliga vêm de vários lados.

Timothy Bridge, diretor da área de negócios desportivos da consultora Deloitte, alerta por exemplo para a repetição de confrontos entre os grandes clubes, que rapidamente cansaria adeptos e telespetadores. "Há um desejo de maximizar o potencial do desporto (com a Superliga), mas isso vem acompanhado de uma advertência: quanto mais conteúdo existe, maior o risco para o seu valor total", sintetizou, citado pelo El País.

A visão de Bridge é partilhada por Ignacio Palacios-Huerta, professor da London School of Economics e membro do comité científico da ECA.

"Creio que (os clubes que desejam fundar a Superliga) estão equivocados. Penso que eles acreditam que isso trará um crescimento exponencial gigante, mas, a médio prazo, um Real Madrid-Manchester United seis vezes ao ano seguramente acabará por saturar. Há um potencial de saturação que não está a ser levado em conta", observou.

O debate continuará à mesa da ECA, na reunião desta terça-feira, em Amesterdão.