Rafael Camacho: "Gosto de ter liberdade para jogar, fugir dos defesas, driblar, assistir e fazer golos"

Jovem português, filho de um antigo basquetebolista do Benfica, Euclides Camacho, deixou o Liverpool para se juntar ao Sporting e falou ao DN sobre o começo no Vilafranquense, o interesse do Sporting e do Real Madrid, bem como a alcunha 'Black Ronaldo'.
Publicado a
Atualizado a

Rafael Euclides Soares Camacho, de 19 anos, é o único jogador português do Liverpool. Apesar de só ter tido duas oportunidades na equipa principal (ambos os jogos em janeiro, uns minutos na Liga inglesa contra o Crystal Palace e titular na Taça de Inglaterra diante do Wolverhampton) e de ter atuado sobretudo pela equipa de sub-23 dos reds, treina regularmente às ordens do treinador Jürgen Klopp e ao lado de craques como Salah, Mané e Firmino. Antes do Liverpool, passou pela formação do Sporting e pela do Manchester City. Agora, a um ano de terminar contrato com a equipa de Anfield, peferiu mudar-se para Alvalade. Assinou pelos leões até 2024.

Quando é que começou a jogar à bola?
Jogava na rua com os meus amigos todos os dias. O meu pai achava que eu tinha jeito e levou-me aos treinos de captação no Vilafranquense e fiquei no clube. Comecei a jogar com 7 anos no Vilafranquense.

Com o pai basquetebolista, como acaba no futebol?
O grande amor do meu pai sempre foi o futebol. Por isso mesmo é que ele até aos juvenis jogou sempre futebol. As dificuldades com os transportes em Angola levaram-no a refugiar-se no basquetebol, no Petro Atlético de Luanda, que ficava apenas a 30 minutos a pé da casa do meu avô. Eu também joguei basquetebol no Queluz, dos 5 aos 7 anos. Mesmo quando estava na formação do Sporting, às vezes quando não tinha treinos de futebol, ia treinar basquetebol. Mas depois o meu pai disse-me que queria que eu jogasse futebol - ele fazia comigo muitos treinos individuais - e aí fiquei no futebol até hoje. Mas às vezes ainda jogo basquetebol com ele.

Como é que chegou ao Sporting?
O senhor Chaparro, olheiro do Sporting na zona de Vila Franca, falou com o meu pai e referenciou-me. Um dia, a equipa do Sporting da minha idade estava na Cidade Universitária, onde o meu pai fazia os treinos individuais, a comer no mesmo refeitório que nós. De repente, o mister Nuno Figueiredo, que acabou por ser o meu primeiro treinador no Sporting, aproximou-se de nós e disse ao meu pai que me queria no Sporting. E o meu pai levou-me para o Sporting.

Depois mudou-se para o Manchester City. Porque decidiu ir para o City em vez de tentar chegar à equipa principal do Sporting?
O meu pai na altura teve uma proposta de trabalho em Inglaterra e decidiu levar toda a família. Foi lá num colégio que comecei a jogar e a dar nas vistas. Depois de me ter destacado nos torneios da escola, apareceu a oportunidade de ir jogar no City. Na altura não teve nada que ver com finanças, porque tinha apenas 13 anos e a razão que nos levou para Inglaterra não era nada relacionada com o futebol, mas com os negócios do meu pai.

Estranhou o futebol inglês?
Estranhei porque, ao contrário do nosso futebol, que é muito técnico, os ingleses dão mais valor ao espírito de luta e sacrifício e à atitude mental. Lembro-me de o meu pai dizer na altura que no dia em que a Inglaterra aliasse estes valores à técnica portuguesa poderiam fazer a diferença na Europa. E a verdade é que volvidos alguns anos a Inglaterra ganhou o Mundial sub-17, o Europeu sub-21, os seniores também estão muito fortes. Mesmo os campeonatos nos escalões jovens são muito competitivos.

Porque voltou a Portugal para jogar na Real (Massamá)?
Volto ao Real porque durante aquele tempo o meu pai passou uma temporada em Portugal e tivemos de regressar, mas por pouco tempo. E apesar do interesse do Benfica e do Sporting nas minhas qualidades futebolísticas, o meu pai entendeu que eu deveria ficar no Real porque a qualquer momento tínhamos de voltar a Inglaterra e se fôssemos para um grande português poderia ser complicado tirar-me de lá. Depois surgiu o interesse do Liverpool...

"Klopp é top, top, top!"

Como está a ser a experiência no Liverpool?
Muito rica. Tenho aprendido muito com os treinadores e os jogadores. Não só na primeira equipa, mas também quando estive na academia. Na academia era muito duro, porque os treinadores ingleses dão mais importância ao trabalho duro de corrida, subir e descer, defender e depois ter de subir e atacar. Como sou um jogador mais à base da técnica tive algumas dificuldades, mas depois adorei e foi mais fácil.

Foi opção para Jürgen Klopp. Como é ser treinado por ele?
O mister é espetacular, extrovertido, apoia sempre os jovens, quer que os jogadores se divirtam e acredita em nós. O mister Klopp é top, top, top!

Ele tem-lhe feito muitos elogios...
Sim... Quando Klopp chegou ao Liverpool eu tinha 15 anos e estava a treinar nesse dia na primeira equipa. E ele no final do treino disse-me que era incrível eu ser tão jovem, pois tinha muita qualidade e inteligência e que ele estaria atento ao meu desenvolvimento. Isso deu-me uma motivação extra e continuei motivado e a trabalhar no duro.

Treinava com a equipa regularmente? Como é estar ao lado de craques como Salah, Mané, Firmino...
Sim, fazia parte do plantel da equipa principal. Estar ao lado destes craques como o Salah é incrível, aprendia todos os dias com eles. São umas estrelas e muito boas pessoas.

É lateral ou extremo? Onde gosta mais de jogar?
Sou um atacante que gosta de marcar golos. Consigo jogar nas três posições mais avançadas do ataque. É na frente que gosto de jogar e vou jogar no futuro. A lateral atuei apenas alguns jogos na pré-época com a equipa principal, mas nesses desafios destaquei-me quando aparecia no ataque. Mas a posição de lateral não tem nada a ver comigo. Gosto de ter liberdade para jogar, fugir dos defesas com ou sem bola, tocar, driblar, assistir e fazer golos. Esse sou eu.

Porque lhe chamam Black Ronaldo? De onde vem a alcunha?
Os meus colegas do Liverpool é que começaram a chamar-me dessa forma, porque sou português e porque coisas estavam a correr bem na Inglaterra... mas num nível muito inferior ao de Ronaldo [risos].

Já fez alguns hat tricks. O que sente um jogador quando marca três golos?
Eu pelo menos sinto-me confiante e procuro marcar o quarto, e se marcar o quarto, quero o quinto, e assim sempre a somar.

Esteve nomeado para melhor jogador da Premier League 2.
Sim, estive nos últimos cinco jogadores nomeados para ganhar o título de melhor jogador da Premier League 2.

"Interesse do Real Madrid é verdade"

Esteve com um pé no Sporting, no início da época passada. Porque não se consumou?
O mister Klopp queria-me na equipa principal do Liverpool e por esse motivo falou comigo e com o meu pai e disse que não me deixava sair. Compreendi e voltei ao trabalho com o mesmo entusiasmo e alegria.

Agora volta a falar-se do Sporting. O que existe realmente de concreto?
É verdade, mas para mais pormenores sobre este assunto a pessoa indicada a contactar é o meu pai, que também é o meu agente. Ele trata de tudo para eu me focar apenas no futebol.

Também se diz que o Real Madrid está interessado em si.
Também é verdade, mas a resposta é igual. A pessoa indicada para falar disso é o meu pai. Claro que tenho opinião e voto na matéria, mas ele trata de tudo fora do futebol.

O Liverpool chegou à final da Champions. Como viu a trajetória da equipa e, sobretudo, aquele 4-0 ao Barcelona...
Foi incrível. Desde o principio que tive a sensação de que iríamos dar a volta ao resultado porque a equipa preparou-se muito bem e eu sentia o querer dos meus colegas, a energia no aquecimento, no balneário, aquele olhar que dizia "hoje eles estão tramados" [risos]. Depois do triunfo histórico foi uma festa enorme e o sabor de dever cumprido. Porque o Liverpool não ganhava há anos, e depois levar a taça para aquela linda cidade e para aqueles adeptos foi fantástico. Uma experiência única que espero repetir.

Como é jogar em Anfield e ouvir o hino dos adeptos, You'll Never Walk alone?
É incrível e inspirador.

Tinha a esperança de jogar a final da Liga dos Campeões?
Nem por isso... Eu gostaria, mas tenho consciência de que era quase impossível, sobretudo se estivessem todos nas melhores condições físicas. O treinador tinha a sua equipa-base e eu tenho apenas 18 anos, mas vou trabalhar muito para um dia jogar uma final da Liga dos Campeões. É um sonho que acredito ser possível concretizar.

A final da Champions foi um Liverpool-Tottenham. Como foi ver o jogo de fora?
Ver o jogo de fora foi normal porque no ano passado também estive na final contra o Real Madrid. Quando o árbitro apitou foi uma explosão de alegria porque um ano antes estivemos na mesma posição e perdemos. Foi top.

E como foi a festa depois nas ruas de Liverpool?
A festa foi incrível. Nunca vi tanta gente junta. Simplesmente incrível e a festa na cidade entre os adeptos prosseguiu por mais dias. Foi incrível.

Chegar à seleção principal é um desejo?
É claro que a seleção A portuguesa é um desejo, mas não vivo obcecado com isso. Como diz o meu pai, cada coisa a seu tempo, o importante é continuar a trabalhar, quando dermos por nós lá estaremos. A seleção significa uma boa responsabilidade. Quem está ali está a representar os 11 milhões de habitantes portugueses, e é bonito e dá pica saber que se ganharmos é pelo país. É uma sensação única.

Falhou o Mundial de sub-20.
Claro que todos os jogadores gostariam de ir. Apesar de ser mais novo, gostaria de lá estar com aquela geração de 99, que é só craques. Mas é perfeitamente compreensível a escolha do mister Hélio Sousa, levou aqueles que lhe davam mais confiança, e isso não quer dizer que quem ficou de fora não tenha qualidade. A vida é feita de escolhas e o mister fez as dele e devemos respeitar e apoiar, não só a ele como os nossos colegas. Quando perdemos com a Argentina e fomos eliminados, vi o jogo em casa e deu-me uma vontade enorme de entrar no campo. Mas o mais importante é que temos uma geração nova de muitos bons jogadores a surgir, e não tenho dúvidas que o futuro será brilhante.

Quem é o seu ídolo e porquê?
O meu pai, porque é um grande exemplo para mim.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt