Dos confrontos verbais aos resultados. As razões para o despedimento de Mourinho
Chegou ao fim o reinado de José Mourinho no Manchester United. Esta terça-feira, precisamente um dia depois de se completarem três anos do seu despedimento do Chelsea, o Manchester United anunciou a saída do treinador que tinha contrato até 2020 e que estava em Old Trafford desde o verão de 2016. Dois anos e meio depois de ter sido eleito para reerguer o clube de Old Trafford após experiências mal sucedidas no período pós Alex Ferguson, o treinador português não resistiu aos maus resultados desta época, com o clube num modesto sexto lugar e já a 19 pontos do rival Manchester City. Mas não foram só as questões desportivas que desgastaram a relação entre o treinador e o clube.
Um dos principais motivos para a saída do treinador prende-se com os resultados desportivos desta época. Nos dois anos anteriores ao leme do Manchester United, apesar de ter falhado a conquista do título, o treinador conseguiu vencer a Liga Europa, uma Taça da Liga e uma Supertaça de Inglaterra. A época passada terminou o campeonato no segundo lugar, mas esta temporada o castelo desmoronou.
O Manchester United ocupa um modesto sexto lugar na classificação, com apenas 26 pontos somados em 17 jornadas (sete vitórias, cinco empates e cinco derrotas). Um registo pobre, que deixa o clube neste momento já sem possibilidades de lutar pelo título, pois o rival City, que está na liderança da Premier League, está a 19 pontos de distância.
Mais do que isso, a derrota no fim de semana com o Liverpool (3-1), com uma exibição para esquecer e que precipitou agora o despedimento, fez a equipa igualar o seu pior registo (época 1990/91) em termos de golos sofridos - 29 em 17 jogos, mais um do que em toda a temporada passada. Outro fator negativo: nos duelos diretos com os cinco primeiros classificados da Premier League, o Manchester United não ganhou um - perdeu com o Liverpool (3-1), Manchester City (3-1) e Tottenham (0-3), e empatou com o Arsenal (2-2) e o Chelsea (2-2).
Nas outras competições, o Manchester United foi eliminado logo na primeira ronda da Taça da Liga inglesa, diante do secundário Derby County, no desempate por grandes penalidades. Está em prova na Taça de Inglaterra e na Liga dos Campeões apurou-se para os oitavos de final da competição no segundo lugar do Grupo H, atrás da Juventus.
Ao longo desta época foram uma constante as notícias publicadas em Inglaterra sobre um alegado mau relacionamento entre José Mourinho e alguns jogadores do plantel. O caso mais mediático foi relativamente a Paul Pogba, médio internacional francês por quem o United pagou mais de 100 milhões de euros no verão de 2017. Alguma imprensa britânica chegou mesmo a avançar que ambos não se falavam. E a verdade é que o técnico português lhe retirou o estatuto de segundo capitão de equipa. Também teve problemas com Martial, jogador que criticou publicamente depois de o avançado ter chegado atrasado aos trabalhos na pré-temporada devido ao nascimento do filho.
Em novembro, numa entrevista concedida a um canal de televisão norte-americano, conduzida pelo ex-jogador Hristo Stoickkov, o treinador chegou mesmo a apelidar alguns jogadores do Manchester United de mimados. "Quando falamos de Luke Shaw, de Martial, de Lingard, de Marcus Rashford, falamos de rapazes com grande potencial, mas que lhes falta uma palavra que não posso dizer, mas que tu gostas muito de usar... Falta-lhes um pouco de caráter, de personalidade, de agressividade natural", referiu.
A edição britânica do site ESPN avançou mesmo há uns meses que havia um grupo de jogadores determinado a deixar Old Trafford no final da temporada caso Mourinho continuasse como treinador do United. O facto de sentirem que não estavam a evoluir como jogadores era uma das razões apontadas, além das questões relacionadas com a forma como o técnico se relacionava com o grupo, "procurando constantemente conflitos e expondo-os publicamente, para depois pedir que joguem por ele".
Ainda a temporada 2018/19 não tinha começado, e já em Inglaterra se falava num mal estar entre José Mourinho e alguns dirigentes do Manchester United, sobretudo com o vice-presidente Ed Woodward, homem mais ligado ao mercado de contratações.
Na base deste litígio estava precisamente o facto de o clube não aceder aos seus pedidos em termos de reforços - esta temporada, ao contrário de outros anos, o United foi bastante contido nos gastos, contratando apenas Fred, Diogo Dalot, Lee Grant e Paul Woolston. Mas na agenda de Mourinho estavam nomes como Harry Maguire, do Leicester, Yerry Mina, do Barcelona, e Gareth Bale, do Real Madrid.
Aliás, várias vezes em conferências de imprensa, Mourinho referiu-se indiretamente a esse facto, dando exemplos dos milhões gastos pelos rivais diretos em reforços. "Uma coisa é o que eu quero, e outra é o que vai acontecer. Entreguei uma lista ao clube com cinco jogadores que me interessavam já há vários meses e não chegou nenhum. Se não melhorarmos o plantel, então vai ser uma temporada muito difícil para nós. As equipas com as quais competimos são muito fortes, têm planteis fantásticos e estão a investir muito como, por exemplo, o Liverpool, que compra tudo e todos", disse em agosto.
José Mourinho sempre foi conhecido como um treinador sem papas na língua, crítico e duro quando tinha de ser e que muitas vezes recorria propositadamente aos famosos mind games. Esta temporada não foi exceção e em diversas ocasiões o treinador comprou guerras que não agradaram aos responsáveis do clube, pois não estavam habituados a este estilo de confrontação.
"Por vezes, Mourinho mete-se e arranja confusão com as pessoas erradas. Não se pode comprar guerras num clube como o Manchester United, instituição que é maior do que qualquer indivíduo. Por isso, para quê enfrentá-los? Qual o objetivo? Virar os adeptos contra a direção e retirar pressão de cima dos ombros?", questionou recentemente o treinador Tim Sherwood, em declarações à Sky Sports.
A relação com a imprensa inglesa foi sempre também muito turbulenta. Mourinho em variadíssimas ocasiões entrou em conflito com os jornalistas, quer em conferência de imprensa, quer nas entrevistas rápidas logo após os jogos. Um bom exemplo desta relação conturbada aconteceu no início de outubro, véspera de um jogo com o Newcastle. Os órgãos de comunicação social foram informados de que a conferência de imprensa de Mourinho tinha sido antecipada para as 8.00 da manhã. Os media compareceram e Mourinho só falou durante três minutos e meio.