Coração. Daniel jogou com um desfibrilhador, Fábio teve de parar e Seba voltou a jogar
No verão de 2013, Daniel Engelbrecht sofreu um colapso e caiu no relvado durante um jogo dos Stuttgarter Kickers, da III Divisão alemã. Temeu-se o pior. Daniel acabara de sofrer um ataque de coração e foi reanimado ainda no campo. Os meses que se seguiram foram uma autêntica história de superação.
A história de Daniel é mais uma de um jogador de futebol que de um momento para o outro foi afetado por problemas de coração. O caso mais recente foi o de Iker Casillas, guarda-redes do FC Porto, que sofreu um enfarte em pleno treino da equipa portista na quarta-feira, dia 1 de maio. Imediatamente assistido e transportado para o hospital, o guardião espanhol de 37 anos foi sujeito a um cateterismo no Hospital da CUF do Porto, onde ainda está internado. A última nota médica, emitida na quinta-feira, informava que estava "a evoluir favoravelmente dentro do previsto e sem qualquer tipo de complicação". E esta sexta-feira, Sara Carbonero, a mulher do jogador, revelou que Casillas deve ter alta na próxima segunda. Mas se vai poder voltar a jogar futebol, ainda ninguém sabe para já.
Voltemos à história de Daniel Engelbrecht. Exames complementares feitos depois no hospital diagnosticaram que sofria de uma inflamação do músculo do coração e tinha um ritmo cardíaco fora do normal. O regresso à alta competição começou por ser uma miragem e o jogador submeteu-se a quatro intervenções cirúrgicas. Uma delas para lhe ser colocado um desfibrilhador. Tinha 22 anos quando tudo aconteceu.
Após uma longa recuperação, Daniel voltou a jogar. 16 meses depois do dia em que caiu num relvado de um campo de futebol vítima de um ataque cardíaco. Em dezembro de 2014, o avançado tornou-se o primeiro jogador de futebol alemão a jogar com um desfibrilhador. Saltou do banco aos 83 minutos e foi decisivo no triunfo da sua equipa, apontando o 2-1 a favor dos Stuttgarter Kickers no tempo de compensação. Foi a maior vitória da sua vida.
"Antes do jogo, o medo voltou, claro. Acho que nunca iria conseguir livrar-me deste receio. Mas poder voltar a jogar a nível profissional foi um sentimento indescritível. Um grande passo para mim. Tive a sorte de conseguir viver. Outros na minha situação morreram. Depois do diagnóstico ninguém acreditava que eu pudesse voltar a jogar. Mas eu consegui. E foi uma alegria imensa estar de volta. Foi o dia mais feliz dos meus últimos 16 meses", contou há uns anos Daniel ao site da Federação Alemã de Futebol.
O futebolista reconheceu, numa entrevista ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung, que a maioria dos médicos que consultou o aconselharam a não voltar a jogar futebol. Mas que mesmo perante estes avisos decidiu que iria regressar à competição. "Nunca teria perdoado a mim mesmo se não tivesse tentado. Estabeleci este objetivo e dei tudo para o conseguir concretizar", desabafou, garantindo que o ano a seguir ao ataque cardíaco foi o pior da sua vida: "Não tinha permissão para fazer nada. Nada de desporto, nada de esforço. Tive de viver a vida como se tivesse 80 anos. Por causa dos comprimidos estava constantemente cansado e não conseguia dormir bem de noite."
A situação clínica causou-lhe outro tipo de problemas, e a dada altura começou a sofrer de crises de ansiedade e ataques de pânico: "Houve fases em que fui medicado por causa das alucinações. Às vezes acordava à noite e via pessoas a andarem pelo meu quarto. Sentia-me tão mal que não conseguia dormir sozinho."
Daniel jogou futebol, apesar das limitações, até à temporada passada, quando se retirou aos 27 anos ao serviço do Rot-Weiss Essen, da III Divisão alemã. Depois de ter apanhado mais um susto num treino, resolveu que era altura de abandonar o futebol. Atualmente desempenha funções de treinador adjunto da equipa de sub-19 do Bochum.
Fábio Faria estava emprestado pelo Benfica ao Rio Ave e era uma promessa do futebol português quando, aos 22 anos, caiu inanimado nos últimos minutos de um Rio Ave-Moreirense. Esse jogo, a 4 de fevereiro de 2012, foi o último que disputou. "No meu caso foi uma arritmia. O meu coração disparou, estava a 300 batidas por minuto, e só soube no dia a seguir, quando já estava nos cuidados intensivos. Na altura, desmaiei, perdi os sentidos e foi com o desfibrador que acordei. Pelo que já vi, a situação do Iker foi diferente", contou o antigo defesa, 30 anos, ao DN.
Na altura, os médicos não lhe "disseram nada" relativamente à continuidade no futebol, mas foi pela imprensa que se foi apercebendo dessa possibilidade. "O que veio nos jornais é que a minha carreira estava em risco e que podia não voltar a jogar. Mas só passados seis ou oito meses, depois de vários exames, estudos eletrofisiológicos e cateterismos, é que tomei a decisão de não voltar a jogar. Os médicos fizeram tudo para eu voltar a jogar, mas optei por não regressar", recordou o atual treinador adjunto da equipa B do Rio Ave.
"O médico que me operou disse-me o que se podia passar e que as coisas não iam ser fáceis. Estava a treinar à parte, com esperança de voltar a jogar, mas passados seis ou sete meses tive outro episódio. Caí inanimado enquanto corria com o meu pai e quando acordei decidi que não ia voltar a jogar, para não andar com a minha vida sempre em risco. Queria ter uma vida normal", acrescentou, aconselhando Iker Casillas para que, em caso de dúvida, faça o mesmo: "O mais importante é estarmos aqui a respirar e estarmos com a nossa família. Na dúvida, mais vale abdicar dos nossos sonhos e estar com a nossa família."
Quase sete anos depois, confessa, o enfarte de miocárdio sofrido pelo guarda-redes do FC Porto fê-lo puxar a cassete atrás. "Estava a aspirar a sala com a televisão ligada quando vi a notícia do Casillas. Fez-me lembrar de muita coisa, do que passei e do que ele deve estar a passar. Sentimo-nos impotentes, não podemos fazer nada. Na altura fiquei um bocado baralhado, porque não sabemos o que nos aconteceu. E depois quando as notícias vêm a público e sabemos que é um problema cardíaco, é sempre muito complicado", frisou, confessando que a situação o deixou traumatizado durante três anos: "Na altura tinha medo de adormecer, porque pensava que podia não acordar. Tinha medo de subir escadas, foi muito difícil. Tive de recorrer a um psicólogo e a um psiquiatra para me ajudarem a resolver este problema."
Hoje, Fábio Faria diz ter uma "vida perfeitamente" normal, na qual se inclui atividade física, e que apenas toma "todos os dias um comprimido para baixar o ritmo cardíaco". "Não posso é ser atleta de alto rendimento", afirmou o defesa formado no FC Porto e no Rio Ave.
Embora se tenha retirado com 23 anos, acredita que não lhe custou mais abandonar os relvados do que, se for caso disso, a Iker Casillas, que está prestes a completar 38. "Não há idades para custar menos ou custar mais. Obviamente que eu estava no início da minha carreira, custou-me muito, mas também deve estar a custar muito ao Casillas, pela carreira que tem e pelo jogador e ícone do futebol que é. Não é a melhor forma de terminar a carreira", rematou, frisando a sorte que ele e o espanhol tiveram em ter acordado.
Jesús Seba, avançado espanhol que em Portugal representou o Desportivo de Chaves e o Belenenses, apanhou um grande susto no ano 2000. Na pré-temporada, durante a realização dos habituais testes médicos que na altura se faziam no Centro de Medicina Desportiva, o jogador foi confrontado com um problema no coração. "É daquelas notícias que nunca estamos à espera de ouvir. Tinha feito uma grande temporada no Belenenses, nunca tinha sentido qualquer dor, e de repente dizem-me que tenho um problema no coração. Uma regurgitação na válvula tricúspide. E informaram-me de que para continuar a jogar futebol tinha de corrigir este problema. Foi um choque ouvir que tinha um problema no coração", lembrou ao DN.
"Nunca tinha sentido nada. Nada mesmo", reforçou. Mediante este diagnóstico foi consultar alguns especialistas. "Estive em Saragoça e foi então que decidi ir ser operado nos Estados Unidos por um especialista. Estive parado três meses. Isto foi em agosto e em novembro regressei. Dou graças a Deus pelos médicos portugueses terem detetado este problema. Caso contrário não sei o que me podia ter acontecido", prosseguiu o antigo jogador, hoje com 45 anos e já retirado.
O caso de Seba, apesar de também ter tido um problema no coração, não tem nada que ver com o de Casillas ou de outros jogadores com deformações a nível cardíaco. "No meu caso os médicos disseram-me que foi devido a um forte traumatismo. Uma bolada, um choque, uma coisa desse tipo que deu origem a este problema. Se pensei que não podia jogar mais futebol? Quando nos dizem que temos um problema no coração pensamos em tudo. Mas os médicos logo em Portugal sossegaram-me e sempre estive muito confiante. Como nunca tinha tido nenhuma dor, sempre acreditei na palavra dos médicos. Sabia que podia ser curado e a verdade é que até hoje nunca senti mais nada. E ainda jogo futebol a nível de veteranos", prosseguiu.
"A situação do Casillas é um caso diferente. Ele sofreu um enfarte, no meu caso foi um traumatismo que originou uma lesão no coração. O Casillas, pelo que sei, sentiu-se mal. Eu nunca senti nada. Quero aproveitar para mandar um forte abraço ao Iker e dizer-lhe para ter muita força, que se rodeie dos seus familiares, que é algo muito importante nestes momentos. Estou seguro de que a recuperação vai correr pelo melhor e que com a ajuda dos médicos que o estão a acompanhar vai encontrar a melhor solução para ele e para a sua enorme carreira desportiva", concluiu o avançado espanhol.