Violência contra atletas: Duas da 19 queixas relataram "perigo de vida"

Maioria dos abusos parte dos treinadores e afeta mais desportistas do sexo feminino (13 em 19). Números foram revelados no Congresso do Observatório Nacional da Violência Contra Atletas. Natação e basquetebol são as modalidades com mais queixas.

"Sim. O desporto português tem casos de violência física, psicológica, social e/ou sexual contra atletas. Está tudo muito silenciado e oculto. Poucos denunciam. O assunto ainda é tabu, mas existem e recordo aquele caso da Sara Djassi no ano passado", disse ao DN Cláudia Pinheiro, que, esta sexta-feira, apresentou os números no Congresso do Observatório Nacional da Violência Contra Atletas, no ISMAI (Maia).

Desde setembro de 2020 foram feitas 20 denúncias anónimas (19 queixas), a maioria de atletas do sexo feminino (13): "Talvez porque o desporto ainda é visto como um espaço masculino onde não é suposto um homem ser vítima."

Todas as vítimas ou ex-vítimas têm até 18 anos e nacionalidade portuguesa, quatro pertencem à natação, outras quatro ao basquetebol, duas à ginástica, duas ao futebol e duas aos desportos de combate, além de casos únicos na patinagem, na dança desportiva e no hóquei.

Relativamente à natureza das denúncias abrangem mais do que um tipo de violência, 14 referem-se a violência física ou abusos sexuais, seguido da obrigação de competir sem condições físicas ou mentais (13), as agressões (10) e a negligência (5). E em dois desses casos, foi relatado "perigo de vida".

O agente agressor é variado. Muitas das vezes a violência traduz-se em bullying dos colegas, outras são os pais que colocam grande pressão nos filhos para terem sucesso. Também os dirigentes que exigem resultados e os adeptos descontentes com o desempenho são agentes abusadores, mas a maioria dos casos reportados aconteceu em contexto de treino. Ou seja, da parte dos treinadores.

A 3 de agosto, a basquetebolista portuguesa Sara Djassi (30 anos) escreveu uma carta aberta no jornal espanhol Columna Cero a narrar a "pior experiência da sua vida", vivida em 2015 e 2016, quando jogava no Ciudad de La Laguna Tenerife, do segundo escalão de Espanha. Em causa, os comentários "inapropriados" do comportamento do técnico Claudio García. "Ele perguntava-me várias vezes se eu tinha namorado. Evitava falar ou até olhar para ele. Pensei que me castigava, porque era sempre a última pessoa a quem pagavam, e eu sabia que as minhas colegas recebiam a horas", revelou a basquetebolista, recordando os insultos às jogadoras - "suas pu***" - e o vulgar - "chupa-me os tomates".

"Quando desde jovens estão sujeitos a determinado tipo de comportamentos e atitudes por parte do treinador e vêm que ninguém questiona ou culpabiliza quem os perpetua, acabam por ser socializados nesse contexto e considerarem o abuso como "aquilo que é preciso para se alcançar o sucesso". E pensam "se os outros aceitam e aguentam é porque é suposto eu passar pelo mesmo". E por isso "muitos só reconhecem o papel de vítima quando abandonam o desporto", explicou a antiga ginasta e agora professora universitária, que coordena a equipa de investigação do Observatório criado em 2020.

Poder colaborar na formação dos treinadores é por isso um dos objetivos do Observatório, porque "um berro ou uma sapatada não é treino motivacional, é violência contra o atleta".

A importância de um canal para a denúncia

A vergonha de admitir ser alvo de violência de qualquer tipo, o estigma social da denúncia, as implicações familiares e desportivas de revelar publicamente comportamentos que configuram violência, tudo isto pesa na hora de assumir publicamente um caso de abuso psicológico ou físico. Daí a importância da denúncia anónima. "Uma pessoa que não é vítima, mas presencia uma situação de violência e não sabe a quem se dirigir para reportar o caso ou não quer ser identificada pode fazê-lo no portal do Observatório", esclareceu.

Tudo começa no questionário online na plataforma do Observatório, onde os denunciantes respondem a uma série de perguntas pré-definidas. Depois, se alguém quiser partilhar algo em concreto e solicitar ajuda, psicológica, jurídica ou outra, pode fazê-lo e o Observatório tem canais de ajuda, como o Instituto Português do Desporto e Juventude, a Alta Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto, o Comité Olímpicode Portugal, a Ordem dos Psicólogos Portugueses e a Confederação de Treinadores de Portugal.

A coordenadora do Observatório acredita que os números possam servir para as instituições, como o o Instituto Português do Desporto e Juventude e o Comité Olímpico de Portugal, poderem criar políticas que visem a proteção de jovens e crianças no desporto: "Poder dizer-lhes com base em números e não suposições que o fenómeno da violência contra atletas existe, que as modalidades X e Y são as que têm maior incidência e quem são os potenciais agressores, é muito importante."

*peça atualiado com todos os números a 25 de fevereiro

isaura.almeida@dn.pt

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