UCI retira licença à W52-FC Porto. Das toneladas de comprimidos proibidos às bolsas de sangue
A União Ciclista Internacional (UCI) retirou a licença desportiva à W52-FC Porto, na sequência das suspeitas de doping reiterado na equipa de ciclismo ligada aos dragões há seis anos, impedindo-a assim de se apresentar no pelotão da Volta a Portugal, que vai para a estrada de 4 a 15 de agosto.
Tudo começou há cerca de um ano com uma denúncia anónima na Polícia Judiciária, que em colaboração com a Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP), montou uma longa operação de investigação, que culminou com buscas e detenções. Segundo soube o DN, os ciclistas e restante estrutura foram monitorizados pela PJ durante quase um ano até a operação Prova Limpa sair para a rua, no passado dia 24 de abril.
A operação envolveu 120 inspetores e vários procuradores do Ministério Público, que fizeram buscas em simultâneo no hotel onde a equipa estava instalada, num armazém, nas viaturas oficiais e nos carros particulares de ciclistas e de toda a estrutura da equipa e nas casas de todos os elementos da W52-FC Porto. A intervenção de Norte a Sul do país levou a uma gigantesca apreensão de produtos dopantes e material de auxílio a práticas proibidas, nomeadamente para transfusões sanguíneas.
A operação contou com a presença de sete elementos da ADoP, que efetuaram colheitas de sangue e urina aos ciclistas, que foram enviadas de imediato para um laboratório de Barcelona. Os resultados vieram negativos nos testes à urina. Quanto à análise sanguínea, feitas, segundo o protocolo antidoping internacional para obter resultados para o passaporte biológico, ainda estão em observação, uma vez que só se consegue detetar substâncias proibidas com quatro ou mais análises.
Apesar disso, e depois da PJ ter detido duas pessoas (o diretor Nuno Ribeiro e o adjunto José Rodrigues) e de ter constituído dez arguidos, a ADoP pediu ao MP para ter acesso às provas recolhidas e assim que teve autorização deu início à instauração de processos disciplinares. Depois de notificados disso e da intenção do organismo de os suspender preventivamente, os envolvidos tiveram 10 dias úteis para se justificarem.
Os argumentos não convenceram os peritos da autoridade antidopagem, que avançou para a suspensão preventiva. Decisão logo comunicada aos arguidos, ao clube, à Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC), à UCI e à AMA (Agência Mundial Antidopagem). Segundo soube o DN, "a UCI ficou muito preocupada" com as suspeitas de doping reiterado, uma vez que já tinha castigado dois atletas ligados aos dragões [Raul Alarcón e Edgar Pinto] por doping e mandou traduzir todo o processo, decidindo depois retirar a licença para competir à W52-FC Porto.
"A Federação Portuguesa de Ciclismo confirma que foi hoje [ontem] notificada pela União Ciclista Internacional (UCI) de que esta entidade decidiu retirar a licença desportiva à equipa continental W52-FC Porto, na sequência da informação recebida pela UCI sobre o processo que decorre na Autoridade Antidopagem de Portugal. A decisão entra imediatamente em vigor, pelo que a equipa está impedida de voltar a competir", informou a Federação Portuguesa de Ciclismo, que contactada pelo DN, não quis acrescentar nada para além do escrito no comunicado. Do lado do FC Porto o silêncio também foi a opção, não existindo qualquer comentário ao assunto até à hora de fecho desta edição.
A decisão "apanhou de surpresa" Adriano Quintanilha, patrão da W52-FC Porto, que pretendia estar no pelotão da Volta a Portugal - foi convidado pela Podium Events, organizador da prova -, apesar de ter apenas três ciclistas disponíveis (Amaro Antunes, José Neves e Jorge Magalhães) do mínimo de cinco exigidos. "Sempre me disseram que a equipa não tinha nada a ver, que era caso individual. Os ciclistas continuam a dizer que nunca se meteram em nada. Como dirigente estou de consciência tranquila, nunca exigi nada que não fosse a verdade e continuo a acreditar na palavra dos ciclistas", afirmou Quintanilha à Antena 1.
Entre os dez suspensos estão quatro antigos vencedores da Volta a Portugal: João Rodrigues (2019), Rui Vinhas (2016), Ricardo Mestre (2011) e Joni Brandão, que herdou a vitória na edição de 2018 depois da desclassificação, por doping, do ex-dragão Raúl Alarcón.
Por norma a ADoP só pune com base em dados laboratoriais, sendo esta a primeira vez que atua com base na lei antidoping que permite agir disciplinar e criminalmente, em casos de posse e tráfico, com base em provas factuais. Há elementos suspeitos de posse de substâncias ilícitas, outros de tráfico e alguns por posse e tráfico. "Nunca houve um processo de doping tão complexo e pesado como este em Portugal. As toneladas de comprimidos encontradas - 99% deles proibidos -, as bolsas de sangue, o equipamento para fazer transfusões sanguíneas, indiciavam operações de dopagem massiva impune há muito tempo", explicou uma fonte conhecedora do processo ao DN.
Em resultado disso, há um processo disciplinar que está a ser elaborado pela ADoP - que ainda pode implicar mais pessoas -, que seguirá para o Colégio Disciplinar Antidopagem para análise e julgamento, onde os envolvidos se poderão defender e até colaborar com a justiça e beneficiar do estatuto de denunciante. Ao mesmo tempo segue na justiça o processo criminal, cuja acusação só deve estar pronta daqui a uns meses e deverá resultar em acusações de posse e tráfico de substâncias ilícitas.
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