Técnico acusado de assédio sexual diz-se vítima de "esquema"
Miguel Afonso, treinador do Famalicão acusado de assédio sexual por algumas jogadoras do Rio Ave, diz que está a ser alvo de um "esquema", sem especificar de quem ou com que fundamento. "Simplesmente, obrigado a todos aqueles que manifestaram apoio durante esta noite, pois sabem como e quem sou. Continuo forte e focado. Com calma e alma me defenderei deste esquema criado", defendeu o técnico no Instagram.
Um dos clubes envolvidos no caso, o Rio Ave, onde o alegado assédio aconteceu na época 2020-21, reconheceu ter tido "conhecimento de alguns comentários circunstanciais relatados por atletas, relativamente a alegadas abordagens despropositadas do treinador", que foram negados pelo técnico, o qual acabou por deixar o clube. E, acrescenta, "a pedido das jogadoras o assunto não teve seguimento". Ou seja, ficou por isso mesmo.
Já Jorge Silva, o presidente do outro clube envolvido, o Famalicão, supostamente já informado da alegada conduta imprópria do treinador, teria optado por o contratar na mesma para conduzir a equipa feminina do clube minhoto - segundo noticiou o jornal Público -, embora, oficialmente, tenha dito ontem em comunicado que "ao momento da contratação, e até ao dia de hoje (ontem), não tem conhecimento de nenhuma acusação ou denúncia às autoridades competentes que recaia sobre o técnico Miguel Afonso".
Sobre se mantém a confiança no treinador da equipa, que ainda ontem deu o treino e agiu como se nada fosse, nem uma palavra... para o exterior. Internamente, segundo soube o DN, Jorge Silva disse ao plantel famalicense (6.º classificado do campeonato) para se manter tranquilo e garantiu não ter qualquer prova contra Miguel Afonso e acusou duas empresárias de estar por detrás de uma denúncia sem fundamento.
O líder famalicense disse ainda que o treinador se manterá no cargo até prova em contrário. No entanto, segundo o DN apurou a paragem de 15 dias para os jogos das coseleções pode servir para avaliar melhor o impacto do caso e ponderar uma mudança de técnico, a tempo do jogo da Liga BPI com o Benfica, marcado para o dia 15 de outubro.
A notícia do alegado assédio também apanhou as jogadoras do Famalicão de surpresa, uma vez que não tinham qualquer queixa desse género a apontar ao técnico.
Este é o primeiro caso do género a ser conhecido no futebol feminino português. Terá acontecido na época 2020-21, quando Miguel Afonso treinava as vila-condenses no segundo escalão. As alegadas vítimas serão jogadoras dos 18 aos 20 anos de idade. Uma delas, e de acordo, com o jornal Público, recebeu um sms do técnico a perguntar se gostava de homens ou mulheres.
O Sindicato de Jogadores disse não ter conhecimento do caso em específico, mas reconheceu que a situação agora denunciada "não surpreende, atendendo à dimensão do problema do assédio sexual no futebol" e de outros casos passados, que foram remetidos para as autoridades competentes. "Por temerem represálias ou exposição pública, acabam por ficar em silêncio. Infelizmente, o assédio sexual é banalizado e não havendo uma resposta firme dos dirigentes quando têm conhecimento de suspeitas acaba por permanecer impune. Ao revelar-se publicamente permite a discussão e equacionar as respostas necessárias ao combate", sublinhou o presidente Joaquim Evangelista.
Aliás segundo soube o DN, na época passada apenas uma atleta procurou o Sindicato para saber o que fazer em caso de assédio, mas sem especificar se era vítima ou apenas conhecedora de alguma situação.
Depois do caso se tornar público, a Federação Portuguesa de Futebol pediu ao Conselho de Disciplina para abrir um processo disciplinar para averiguações e lembrar que há uma plataforma de denúncia anónima para casos de assédio e que desde julho que os regulamentos da FPF preveem punições para os casos de assédio.
O artigo 126.º-B refere que um dirigente ou outro agente desportivo "que importunar" outro agente desportivo "adotando comportamento indesejado de caráter sexual, sob a forma verbal, não verbal ou física, é punido com suspensão de três meses a um ano".
Um ano é também a moldura penal. O assédio sexual está englobado no artigo 170.º do Código Penal, referente ao crime de importunação sexual: "Considera-se assédio uma situação em que alguém é sujeito a um clima ou ambiente de intimidação, de constrangimento de qualquer forma, em que se está sujeito a atitudes que humilham e afetam a dignidade, que se traduzem em comportamentos de teor sexual indesejado."
Como não é um crime público carece de uma queixa. Prevê situações de exibicionismo, verbalizações de teor sexual e contacto físico e "é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal".
Também o artigo 29.º do Código de Trabalho define o assédio sexual em contexto de trabalho como "o comportamento indesejado de caráter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física" e com a mesma moldura penal do artigo 170.
Segundo dados do Observatório Nacional da Violência Contra Atletas, que tem uma plataforma online de denúncia anónima, desde setembro de 2020 foram feitas 26 denúncias, a maioria do sexo feminino e a maioria (mais de 14) vítimas de violência física ou abusos sexuais e em contexto de treino. Dessas denúncia apenas duas eram relativos ao futebol, sem que se especifique se masculino ou feminino.
isaura.almeida@dn.pt