Rui Soares: “A paixão dos automóveis vem do meu pai e o Rali de Portugal era sagrado”
Rui Soares é de Aguiar da Beira, mas a paixão pelos carros e as corridas fez dele um cidadão do Mundo e um reconhecido engenheiro, que está no Rali de Portugal com a Toyota, segunda classificada do World Rally Championship (WRC).
De onde vem a paixão pelas corridas? É um Engenheiro de Corrida com passado ligado ao automobilismo?
A paixão dos automóveis vem do meu pai, foi ele que me deu a conhecer este mundo. Ele chegou a ser navegador dos pilotos da Terra, da AFC Sport. O meu pai sempre acompanhou os ralis e o de Portugal era sagrado. Madrugar, passar na padaria, que ainda não tinha aberto, para levar pão quentinho, para comer com os ovos e os panados e ir às corridas era uma atividade, pai-filho, que sempre adorei... E depressa o gosto de ver os carros passou para a curiosidade de perceber como é que as coisas funcionavam.
O Rali de Portugal continua a ser especial para si?
É sempre. Os pilotos também o dizem, não são envergonhados em o admitir e dizer. Tal como a Fórmula 1, os ralis também estão a seguir o dinheiro e a ir para países diferentes. Mas são os países em que está enraizada esta paixão pela competição automóvel, como Portugal, Espanha e Itália, que os pilotos adoram. Ontem um piloto perguntou-me se era feriado, porque havia muita gente no troço enquanto fazia o conhecimento. E esta é uma parte que não se explica, sente-se.
Estudou Engenharia Mecânica...
Sempre tive o gosto das corridas e decidi ir seguir Engenharia Mecânica, mas quando estava a estudar em Coimbra soube de um curso em Espanha, um mestrado em desporto automóvel, e consegui arranjar a forma de entrar. Comecei a enviar currículos, recebi muitos “nãos”, mas houve um sim que me levou à Bélgica para fazer uma tese com a Symtech Racing. Em 2011 a equipa ficou sem o engenheiro e pediu-me para a acompanhar ao Campeonato do Mundo. Correu bem, o Hayden Paddon foi campeão. Em 2014, ele deu o salto para o WRC e convenceu a Hyundai que eu era a pessoa certa para o acompanhar. A minha mulher gozou muitas vezes com essa situação, porque quando a Hyundai me ligou a oferecer o trabalho, eu nem sequer perguntei as condições, só disse que sim, porque era um sonho chegar ao Mundial de Ralis.
E como chega à Toyota?
Em 2018, trabalhei com o Andreas Mikkelsen e foi nessa altura que decidi que estava na altura de dar preferência à vida familiar, pois tornara-se muito complicado estar sempre a viajar. E, quando decidi sair da Hyndai, há o convite da Toyota, dando-me a possibilidade de trabalhar desde Portugal. Trabalhei com o Kris Meeke e agora com o Elfyn Evans.
O que faz um Engenheiro de Corrida?
Basicamente é a ponte entre o piloto e a equipa. Eu sou o responsável por um carro, o do Elfyn. Ele fala-me dos problemas e do que gostava de ver melhorado e eu descodifico esses problemas para os mecânicos. Além disso existe todo um trabalho estatístico - que tipo de pneus funciona em cada troço, que tipos de troços, se há troços novos ou repetidos, onde é que tivemos bom e maus resultados - que dá para elaborar uma enciclopédia para cada rali. Sou também um pouco psicólogo, pois é preciso ouvir os pilotos, que às vezes estão saturados ou frustrados com os resultados. Uma porta mal fechada não vai fazer perder ou ganhar um rali, mas é importante priorizar as queixas do piloto.
Os Rally1 de 2025 são mais simples, leves e económicos...
Mesmo com motores de combustão, o WRC sempre teve uma pegada ecológica mais leve que outros desportos, e uma metodologia de reutilização de materiais. Uma peça usada deixou de ser lixo e serve para os carros de teste, mas continuamos a ter obrigação de aumentar a eficiência energética. Em 2022, há a entrada dos híbridos, numa tentativa de tornar o carro um bocadinho mais verde. Neste momento, temos apenas o motor de combustão, mas adotamos os combustíveis sintéticos.
Sintéticos? De que origem?
A FIA faz segredo sobre a origem, só sabemos que é sintético, mas julgo que será de origem vegetal.
E é um pouco como no filme Audi vs. Lancia - Corrida pela Glória... Dá para tirar peças e o carro funciona na mesma?
(risos) Cada peça tem a sua função e estamos todos sempre a tentar ir atrás do peso mínimo e da performance máxima, mas a segurança é a primeira prioridade. Os carros de corrida são umas armas bestiais, mas nem toda a gente sabe dos perigos. Quando comecei não havia o sistema de proteção de cabeça, que ajuda a evitar danos graves na coluna vertebral. Antes, se um piloto tivesse um acidente violento podia ficar com problemas para a vida. Hoje não. E as próprias carroçarias são mais rígidas.
Ainda consegue desfrutar da corrida?
O rali começou comigo a ir com o meu pai ver os troços, agora estou sempre no camião e só os vejo na televisão. O meu rali é seguir os carros, que têm um sistema de tracking (GPS) e câmaras on-board, nos monitores, onde está também o mapa do país e um pontinho vermelho com o número do carro, onde é que ele está a passar naquele momento e em velocidade real. Se o piloto parar sabemos logo. Quando eu comecei só tínhamos o pontinho no mapa, não sabíamos o que é que se passava com o carro...
Rali de Portugal com Neuville, Evans, Ogier, Rovanperä e um português.
O campeão mundial de ralis, Thierry Neuville (Hyundai), tenta, em Portugal, fazer frente à armada da Toyota, que monopolizou o pódio na ronda anterior, em Espanha. O britânico Elfyn Evans (Toyota) lidera o mundial e tem 43 pontos de vantagem para o segundo classificado, o finlandês Kalle Rovanperä (Toyota).
Também Sébastien Ogier (Toyota), recordista de vitórias na prova marca presença. O Rali de Portugal está dividido em três etapas e vai contar com 24 provas especiais de classificação, num total de 344,5 km cronometrados. O português Diogo Salvi estreia-se ao volante de um carro da categoria principal do WRC, algo que não acontecia desde 2012. Na segunda categoria, a WRC2, marcam presença 56 pilotos.