Rui Marques. Da curva 1 do Autódromo do Estoril a Diretor de Corrida da F1
Rui Marques sempre foi um “apaixonado pelo automobilismo” e é Diretor de Corridas de Fórmula 1 desde novembro de 2024. Em criança sonhava ser piloto, mas não passou dos kartings e formou-se em Engenharia Mecânica, mantendo-se assim perto das pistas e da velocidade. Começou como comissário de pista, em 1991, no Autódromo do Estoril, na Curva 1, logo a seguir às partidas onde viu de perto Ayrton Senna e Michael Schumacher. Depois foi subindo na pirâmide da Federação Internacional do Automobilismo (FIA) até chegar ao topo.
“Só se podia ser comissário de pista aos 18 anos, portanto, estive à espera para começar. Depois acabei o curso, trabalhei um pouco em automóveis, mas acabei por virar a agulha para aí e a engenharia ficou de lado. Há poucas funções que não tenha feito, fui subindo de grau a grau. Fiz provas de turismo, fui adjunto do diretor de corridas, também a Fórmula 2 e 3, e agora a Fórmula 1”, contou ao DN, depois de um atribulado GP da China no último fim de semana - Charles Leclerc (5.º), Lewis Hamilton (6.º) e Pierre Gasly (11.º) foram desqualificados, devido a questões técnicas e quebras do regulamento verificadas depois da prova ganha por Oscar Piastri (McLaren).
Mas o que faz um Diretor de Corrida? “Há pessoas que pensam que nós damos penalizações aos pilotos, mas não. O Diretor de Corrida identifica situações que possam merecer uma penalidade, e reporta-a ao Colégio de Comissários, que depois decide. Essencialmente, o diretor dirige a corrida, todo o procedimento de partida, parar um piloto durante o treino, meter um safety car ou um virtual safety car, avaliar as condições meteorológicas. Isso são tudo decisões do diretor de corrida. Minhas (risos)”, respondeu, fazendo questão de vincar que não trabalha sozinho.
“Não é um one man show. Na Race Control somos cinco. Tenho uma adjunta, um diretor desportivo da F1, que é quem fala com as equipas, mais um operador, que é quem faz a parte de mensagens e ativa os sistemas. E alguém que faz todos os replays e parte de rádio e tudo mais” disse, explicando o processo: “Temos um CCTV, comissários de pista e boa tecnologia que nos permite ver a mais pequena infração. Dizer que vemos tudo é impossível, mas vemos o importante.”
Como diretor privilegia a segurança dos pilotos e de todos os envolvidos numa corrida acima de qualquer coisa: “Há riscos, estamos a falar dos carros mais rápidos que há, que andam a 300 km/hora, portanto há que ter cuidados extra. No meu plano, a segurança é sempre o ponto-chave e depois a verdade desportiva, mas começa sempre pela segurança.”Rui Marques na sala da Race Control.
A influência de Eduardo Freitas
Rui trabalha constantemente sobre pressão. Desde o momento em que os carros entram em pista até à subida ao pódio. Há corridas em que está mais ansioso, mas diz que é normal e tem que se saber lidar com isso. “Até porque todas as decisões da Race Control são baseadas na decisão de um Diretor de Corrida. Se eu estiver demasiado stressado não vou conseguir liderar”.
Isso aprende-se e a FIA tem um programa - o HPP, que é o High Performance Program -, em que treina comissários para serem diretores de corrida. O caminho de Rui foi diferente, “essencialmente baseado na experiência e na aprendizagem com outros”, como Eduardo Freitas, que já foi também diretor da F1 (2022) e que em 2014 o recomendou para a vaga de adjunto do diretor de corrida do WTCC - o Campeonato do Mundo de Turismo, onde ficou até 2022, quando acompanhou a subida de Eduardo Freitas às ‘Fórmulas’.
Desde que foi nomeado há uma pergunta que é replicada em qualquer meio de comunicação mundial: quem é o português que é Diretor de Corrida da F1? Mas garante que a “nacionalidade não é relevante” para o cargo, até porque cada Grande Prémio envolve uma estrutura de mais de 100 pessoas, das mais variadas nacionalidades.
A F1 não deixa de ser “um mundo restrito” onde “não é propriamente fácil entrar”. Ele abriu essa porta destacando-se como diretor na Fórmula 2 e Fórmula 3: “A nacionalidade nunca foi entrave. A FIA tem sempre, no mínimo, duas pessoas capacitadas para cada função, portanto, já estava previsto desde 2024 que, se acontecesse alguma coisa seria eu a assumir a direção de corrida. A FIA decidiu que era o momento, fez o convite e aceitei. Não foi uma surpresa na medida em que estava a ser preparado para... mas nunca se está a contar o que vai acontecer.”
Estreou-se na função no Grande Prémio de Las Vegas, ganho por George Russell, a 24 de novembro, dia em que Max Verstappen festejou o tetracampeonato. Foi elogiado por alguns pilotos como Carlos Sainz Jr., que destacou a sua capacidade em ouvir os pilotos e ir ao encontro do que eles defendem para o espetáculo. Mas, para a maioria dos portugueses, Rui Marques ainda é um ilustre desconhecido, apesar de sentir-se “mais reconhecimento agora”, até porque “a exposição” mediática neste momento é muito maior: “A Fórmula 1 será sempre a Fórmula 1.”
E como é que está a ser a experiência? “Está a correr bem. O nível de exigência é superior. Quer seja das equipas, dos pilotos ou dos diretores dos autódromos. O nível de exigência é maior, há mais atenção ao detalhe, mais preparação. Depois há todo um trabalho que eu não tinha antes, que agora tenho, que é a preparação das provas”, respondeu o português, admitindo que é um trabalho de 24 horas sobre 24 horas.
Contrato extenso e sigiloso...
São 24 corridas para preparar. É todo um conjunto de reuniões. Este fim de semana não há Fórmula 1, mas nem por isso Rui irá descansar mais do que três dias. Tudo o resto são dias de trabalho. Viagens, reuniões com as equipas, briefings a preparar corridas para 2026. Há todo um trabalho fora das pistas e do fim de semana de corrida, que também tem de ser feito e é pelo diretor da Fórmula 1: “Para mim uma corrida dura uma semana.”
Não pode falar dos pilotos ou das decisões do Colégio de Comissários. Tem “um contrato extenso, cheio de anexos e muito confidencial”. E garante que não se sente a pessoa mais importante da Fórmula 1: “Ser Diretor de Corrida é o máximo a atingir e sabe bem ter algum reconhecimento, mas há que manter os pés assentes no chão e perceber que há muito trabalho a fazer e que sem uma equipa é absolutamente impossível. Sou a voz do comando, mas tenho todo um conjunto de pessoas a ajudar-me.”
Portugal anda afastado da F1, não tem capacidade financeira para ter um Grande Prémio, mas, segundo Rui Marques, “alguém tem que perceber o retorno desse investimento”. Os bilhetes para as corridas e eventos esgotam rapidamente. Mais ainda depois da série da Netflix, mas “o espetáculo compensa”, na opinião suspeita do Diretor de Corrida, que além de ter sido comissário nos Grandes Prémios de Portugal de 1991 a 1996 no Autódromo do Estoril e de ter sido diretor de prova no regresso - devido à pandemia da covid-19 - do Circo, em 2021, no Autódromo Internacional do Algarve.
A família está habituada, já o conheceu “nesta vida”. Este ano já vai em 22 voos. No ano passado fez 90. E confessa que quando chega àquela altura de dizer “vou a casa”, refere-se a Vila Real. É lá que o lisboeta de nascimento, que cresceu na Praia das Maçãs (Sintra) e adora viajar para um local com praia e cinema, sente que “abranda um bocadinho... nunca por completo”.
A outra “forma de desligar um pouco o cérebro e relaxar” é ver o Sporting. “Fizeram-me quase fanático nas notícias, o que não é verdade, mas sou adepto e gosto de ir ao estádio. Uma paixão passada pelo avô e pai. É um dos momento de relax, em que desfruto e não penso em mais nada. Não é por ser futebol, é por ser o Sporting, porque depois do automobilismo, sou fã de snooker”, confessou Rui Marques, que já prepara a terceira prova do Mundial, o GP do Japão, dia 6 de abril.
E, tal como até aqui, irá sentir-se realizado se “as decisões forem boas, o briefing entre pilotos e com as equipas correrem bem e a segurança nunca tenha sido posta em causa”. E sem se preocupar com a rodagem que o posto tem tido. Desde 2021 já ocuparam o cargo, Michael Masi, Eduardo Freitas e Niels Wittich.
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