Quinze jogadoras recusam ir à seleção espanhola em nome da saúde mental
Uma rebelião no feminino. Quinze jogadoras mostraram "indisponibilidade" para ir à seleção de futebol espanhola, por questões de "saúde mental", depois de a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) recusar demitir o selecionador Jorge Vilda (filho de Angel Vilda, antigo preparador físico do Benfica na era Juup Heynckes), a quem já tinham acusado de incompetência técnica no dia 1 de setembro.
"Venho por este meio informar que devido aos últimos acontecimentos ocorridos na seleção espanhola e à situação gerada, factos dos quais tem conhecimento e que estão a afetar significativamente meu estado emocional e, portanto, a minha saúde, atualmente não estou em condições de ser selecionável para a nossa seleção e peço para não ser convocada até que a situação seja revertida."
Foi assim que, segundo a RFEF, Ainhoa Moraza, Lola Gallardo (Atlético), Mapi Leon, Patri Guijarro, Claudia Pina, Aitana Bonmatí, Mariona Caldentey, Sandra Paños (Barcelona), Laia Aleixandri, Leila Ouahabi (Manchester City), Ona Batlle, Lucía García (Manchester United) ), Andrea Pereira (América do México), Nerea Eizaguirre e Amaiur Sarriegi (Royal Society) comunicaram a indisponibilidade. As capitãs Jenni Hermoso e Irene Paredes não acompanharam a renúncia, mas fizeram saber que subscrevem a luta, segundo o El Mundo.
A federação encarou a posição das internacionais como um "motim" e garantiu que "não vai permitir que as jogadoras questionem a continuidade do selecionador visto que tal decisão não é da sua competência". O organismo liderado por Jorge Rubiales avisou, em comunicado, que "não vai admitir qualquer tipo de pressão de nenhuma jogadora para serem tomadas medidas de âmbito desportivo".
Num duríssimo comunicado, que pode ser visto como uma manifestação de força, a federação espanhola lembrou que "a seleção é algo inegociável" e que esta situação sem precedentes na história do futebol não confere "dignidade" à luta. A RFEF lembrou ainda que, de acordo com a legislação espanhola vigente, "não comparecer a uma convocatória da seleção é uma infração gravíssima e pode acarretar sanções de dois a cinco anos de suspensão". No entanto, "e ao contrário da postura assumida pelas jogadoras em causa, a RFEF não tomará posições radicais nem exercerá pressões sobre as mesmas, deixando, simplesmente, de as convocar".
Mas a boa vontade tem um prazo: "Só poderão regressar no futuro se assumirem o seu erro e pedirem desculpa." Elas recusaram fazê-lo já ontem, não tolerando o tom de "infantilização" usado pela federação. E questionaram: "Pode alguém pensar que, oito meses antes de um Mundial, um grupo de jogadoras de nível superior, que é o que nós nos consideramos, considerar esta decisão, como foi publicamente defendido, como um capricho ou chantagem?"
Durante o dia de ontem as atletas reagiram com likes às notícias partilhadas nas redes sociais, mas acabaram por emitir um comunicado, já assinado pela melhor jogadora do mundo, Alexia Putellas, que não enviou a carta a mostrar indisponibilidade para ser convocada por estar a recuperar de uma cirurgia. No documento as futebolistas garantem que "nunca renunciaram" ou "pediram a saída do técnico", apenas manifestaram "a indisponibilidade" para representar Espanha enquanto as questões que as afetam mentalmente não seja revertidas, para bem "das gerações futuras".
O assunto já chegou ao Conselho Superior do Desporto, que disse "precisar de mais informações" e exigiu "prudência" mediática aos envolvidos, pedindo ainda às futebolistas "que se expliquem", entre criticas à forma "nada adequada" como atuaram. Já o sindicato (Futpro) ficou em silêncio ao contrário de Megan Rapinoe (melhor jogadora do Mundo em 2019), que manifestou apoio desde os EUA.
A opinião pública espanhola é que parece desconfiar dos motivos invocados. Mas Ana Álvarez, diretora do futebol feminino da RFEF, garantiu que "não há nenhum caso obscuro escondido". A dirigente mostrou-se mesmo "surpreendida" pelas atletas invocarem razões de saúde mental e revelou que o técnico "está surpreendido e dececionado" e fará uma lista para os próximos jogos, com a Suécia e os EUA, sem as 15, "como elas desejam".
A luta começou no dia 1 de setembro, com o núcleo duro da seleção a questionar a competência do selecionador para potenciar o valor das jogadoras. Segundo elas, a seleção chegou a um ponto de estagnação que impede a oitava colocada do ranking FIFA de chegar ao nível das melhores seleções.
Entre os extremismos das posições assumidas, tanto pelas internacionais como pela federação, está o não menos radicalismo do selecionador. Vilda tem contrato até 2024 (mais dois anos de opção) e avisou desde o primeiro indício da rebelião que não pretendia abdicar por vontade própria. Mas até quando aceitará o mau ambiente do balneário?
isaura.almeida@dn.pt