Miguel Poiares Pessoa Maduro foi ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional no Governo de Passos Coelho e é professor de Direito na Universidade Católica. Em 2015 liderou o Comité de Governação da FIFA e agora integra o projeto ClearingSport, da Play the Game, organização que promove a democracia, a transparência e a liberdade de expressão no desporto mundial. Mas não tem problemas em dizer, que “na política não vi coisas tão graves como vi no futebol ou no Desporto” .A nível político, também há muito o que dizer em termos de integridade. O escrutínio da Entidade para a Transparência tem funcionado? Tal como no Desporto, também acho que há muito para fazer em termos de redesenho dos nossos mecanismos de controlo da integridade e prevenção de corrupção e conflitos de interesse na política. Tanto que às vezes é difícil saber por onde se começa. Como o Presidente da República disse, é preciso garantir uma maior independência dos organismos públicos que têm funções nessa matéria. Defendo que a Entidade para a Transparência devia ter poder para confirmar e validar o registro de interesses junto das entidades fiscais, bancárias e comunicar um conjunto de impedimentos, com base naquele registo de interesses, a quem for exercer funções públicas, membros do Governo e parlamentares. E devíamos ter uma política de impedimentos muito mais clara ao nível dos deputados. Essa entidade podia ter essa função, dizer “com base no vosso registro de interesses e dos vossos familiares diretos, estão impedidos de tomar decisão nesta e naquela matéria.” Ou até chegar ao ponto de impor que alienassem certos bens do seu património ou que os colocassem debaixo de um blind trust, sob gestão independente. Dessa forma, evitava-se, no mínimo, alguma promiscuidade de ter, por exemplo, deputados que estão a discutir uma lei que serve os seus interesses, de clientes deles, etc..Choca ver a quantidade de deputados e governantes que têm atividade ligada a imobiliárias e discutem soluções para a habitação... Alertar sobre conflitos de interesses não é um juízo moral sobre a pessoa. Não é partir do pressuposto que as pessoas são desonestas, é um juízo sobre a confiança que os cidadãos têm de ter nas decisões. Para que os cidadãos tenham confiança nas decisões públicas que são tomadas, eles têm de confiar que aquelas pessoas não se encontram numa situação de conflito de interesses, que não há um outro interesse material ou de outra natureza que possa, de alguma forma, influenciar a decisão ou a tomada de posição daqueles decisores. E é por isso que uma entidade independente deveria poder impor os tais impedimentos, dizer ‘se tem uma agência imobiliária, esta agência imobiliária está ativa, então não pode intervir na discussão desta lei da habitação’.Utopicamente... alguém tem sempre interesse em alguma coisa. Não vamos ter nenhum sistema de prevenção de corrupção, de conflito de interesses, de garantia de integridade e ética, que seja à prova de bala. Mas podemos ter ou poder ambicionar ter o menos imperfeito dos sistemas. E seguramente que isso é muito melhor do que o que temos hoje. E acaba por ser também um filtro, porque se há pessoas que se se querem servir da política com esse fim, acabam por já não entrar. Se as pessoas sabem que vão para um exercício de uma atividade em que vão estar sujeitos a um escrutínio reforçado, aqueles que querem ir fazer coisas que exigem opacidade, ou querem alimentar e beneficiar de conflitos de interesses, deixam de o fazer. Portanto, isto é, logo à partida, um filtro que irá permitir que melhores pessoas entrem nessas atividades e que piores pessoas sejam afastadas ou dissuadidas de se envolver..O caso que deu origem a eleições antecipadas, por exemplo. O que o primeiro-ministro podia ter feito para evitar este cenário?Devo dizer que na política não vi coisas tão graves como vi no futebol e no Desporto. São duas atividades que, pela natureza e visibilidade pública, exigem a confiança dos cidadãos na integridade de quem exerce aquelas funções. É por isso que se exigem níveis de transparência superiores ao que nós temos em muitas das nossas atividades privadas. E devem mesmo ser superiores, mesmo para pessoas que não têm aquele tipo de funções ou exposição, mas têm a mesma relevância pública. Em Portugal, nesta matéria, tanto se peca por excesso ou defeito e isso resulta muito de uma ausência de critério, que passa por distinguir níveis diferentes de responsabilidade. Pode existir responsabilidade criminal, ética e/ou política. Temos esses diferentes níveis e é muito importante diferenciar. Alguém ter decidido algo numa situação de conflito de interesses representa uma violação ética. Não existir prova disso, mas alguém recusar prestar informação que poderia trazer luz sobre isso é responsabilidade política.As explicações que a Luís Montenegro deu, relativamente à Spinumviva, foram tardias, como alegou a posição à AD?Disse na altura que achava que o primeiro-ministro podia ter dado mais informações, mais rapidamente, e esclarecido melhor a matéria. Isto não é uma questão exclusiva do PSD...Também Pedro Nuno Santos, líder do PS, está sob investigação preventiva do Ministério Público...É por isso que é muito importante distinguir os níveis de responsabilidade. Não há nada, neste momento, nem num caso nem no outro que nos permita dizer que há um comportamento ilegal. Aliás, é por isso que há uma mera averiguação com base em denúncias anónimas. Não sendo estritamente aquilo que resulta da lei, compreendo e acho positiva esta interpretação que o Ministério Público faz - que é uma interpretação muito criativa, devo dizer. Mas há limites que a interpretação não permite ultrapassar. Em Portugal, a mera abertura do inquérito cria uma situação quase de insustentabilidade de exercício de funções públicas e, portanto, o MP passou a ser mais cauteloso do que era antes e do que provavelmente a lei portuguesa determina para a abertura do inquérito. A abertura do inquérito exige apenas notícia de um crime, não exige que o MP esteja convencido, ou sequer tenha alguma suspeita forte, que aquela pessoa cometeu crimes.Mas há responsabilidade política?Há sobretudo responsabilidade do ponto de vista político. Um político tem ou não a responsabilidade de manifestar um certo estilo de vida superior à remuneração normal que um político tem. No meu entendimento, sim. Eu não estou em funções políticas, mas estou a construir uma belíssima casa... se voltasse devia estar preparado e com normalidade a explicar como obtive o dinheiro para a pagar. Acho perfeitamente normal que isso seja solicitado e que um político responda. Isso é diferente de voyeurismo sobre o estilo de vida que cada pessoa adota.Se um deles for eleito, fica legitimado?Têm uma legitimidade democrática, o que não implica que não continue a existir um escrutínio permanente. A democracia não se esgota no ato eleitoral, confere uma legitimidade democrática a quem é eleito e um capital político, consoante se ganha com mais ou menos votos. Continua a existir um escrutínio permanente por parte da opinião pública, muitas vezes exercido pelos media. É importante que os jornalistas também façam bem esse escrutínio, que diferenciem entre os diferentes níveis de responsabilidade e entre aquilo que é uma pergunta legítima e um mero voyeurismo. Mas esse escrutínio tem de continuar a existir.Em que condições pode haver um Governo? Com ou sem alianças?No caso do PSD, sou das pessoas que há muito, até bem antes do atual líder o defender, é contrária a qualquer acordo de Governo com o Chega. As posições do Chega em matéria de tarifas, por exemplo, defendendo, curiosamente, ideias mais próximas de partidos de extrema esquerda do que dos partidos do centro e da direita moderada, só mostram que seria difícil ter uma governação que resolvesse os problemas do País e que envolvesse o Chega. O resto depende do quadro parlamentar que resultar.Para quando um regresso à política?Não excluo, mas acho pouco provável que venha a ocorrer.isaura.almeida@dn.pt.Miguel Poiares Maduro: “Falta de controlo torna o Desporto apetecível para entidades e agentes criminosos”