Os segredos do tomba-gigantes Elvas. Um treinador viajado, um plantel de várias nacionalidades e um presidente da SAD suíço
Parecia que o sonho do Elvas ia chegar ao fim: o V. Guimarães marcou logo aos dois minutos no jogo, e tudo indicava que a lei do mais forte iria imperar. Mas os alentejanos deram a volta, ganharam por 2-1 e seguiram no dmingo para os quartos de final da Taça de Portugal - o líder da Série C do Campeonato de Portugal já tinha deixado pelo caminho, nas duas rondas anteriores, o Varzim e o Torreense, emblemas da II Liga.
Segue assim com sucesso o projeto liderado pelo suíço Vincenzo Caci, presidente da SAD do Elvas desde 2023 e que trouxe a capacidade de investimento que faltava. Atualmente, existem jogadores de várias nacionalidades num plantel com qualidade acima da média para o Campeonato de Portugal, destacando-se nomes como os ganeses Harruna Iddriss e Desmond Nketia (este último é o melhor marcador da equipa, com 8 golos em jogos oficiais) e o colombiano César Medina. Isto numa formação que não marca muitos golos (19 em 14 partidas do Campeonato de Portugal) mas que faz da capacidade defensiva a sua imagem de marca, com apenas seis golos sofridos na competição.
"Foi uma grande vitória, pelo clube e pela cidade, que teve um grande significado por ter sido obtida no regresso ao mítico Patalino, o estádio onde o Elvas viveu os seus tempos mais gloriosos, quando esteve na I Divisão", começa por referir ao DN Pedro Hipólito, o treinador da formação alentejana.
O técnico de 46 anos, que vai na sua segunda época ao serviço do Elvas, explica como foi possível passar a perna ao sexto classificado do principal escalão. "Não fizemos nada de diferente do habitual. Na análise ao Vitória de Guimarães, percebemos que era uma equipa fortíssima do ponto de vista ofensivo, com muitas soluções no seu jogo de ataque. No entanto, conseguimos ser uma equipa organizada e, com muita humildade, conseguimos derrotar uma grande equipa que, recordo, só tem o Chelsea à frente na Liga Conferência", sublinha.
Pedro Hipólito, que já treinou em clubes na Malásia, Dinamarca e Islândia, destaca "o fantástico apoio dos adeptos, reforçado pelo facto de o jogo ter sido no Campo do Patalino, com novo relvado e bancadas renovadas, o que transmitiu uma energia diferente para dentro do campo, possibilitando uma vitória histórica, pois o clube nunca tinha atingido os quartos de final da Taça de Portugal".
Recorde-se que foi neste estádio que o clube viveu os tempos gloriosos em que participou no principal escalão. Nos últimos tempos, esteve fechado para substituição do relvado sintético por natural e remodelação das bancadas, tendo sido aberto de novo ao público, com capacidade para 5 mil espectadores, precisamente na receção ao Vitória de Guimarães
O sonho de encontrar o Benfica
Depois de ter derrotado três clubes de escalões superiores na prova rainha do futebol português, o Elvas irá receber o Tirsense nos quartos de final, aparentemente um adversário bem mais acessível, uma vez que é o décimo classificado na Série A do Campeonato de Portugal.
No entanto, Pedro Hipólito garante que "para já, o foco está em ganhar no próximo domingo ao Marialvas, uma equipa que se reforçou muito bem nas últimas semanas e depois haverá tempo para pensar no Tirsense, equipa muito bem orientada e que merecerá todo o respeito". Até porque, destaca, "o grande objetivo é o Campeonato, assegurando o mais rapidamente possível um lugar na fase de subida à Liga 3 e continuar a fazer crescer o projeto do Elvas".
Caso sejam bem sucedidos na próxima eliminatória, os alentejanos poderão defrontar o Benfica nas meias-finais, naquele que seria um reecontro para Pedro Hipólito. "O Benfica é o meu clube e seria muito especial jogar contra eles. Fui formado no Benfica e cheguei a fazer alguns jogos particulares na equipa principal. Depois fui emprestado ao Torreense na primeira época de sénior e tive uma lesão muito grave, que prejudicou a minha evolução. Foi pena, mas foi o que foi...", recorda.
Apesar do sucesso que tem tido esta temporada, Pedro Hipólito garante que não faz grandes planos em termos de carreira. "É pensar jogo a jogo, pois no futebol já se sabe que não vale a pena pensar muito à frente. A verdade é que estou muito feliz no Elvas. Eu e a minha equipa técnica chegámos aqui há um ano e três meses e tivemos a sorte de encontrar jogadores com qualidades desportivas e humanas que são raras de encontrar. Na temporada passada conseguimos uma manutenção histórica, algo que o clube não conseguia há mais de 20 anos nos Nacionais e tenho a sorte de ter um plantel com uma inteligência emocional fantástica, que não entra em euforia nas vitórias, mas também não entra em negativismo quando as coisas não correm bem", elogia.
"É um projeto com bases sólidas e temos de continuar com muita calma e humildade, sempre com o apoio dos adeptos, que são a força do clube. Quando aqui chegámos há um ano e três meses, não tínhamos ninguém no estádio, agora temos milhares a ver os nossos jogos e muitos acompanham-nos fora de casa", destaca.
O Elvas nasceu de uma fusão entre rivais
Fundado em 1947, o Elvas nasceu de uma fusão improvável entre uma filial benfiquista e outra sportinguista, o Sport Lisboa e Elvas e o Sporting Clube Elvense, tendo feito a estreia na I Divisão três meses após a data da fundação, ocupando o lugar do Sport Lisboa e Elvas. Depois, viria a ter mais quatro presenças no principal escalão, a última em 1987/88.
No século XXI desceu até aos campeonatos distritais da AF Portalegre e em 2018 extinguiu o futebol sénior, que seria reativado em 2020. Subiu ao Campeonato de Portugal em 2022/23, tendo conseguido a manutenção e esta época faz sonhar os adeptos com a promoção à Liga 3 naquilo que, esperam, seja o primeiro passo rumo ao regresso à I Liga, a médio prazo.
Recorde-se ainda que o Campomaiorense foi o último clube alentejano a participar no escalão principal, na temporada de 2000/01. Será que o regresso de uma equipa alentejana não está muito longe?