O ídolo de uma geração que foi um campeão no futebol e na vida
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O ídolo de uma geração que foi um campeão no futebol e na vida

"O Manel” de Sarilhos Pequenos, que virou herói dos 7-1 ao Benfica e lançou José Mourinho como treinador, morreu aos 73 anos. Adeptos vão poder despedir-se este sábado do “eterno capitão” em Alvalade, a sua casa desde 1975.
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Morreu o goleador de Sarilhos Pequenos que se tornou grande no Sporting. O “eterno capitão”, como era chamado por aqueles que o viam como lenda leonina, partiu aos 73 anos (1951-2024). Derrotado pela doença, ainda teve a alegria de ver o seu Sporting conquistar o título e receber a visita do troféu de campeão nacional 2023-2024. Este sábado, os adeptos vão poder despedir-se do jogador (das 10h30 às 23h30 no hall VIP do Estádio José Alvalade).

"Partiu um dos melhores da história do Sporting, um dos melhores da história do futebol português. Mais do que uma lenda, morreu o herói de várias gerações. O coração sportinguista está em sofrimento”, lamentou Frederico Varandas, presidente do seu Sporting, onde os heróis como "o Manel” são lembrados e as lendas ficam para sempre.

A morte da “figura incontornável na história” leonina e “ídolo de gerações” deixa “um vazio enorme” no universo sportinguista, segundo Rúben Amorim, grato por ter tido o “privilégio” de conviver com “um campeão no futebol e na vida”, cujo legado tentará honrar.

Numa das muitas homenagens e tributos, o Sporting honrou “o ídolo de uma geração” agradecendo os anos de esforço e dedicação ao clube onde chegou meses depois da Revolução de Abril, oriundo da CUF (hoje Fabril). Só duvidou da “missão quase impossível” de substituir Yazalde quem não conhecia o “rapaz atrevido” de Sarilhos Pequenos. O “Manel” tornou-se rapidamente sinónimo de “grandes sarilhos” para os adversários, principalmente para os defesas e guarda-redes. 

Goleador nato e avançado dotado de uma técnica apurada e drible curto, marcou 257 golos em 433 jogos de leão ao peito, que fizeram dele o segundo melhor marcador de sempre dos leões, só superado por Fernando Peyroteo: “Fiz aquilo de que mais gostava, que era chegar um dia ao Sporting. Nem que fosse um jogo, eu ficaria feliz.” 

Em Alvalade conquistou dois campeonatos nacionais (1979-1980 e 1981-1982), duas Taças de Portugal (1977-1978 e 1981-1982) e uma Supertaça (1982-1983). Foi ainda o melhor marcador do campeonato português na temporada de 1985-1986, com 30 golos. 

Em 1987, Burkinshaw, um treinador de má memória, mostrou-lhe a porta de saída de Alvalade. Escolheu ir para o também seu Vitória de Setúbal e vingou-se logo no primeiro jogo como sadino... marcando um golo que derrotou os leões (1-0). Foi o primeiro de 16 em 28 partidas na época do adeus aos relvados. “Um dos nossos partiu. Foi uma honra. Até sempre, Manel. Que o céu o celebre com paz e muitos golos”, reagiu o emblema sadino que Manuel Fernandes também treinou.

Um sentimento também partilhado pelo Sarilhense, onde começou a carreira e continuará a viver na “memória e saudade”.

"Grandes adversários enriquecem a história"

Dos adversários recebeu respeito na hora do adeus. Um respeito que conquistou nos relvados a ferir esses mesmos oponentes com derrotas à custa dos seus golos. É ainda hoje o jogador com mais jogos na I Divisão (486). “Grandes adversários enriquecem a história”, como lembrou o FC Porto do seu amigo António Oliveira, com quem partilhou o balneário leonino e o da seleção. “Despedimo-nos de um magnífico jogador e de um ser humano notável”, cuja “personalidade cativante” deixará um legado duradouro, alguém que se destacava pela “generosidade e prontidão em partilhar o seu vasto conhecimento sobre futebol”.

Humberto Coelho foi futebolista do Benfica e sublinhou os “momentos inesquecíveis, dentro e fora do campo”, com o antigo avançado do Sporting. O atual vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol recordou “um grande jogador, grande adversário”.

Pela seleção nacional realizou um total de 31 jogos, tendo apontado nove golos. Nunca escondeu a mágoa por não ter sido convocado para as fases finais do Euro84 e do Mundial86. Em vez de optar pelo “queixume”, pegou nas malas e rumou ao México como adepto. 

A primeira chamada tinha acontecido em 1974, pela mão de José Maria Pedroto, ainda como jogador da CUF , que ontem salientou a “contribuição” do antiga glória para a história do clube com um golo marcado ao FC Porto: “Em 1972-1973, o GD Fabril, na altura CUF, tornou-se no primeiro clube nacional a participar na Taça UEFA, e esse feito deve-se a um golo do Manuel, o qual permitiu que a CUF alcançasse um magnífico quarto lugar no campeonato nacional, com o consequente apuramento para esta competição europeia.”

"O Manel” vai ser sempre o herói dos 7-1 ao Benfica, jogo em que fez um poker em1986-1987. Um dérbi memorável, que nas suas palavras nem foi o seu melhor jogo diante do grande rival, mas ainda hoje o resultado mais desnivelado entre os dois clubes em jogos oficiais. 

Ajudou Mourinho: “Consigo ouvi-lo dizer ‘bora Zé’”

Numa vida dedicada ao futebol teve mais esse toque de midas ao lançar José Mourinho como treinador. “Um grande homem, um superjogador, um verdadeiro amigo, o homem que acreditou no miúdo e me levou para o futebol profissional. Deixou-nos e vai ser um dia difícil para mim no trabalho, mas consigo ouvi-lo dizer ‘bora Zé’. O meu mister, Manuel Fernandes, para sempre”, escreveu o atual treinador do Fenerbahçe, que trabalhou com ele na formação do Vit. Setúbal mas também quando esteve ligado à prospeção na Ovarense - foi ainda adjunto dele em equipas técnicas do Estrela da Amadora e Sporting.

A generosidade era tão grande quanto a “bazófia”, que era reconhecida pelos amigos e pelo próprio, mas nada exagerada para o quão grande ele foi. Para Fernando Mendes a antiga glória leonina foi “mais do que um pai”, e Bruno Fernandes disse: “Obrigado por tudo aquilo que fez por mim e por todos os conselhos. Você e o seu legado nunca serão esquecidos.”

A seleção, que está na Alemanha a disputar o Euro2024, homenageou-o com um minuto de silêncio antes do treino. E Cristiano Ronaldo, Nuno Mendes, Rafael Leão e Gonçalo Inácio, internacionais portugueses formados no Sporting, lamentaram nas redes sociais a morte do “eterno capitão”. Assim como o Presidente da República, que recordou os golos e desempenho que marcaram uma geração “e prestigiaram o futebol nacional”. O primeiro-ministro, Luís Montenegro, elogiou o “atleta de excelência” e “amante do desporto” que o “impressionou sempre pelo seu fair-play e dimensão humana”.

O lado humano também foi o que o filho Tiago destacou: “Perdi o melhor amigo.” 

Do hat-trick na estreia ao poker nos 7-1 ao Benfica

Hattrick na estreia. A estreia pelo clube do coração aconteceu a 27 de agosto de 1975, num encontro particular com o Académico de Coimbra, que o Sporting venceu por 5-3, com um hat trick de Manuel Fernandes. Foi nesse dia que cumpriu a premonição da mãe, que morreu quando ele tinha 10 anos e lhe disse que ele iria ser jogador do Sporting, o clube de toda a família. Foi por isso que recusou jogar no FC Porto e no Benfica.

Aqueles 7-1 ao Benfica. Histórico goleador do Sporting, ficará sempre na memória pelos quatro golos da vitória... por 7-1 sobre o Benfica, na 14.ª jornada da época de 1986-87, jogado a 14 de dezembro de 1986. “Não foi o meu melhor dérbi, o melhor foi quando fomos campeões, em 1979-80. Ganhámos 3-1 com dois golos do Jordão e um meu. Nesse é que eu estava mesmo endiabrado, mas o 7-1 é um marco eterno e daqui a 50 anos, quando eu estiver lá em baixo, ainda se vai falar deste jogo e do Manuel Fernandes”, disse numa das muitas entrevistas. Nunca falhou nenhum dérbi para o campeonato, participando em 24, além de outros que jogou para a Supertaça, a Taça de Portugal e a Taça de Honra. 

A braçadeira. Quando chegou a Alvalade, em 1975, era ala direito, mas foi logo adaptado a avançado por Juca e a partir da época 1978-79, o técnico jugoslavo Milorad Pavic entregou-lhe a braçadeira, projetando-o para o legado de Eterno Capitão. 

Maior desgosto. Retirou-se dos relvados no Vit. Setúbal, em 1988 com mágoa de não se despedir no Sporting e de ter ficado fora da convocatória da seleção para o Mundial86 sem uma justificação... ele que tinha acabado de ser o melhor marcador do campeonato, com 30 golos e a correspondente Bola de Prata. Fez 31 jogos e marcou 9 golos pela seleção. 

"O Manel" Treinador. Iniciou o percurso de treinador em Setúbal no final da época de 1987-88. Orientou depois o Estrela da Amadora, Ovarense, Campomaiorense, Tirsense, Santa Clara, Sporting, Penafiel, ASA (Angola) e União de Leiria, encerrando a carreira de treinador em 2011... no Vitória de Setúbal. Subiu o Santa Clara à 1.ª divisão em 1998-99, feito que já tinha conseguido no Campomaiorense (1994-95) e que repetiu no Penafiel (2003-2004) e na União de Leiria (2008-2009).

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