O fisiologista português que treina pilotos de F1, campeões olímpicos e astronautas
Emiliano Ventura prepara-se para entrar em quarentena com os astronautas da Axiom Mission 3, que vai para o espaço no dia 17 de janeiro. O fisiologista português que gere o Motor & Sport Institute (MSI), um centro de alto rendimento equipado com tecnologia de ponta única no mundo, sediado em Madrid, é o responsável pela preparação física dos astronautas Michael López-Alegría, Walter Villadei, Alper Gezeravcı e Marcus Wandt.
Os heróis espaciais não são as únicas estrelas sob a batuta científica do antigo campeão nacional dos 400 metros barreiras. O vizinho Carlitos, que a F1 e o mundo conhecem como Carlos Sainz Jr., da Ferrari, é outra bem especial, como prova o monolugar que ele pilotou na Red Bull exposto no hall. Emiliano Ventura tem uma relação pessoal e profissional com o espanhol só equiparada à que tem com o português António Félix da Costa (Fórmula E). Conhece Sainz desde os 16 anos, quando o piloto integrou a Red Bull Júnior Team, onde Emiliano já trabalhava como treinador. Viu-o crescer como homem e piloto... e mais não diz, porque um dos requisitos do centro é a confidencialidade.
Está contratualizada, tal como a exclusividade. “Se temos um piloto de Fórmula 1, não aceitamos outro piloto de Fórmula 1 que vá tentar ganhar o campeonato. Oferecemos serviços de alta performance personalizada e customizada para aquilo que são as necessidades do atleta. Temos uma equipa residente, mas os atletas podem trazer as próprias equipas para acompanhar. Depois fazemos todo um acompanhamento à distância através dos biodevices, dos wearables”, explicou ao DN Emiliano Ventura, nascido em Luanda há 43 anos e que atualmente também colabora no desenvolvimento da Nova Estação Espacial Internacional.
Antes de se fixar no MSI em Madrid, e de criar de raiz centros de alto rendimento em Marrocos e no Japão, o fisiologista trabalhou na Hintsa Performance, em Genebra, responsável pela preparação física de mais de 100 medalhados olímpicos e de grande parte dos atuais pilotos da F1. Chegou a treinar o velocista e medalhado Olímpico Francis Obikwelu, a quem iniciou nas lides do treino, além de ter trabalhado na Fórmula 1 com Daniil Kvyat e Daniel Ricciardo.
Foi ainda Performance Coach da Honda na WTCC, onde lidou com os portugueses Tiago Monteiro ou António Félix da Costa, a quem ajudou a ser campeão da Fórmula E em 2020. Um cargo que mantém no Intercontinental GT Challenge e na Hyundai WTCR, onde ganhou o Campeonato do Mundo de Turismos com Norbi Michelisz. Repetiu o feito com Mikel Azcona, Gabriele Tarquini, Antonio Félix da Costa e, por equipas, com Mercedes, Honda e Red Bull.
A máquina de Schumacher
No ginásio do MSI, além de haver uma piscina que desaparece e se torna chão de uma sala de treino quando é preciso mais espaço, não há uma única máquina banal. Muitas são específicas e outras protótipos desenvolvidos pelos alunos da universidade que integra o MSI e, por isso, exclusivas. Há uma que foi criada por Michael Schumacher e outra que foi sugerida e modificada segundo as sugestões de Cristiano Ronaldo, com quem “trocou ideias sobre alta performance” durante uns meses. E há aquela “sem nome” que parece um túnel igual à da Estação Espacial Internacional, que trabalha a regeneração dos tecidos através dum vácuo muito forte. Um método eficaz na recuperação dos pilotos que passam horas com os membros inferiores imóveis.
Caso de Nicolás Pino. O piloto chileno de 18 anos fez história, em junho passado, nas 24 Horas de Le Mans ao terminar em 3.º lugar - juntamente com Neel Jani e René Binder da Duqueine Team - e tornar-se no mais jovem piloto a chegar ao pódio. Treina com Emiliano para tentar repetir o feito em Daytona. “Em Le Mans, manter a concentração foi fundamental para chegar ao pódio. Este ano a corrida foi caótica, houve muitos acidentes, foi preciso estar sempre focado, falar constantemente com os engenheiros... e tudo isso foi trabalhado fora da pista: o trabalho físico, o cardio, a capacidade de reação, a agilidade dentro e fora do carro”, contou o piloto ao DN, depois de completar a primeira de muitas sessões num simulador em tamanho real que mais parece um brinquedo de sonho para os amantes dos videojogos. Nico esteve a ser monitorizado enquanto conduzia. Do lado de fora ou no iPad, o português analisa in loco o comportamento neural do piloto (ver imagem).
Sendo direcionados para o desporto motorizados, os simuladores de condução de karts, carros de turismo ou monolugares recriam perfeitamente o comportamento do veículo em cada circuito com simuladores eSports. Dão-lhes noção do espaço (ou falta dele) e cada piloto usa o próprio assento para o resultado ser o mais fiável.
Esse é o tipo de coisa que se torna essencial em competição, porque quando corre mal... a culpa parece ser sempre do carro. Mas, para Emiliano, o carro é só 50% da história. “Há atletas que passam anos sem cometer um erro, como o Max Verstappen, que entrou na F1 comigo através da Red Bull Júnior Team. Pode ter um carro extraordinário, mas não me lembro de um erro que tenha feito”, conta ao DN o português, antes de receber uma chamada da receção a avisar que o “cliente” que esperava tinha chegado.
É Loic Bruni, o pentacampeão mundial de downhill que sofreu uma queda e procura uma solução para competir em duas semanas. A equipa médica da Red Bull não encontrou motivo para as dores que o impediam de fazer saltos de bicicleta a cinco metros e como os patrocinadores são velhos conhecidos do centro, Emiliano aceitou recebê-lo. O DN assistiu a parte do processo de avaliação, feita na Formetic Diers 4D, um protótipo de avaliação formética e biomecânica em 4D, que em menos de um minuto projeta a coluna de Loic num ecrã e permite à equipa multidisciplinar do MSI agir no imediato. “Eles tentam desvalorizar a dor. Já nem ligo muito ao que eles dizem, eu ligo ao que eu vejo, porque eles querem competir rapidamente e tendem a desvalorizar a dor”, confessou Emiliano, lembrando que muitas vezes é na parte mental que a sua equipa pode agir: “Observamos o cérebro para identificar parâmetros mentais que possam ser trabalhados para atingir altos níveis de performance.”
Anel inteligente monitoriza tudo
Aluno nota 20, sonhou ser médico, mas a vida de atleta levou-o às Ciências de Desporto e Educação Física, Mestre em Recuperação Funcional, área que utiliza instrumentos da medicina para optimizar o corpo humano. O biohacking cruza a biologia com a tecnologia e permite uma intervenção direcionada. Por exemplo, os treinadores do MSI têm um ecógrafo de bolso que ligam ao iPhone durante o treino para observar o comportamento dos músculos de um atleta e ajustar a carga.
Além disso, todos os atletas usam wearables de monitorização das ondas cerebrais como o Whoop (pulseira) e o Oura ring, um anel inteligente que parece um simples adereço de moda, mas é essencial para registar toda a atividade do atleta, 24 sobre 24 horas. Abrindo o ficheiro onde estão cadastrados os últimos seis meses de sono de um atleta, o fisiologista mostra que numa semana ele dormiu muito em quatro noites, mas em duas dormiu mais ou menos e uma vez dormiu mal, as noites em que adormeceu logo, aquelas em que acordou a meio ou ainda as que tiveram “atividade noturna” (relações sexuais ou outra). Alguns dos dados biométricos recolhidos são criptografados dada a sensibilidade da informação, mas também já salvaram vidas - a aplicação emite alertas em caso de falta de batimento cardíaco, quedas e movimentos bruscos (para memória futura: um desses perfis vai ter registado um batimento anormal, pois um dos pilotos emprestou-me o anel).
Os sensores são muitos e variados, como o de temperatura - determinante durante a pandemia para antecipar quem ia ficar infetado com covid-19 pelas oscilações precoces do calor corporal -, ou de glicose - aparelho idêntico ao usado pelos diabéticos para controlar picos de açúcar -, para além dos utilizados a dormir ou a fazer exercício. E ainda um sensor de medo. Afinal, estes pilotos andam sempre a mais de 230 Km/hora. Segundo Emiliano, os sensores caminham para deixar de ser externos e passarem a ser implantes de microchips: “Já colocámos alguns em atletas.”
Essa relação umbilical entre técnico e atleta pode levar facilmente a alguma saturação, mas é preciosa e pode valer ouro. Caso do campeão olímpico do lançamento do martelo, o polaco Wojciech Nowicki. Ou a capitã da seleção nacional, e jogadora do Sp. Braga, Dolores Silva. Ou ainda Madeleine Bayon, a luso-francesa que fez história nos saltos Red Bull e cuja história foi revelada pelo DN no verão. Mas também pilotos de Moto 2 e Moto 3, para lá dos astronautas.
Teo Martín, o mentor do MSI
A visita guiada ao MSI trespassa os três polos distribuídos por quatro andares e12 mil metros quadrados. Com leitura biométrica, as portas vão-se abrindo. O centro de bioperformance gerido por Emiliano é apenas um dos polos. A Escola Superior Politécnica da Universidade Francisco de Vitória, onde centenas de alunos cursam engenharias de Sistemas Industriais, design espacial ou fabrico de componentes, tem ganho importância na área motor. A empregabilidade é de 100%. Um aluno de hoje pode ser um engenheiro da Ferrari de amanhã. O túnel de vento de escala 1:4 em que trabalham com grandes modelos para extrair o máximo desempenho na pista é apenas um dos muitos recursos.
Tudo isto abençoado por um Museu sem igual. Uma coleção pública do mentor do projeto, o antigo piloto de ralis Teo Martín, onde há modelos WRC, como o Focus de Carlos Sainz (pai), o F1 de Carlos Sainz (filho), um Audi S1 quattro e um Audi R10 TDI vencedor de Le Mans. E algumas motos, não fosse Teo Martín dono da MT Helmets - MSi-Moto2.
isaura.almeida@dn.pt