O dia em que dois portugueses jogaram um contra o outro no Open da Austrália

Nuno Marques e João Cunha e Silva combinaram ajudar-se na preparação do Grand Slam australiano, alugaram um apartamento e treinaram juntos, mas foram traídos pelo sorteio. O lisboeta conta ao DN como tudo aconteceu em 1991.
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Foi a única vez que dois tenistas portugueses se defrontaram num Grand Slam. Aconteceu no dia 14 de janeiro de 1991 no Open da Austrália, cuja 109.ª edição começa amanhã. Nuno Marques e João Cunha e Silva dividiam o apartamento até o sorteio os tramar e os colocar um contra o outro...mas só durante umas duas horas. Num jogo a cinco sets, ganhou o portuense (4-6, 6-4, 1-6, 6-3 e 6-4).

Cresceram juntos no court, apesar de João ser três anos mais velho. Os dois melhores tenistas de Portugal até à entrada em cena de João Sousa protagonizaram uma fascinante rivalidade durante mais de uma década. Dizia-se que não se suportavam um ao outro, um rumor que eles deitaram por terra na Austrália.

Ambos tiveram entrada direta no quadro principal (com 128 jogadores), mas escolheram torneios diferentes para preparar a tão desejada presença no primeiro Grand Slam desse ano. Cunha e Silva (n.º 116 do ranking mundial na altura) foi jogar o ATP de Wellington na Nova Zelândia e Nuno Marques (n.º 106 mundial) preferiu arriscar o qualifyng do Open de Sydney, não se apurando para o quadro principal. "Combinámos que quando perdêssemos falávamos para nos encontrarmos em Melbourne. Tínhamos ido sozinhos, não tínhamos os treinadores connosco e decidimos alugar um apartamento juntos", contou Cunha e Silva ao DN. Conviviam desde o pequeno-almoço ao jantar e delinearam em conjunto um plano de treinos que ajudasse ambos a preparar o jogo de estreia no evento australiano.

De manhã treinavam coisas específicas de cada um, aquilo que cada um queria melhorar, e à tarde jogavam com outros parceiros de treino. Correu tudo às mil maravilhas, adaptaram-se ao calor e às condições climáticas de Melbourne. Só não se prepararam para o que viria a seguir... a três dias da estreia de ambos no torneio australiano. "Depois do treino fomos almoçar e o Nuno lembrou-se de ir ver se já tinha saído o sorteio. Eu fiquei no restaurante a guardar as nossas coisas. Passados uns minutos ele voltou assim com um ar estranho, meio abatido. Perguntei-lhe o que tinha acontecido e ele respondeu "nem sabes o que aconteceu". Fiquei preocupado e voltei a perguntar o que tinha acontecido e ele respondeu: "Está tudo bem mas jogamos um contra o outro." Eu respondi: "Estás a gozar?" Ele disse que não, que era verdade, que íamos jogar um contra o outro."

Seguiram-se uns minutos de silêncio. Questionaram-se sobre quais seriam as probabilidades de um confronto entre os dois portugueses acontecer num quadro principal com 128 jogadores. Mas assim foi. Como profissionais que eram pegaram nas coisas e foram juntos para o apartamento que dividiam. Os primeiros minutos ou horas foram de alguma "introspeção", com cada um no seu canto: "Passado o efeito surpresa, notava-se no ar uma carga psicológica adicional desde o momento do sorteio, mas também havia um companheirismo muito grande, tínhamos uma boa relação, sempre com uma rivalidade grande, mas saudável."

Desde os 13 ou 14 anos que viajavam muitas vezes juntos para torneios e com a idade ganharam "um respeito muito grande" um pelo outro. "Nesse ano na Austrália já estávamos nessa fase de maior maturidade e soubemos gerir a situação. Havia mais tensão à medida que o jogo se aproximava, mas continuámos a jantar juntos e a relação não se estragou por causa disso", confessou Cunha e Silva, que teve sete participações no open australiano.

Chegado o dia do jogo tomaram o pequeno-almoço juntos e seguiram para o Melbourne Park. "Foi um dos grandes jogos entre nós, estivemos ambos bem, mas ele esteve um pouco melhor e ganhou. Para ele foi mais saboroso", admitiu João. Ele tinha "suficiente lucidez" para saber que realizou "um grande encontro sob condições muito duras, com um calor abrasador, a pressão do jogo em si e do duelo". Esteve à frente por duas vezes. Ganhou o primeiro set (4-6), perdeu o segundo (6-4), ganhou o terceiro (1-6) e perdeu o quarto (6-3) e o quinto (6-4).

O tenista natural de Lisboa ficou contente com a exibição, mas triste com o resultado no primeiro Grand Slam com dois portugueses no quadro principal. No final houve um abraço entre ambos. João deu os parabéns a Nuno, que acabou a dar autógrafos - o DN publicou na altura uma fotografia dele a dar um autógrafo à filha do embaixador.

E mais uma vez voltaram juntos para o apartamento que dividam. Azia? "Não, apenas cansado, desgastado, triste", respondeu Cunha e Silva, admitindo que o compatriota esteve melhor "nos detalhes" do quinto e decisivo set. Ele, por exemplo, desconcentrou-se com um pássaro num ponto decisivo...

João perdeu, mas não voltou logo a Portugal. Na altura não se arranjavam viagens da Austrália de um dia para o outro e ficou - ainda assistiu ao encontro do amigo e rival na segunda ronda, que até era com um adversário que ele gostaria de defrontar, o brasileiro Jaime Oncis. E foi desde a bancada que sentiu que Nuno Marques estava a acusar o desgaste do jogo com ele. Apesar de Oncis ser "um belíssimo jogador", ambos sentiam que era "ultrapassável".

Era seguramente "mais difícil" se lhe calhasse Boris Becker, Ivan Lendl ou Stefan Edberg (número 1 mundial e vencedor do torneio nesse ano). Eram os melhores, mas não os mais desejados: "Eu preferia adversários mais acessíveis para passar mais uma ronda porque ganhava mais dinheiro e pontos para o ranking."

João e Nuno tinham calendários diferentes e por isso depois da Austrália cada um seguiu o seu caminho. Para trás ficou esse registo de um jogo entre dois portugueses num Grand Slam. Um marco histórico que Frederico Silva e Pedro Sousa não vão repetir. O quadro principal deste ano já foi sorteado e os dois portugueses vão ter adversários de peso e bem conhecidos. Pedro Sousa terá pela frente o suíço Stan Wawrinka (atual 18.º do ranking mundial), enquanto Frederico Silva vai defrontar o australiano Nick Kyrgios (47.º).

João Sousa esteve infetado com covid-19 e não conseguiu cumprir os prazos da organização, que obrigou os tenistas a cumprir uma quarentena de 14 dias após a chegada ao país. E assim fica adiada a história. Pela primeira vez três portugueses tinham garantida a presença num quadro de um Grand Slam.

O sorteio do primeiro major da temporada não foi simpático para Novak Djokovic, que defende o título de número 1 mundial e também o título conquistado no ano passado em Melbourne. Começará diante de Jérémy Chardy (66.º), podendo depois defrontar Stan Wawrinka ou Pedro Sousa. Milos Raonic, Alexander Zverev e Dominic Thiem também estão no caminho do sérvio. Já Rafael Nadal só encontrará um top 20, talvez Tsitsipas, a partir dos quartos-de-final.

No quadro feminino, a australiana Ashleigh Barty, número 1 mundial, estreia-se diante de Danka Kovinic (175.º), Simone Halep defrontará a qualifyer Lizette Cabrera (140.º) e Serena Williams joga com Alison Riske (26.º). A americana chega a Melbourne com a possibilidade de conquistar o 24.º torneio, podendo assim igualar o recorde da australiana Margaret Court.

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