O despiste na serra de Sintra que ajudou a mudar o mundial de ralis

O acidente que fez três mortes e dezenas de feridos foi há 30 anos
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O despiste do Ford RS200 de Joaquim Santos no troço da Lagoa Azul do Rali de Portugal, que provocou três mortos e três dezenas de feridos, faz no sábado 30 anos, contribuindo para o fim dos 'supercarros' no Mundial.

"Não gosto de falar do meu acidente. Andei anos em que fazia tudo para não ver as imagens. Marcou-me muito", disse à agência Lusa o antigo piloto Joaquim Santos, de 63 anos.

O piloto português despistou-se a 05 de março de 1986, ao volante do Ford RS200, na serra de Sintra, durante a primeira classificativa do então designado Rali de Portugal - Vinho do Porto.

A morte de uma mulher, de 36 anos, e do seu filho, de nove anos, residentes em Queluz, foi confirmada horas após o acidente, a que se juntou depois a morte de um jovem de 18 anos, entre os 33 feridos transportados para os hospitais de Cascais e de São José e Santa Maria, em Lisboa.

O Ford de Joaquim Santos e Miguel Oliveira (navegador) despistou-se, pelas 09:30, a seguir à curva da água, junto à Lagoa Azul, onde se concentravam centenas de pessoas, muitas em pleno asfalto.

"Na curva antes do local do acidente havia muito público e tive de me desviar da trajetória, perdendo por completo o domínio do carro", descreveu Joaquim Santos, no dia do acidente, citado pela então agência Notícias de Portugal (NP).

O troço com cinco quilómetros em asfalto possuía curvas rápidas e lentas, e os pilotos queixavam-se da indisciplina dos espetadores, que por vezes só se desviavam quando os carros estavam muito perto.

"Tinha decidido andar entre 70 a 80% do rendimento do carro, pois sabia perfeitamente do perigo que são estas classificativas em Sintra", frisou então à NP o piloto da Diabolique Motorsport.

Na sequência do acidente, 22 pilotos de 11 equipas desistiram da 20.ª edição do Rali de Portugal, por "respeito pelas famílias dos mortos e dos feridos".

"Sentimos que é impossível para nós garantir a segurança dos espetadores", alegaram os pilotos, em comunicado lido pelo finlandês Henri Toivonen, no Hotel Estoril-Sol.

O acidente foi "causado por um piloto que tentou evitar espetadores que estavam na estrada" e "não se ficou a dever ao tipo de carro nem à sua velocidade", lia-se no documento.

Entre os subscritores estavam, entre outros, Markku Alen, Massimo Biasion (Lancia), Walter Rohrl (Audi), Timo Salonen, Juha Kankunnen (Peugeot), Tony Pond (MG Metro) e Stig Blomqvist, da Ford, marca que já tinha anunciado abandonar a prova.

O diretor do rali, César Torres, citado pela NP, qualificou a desistência dos pilotos de fábrica de "emocional" e prosseguiu com a prova por também se destinar aos pilotos amadores nacionais e estrangeiros.

Um abandono que abriu caminho à vitória do português Joaquim Moutinho (Renault 5 Turbo), seguido no pódio por Carlos Bica (Lancia 037) e Giovanni del Zoppo (Fiat Uno Turbo).

O acidente decretou o fim do troço de Sintra e os 'supercarros' do 'grupo B' -- com chassis tubulares e revestidos de plástico, com motor turbo -- seriam banidos na sequência da morte, em maio desse ano, de Henri Toivonen, que se despistou na Córsega.

"Dava muito gozo, porque tinha muita potência. O carro era muito leve, pesava menos de 1.000 kg e, na parte final, quando eles os proibiram, tinha 650 cavalos", recordou Joaquim Santos.

O piloto de Penafiel, tetracampeão nacional (1982, 1983, 1984 e 1992) e vencedor de 39 ralis, salientou que o Ford "fazia em asfalto, de zero a 100 km/hora, o tempo de 2,5 segundos".

"Era tão rápido que, por exemplo, no Rali da Madeira tive de pedir a um amigo para me fazer massagens à perna direita, porque não aguentava com dores da pressão que fazia para travar de uma curva para a outra", contou.

'Quim' Santos, como era conhecido no meio, também foi considerado o 'rei das Camélias', quando passou a vencer o tradicional rali da serra de Sintra, mas sublinhou a importância da evolução pessoal e da mecânica.

Em 1992, com a Toyota e metade dos cavalos, Joaquim Santos recorda que bateu todos os seus "recordes [alcançados] com o RS200". O Ford da Diabolique foi adquirido "há quatro ou cinco anos" por Manuel Ferrão, 63 anos, por ser "um dos carros do 'grupo B' que vieram para Portugal e que era quase um carro de fábrica".

"A questão do acidente não é muito positiva para o currículo do carro", admitiu o colecionador, ligado ao ramo imobiliário, acrescentando, no entanto, o seu contributo para os ralis, de que o restauro preservou a imagem.

A viatura integra a exposição "Arganil -- Capital do Rally", até 06 de março na Cerâmica Arganilense, dedicada aos tempos em que esta região e a serra de Sintra eram os principais palcos daquele que foi considerado, durante anos, o "melhor rali do mundo".

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