Luís Monteiro: "Fiz uns 400 ou 500 telefonemas para atletas e a reação era muito negativa, não havia orgulho de ser olímpico"
Diana Quintela

Luís Monteiro: "Fiz uns 400 ou 500 telefonemas para atletas e a reação era muito negativa, não havia orgulho de ser olímpico"

Foi atleta do pentatlo moderno e esteve nos Jogos Olímpicos Los Angeles1984. Deixou a presidência da Associação de Atletas Olímpicos de Portugal (AAOP) ao fim de quatro anos e assumiu o cargo de diretor-geral da Federação Portuguesa de Atletismo. Ao DN falou do legado e do estigma que persegue os desportistas e do legado que deixa.
Publicado a
Atualizado a

Que balanço faz da presidência da Associação de Atletas Olímpicos de Portugal (AAOP)?

Um balanço muito positivo. Quando cheguei a situação era péssima, havia uns 100 associados, não havia dinheiro, a subvenção estatal era de 4/5 mil euros e não dava para fazer nada. Percebi rapidamente que uma associação com atletas olímpicos era bem aceite pela sociedade e pelas empresas, portanto, a questão da sustentabilidade financeira nem era um problema, era sim uma grande oportunidade.

Como assim?

Quando cheguei fiz uns 400 ou 500 telefonemas para atletas e a reação era muito negativa, não havia o orgulho de ser olímpico... Sentiam que não existiam, muitos andavam desaparecidos, desgostosos e desavindos. Foi uma fase complicada, envolver a comunidade olímpica de novo. Para os envolver era preciso perceber quem são, onde estão, o que fazem e como podíamos ajudar quem precisava de ajuda. Sim, porque sabíamos que muitos precisavam de ajuda. A retribuição que se dá a um atleta de alta composição nos Estados Unidos é qualquer coisa de inimaginável, mas em Portugal ficam esquecidos. Alguns meses depois de assumir a presidência da AAOP começaram a aparecer casos problemáticos, pessoas com dificuldades, atletas olímpicos sem ter dinheiro para comer. Socorremos mais de 100 pessoas. O caso mais mediático e que do qual posso falar - os outros não falam por uma questão de confidencialidade e respeito - é o do Fernando Madeira, atleta olímpico da natação com mais de 90 anos que estava para ser despejado e que conseguimos que fosse para uma habitação paga até os últimos dias de vida. Avançar para a base de dados, que foi importantíssimo. Hoje temos mais associados, sabemos quem são, onde estão, o que é que fazem os 800 olímpicos portugueses. O Cascais Olímpico, em 2022, o Matosinhos Olímpico, em 2023 e o Espinho Olímpico, em 2024 foram eventos importantes para restaurar esse orgulho.

O que é isso do “orgulho olímpico”?

O orgulho olímpico é uma coisa abstrata, mas materializa-se a acarreta valores. Somos quase 8 mil milhões de pessoas no planeta e há 100 mil atletas olímpicos. Em Portugal somos 15 milhões com a diáspora e há 800 olímpicos. Portanto, é um grupo muito restrito e chegar a esse patamar é espetacular, é algo inacessível à maior parte das pessoas, mas os atletas têm um estigma e esse estigma ainda não foi resolvido.

Em quatro anos de mandato, qual foi a medida que mais gozo lhe deu a nível pessoal?

Houve duas iniciativas, medidas, que de facto me deram um gozo enorme. O desporto não é só competição, é também inclusão, responsabilidade social e deu-me um gozo enorme perceber que a Sociedade Civil nos acolhia de braços abertos e que está disponível para falar em temas tão importantes. Há quatro anos a Associação já falava desse flagelo que tem implicações na saúde e os governantes metiam a cabeça na areia. A outra foram os cursos de Gestão e empreendedorismo no ISEG. Queríamos dar capacidade interventiva aos atletas olímpicos mas, para isso, tínhamos que os formar porque mesmo os que têm mais literacia ainda têm um problema quando entram no mundo empresarial. Formaram-se mais de 50 olímpicos. Miguel Arrobas, Domingos Castro foram dois dos alunos... hoje são presidentes de federações. Participámos em várias ações de responsabilidade social, uma das quais tornou-se também uma marca: o primeiro seminário de saúde mental no desporto de alta competição. Numa altura em que só se falava na Simone Biles, após ela desistir em Tóquio2020, nós conseguimos a sustentabilidade do tema em 2022, em 2023 e 2024, com a realização de seminários com a parceria da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, envolvendo empresas, instituições e pessoas da Sociedade Civil. Mas é preciso dizer que a relevância que a Associação foi ganhando assustou muita gente, curiosamente e principalmente as do desporto.

Porquê?

Eu enfrento os problemas e digo-o. Por ativismo do desporto, por pessoas que estão há mais de 12 anos a fazerem sempre a mesma coisa, da mesma maneira e com resultados iguais. Nem todos apreciam o meu estilo frontal. Mas sim, conseguimos ter uma via aberta para as empresas e para a Sociedade Civil, e uma porta fechada para o desporto. Eu era a figura que dava o peito às balas, senti-me completamente ostracizado ao final de quatro anos.

Isso prejudicou-o? Podíamos estar a falar de uma possível candidatura ao Comité Olímpico...

Completamente. Sempre disse que não era candidato ao cargo de presidente do Comité Olímpico, mas se fosse tinha capacidade natural para o cargo, ainda mais sendo um atleta olímpico. Por mérito, os atletas olímpicos têm de ser presidentes dos Comités. O presidente do Comité Olímpico Internacional é um atleta olímpico. Voltando à pergunta, trouxe-me anticorpos, mas por outro lado, as pessoas reconheceram que eu tenho qualidades. Tive ofertas de trabalho e só não se concretizaram porque eu estava numa dinâmica de ajudar, criar, plantar uma semente para outros colherem. Em quatro anos transformámos a Associação numa pequena empresa de alta competição. Vou manter-me como presidente do Conselho Consultivo e estarei lá para ajudar. Tenho uma ideia do que deve ser o papel do presidente e do Comité Olímpico de Portugal e lamento que tenha tido uma postura pouco recetiva a uma Associação que representa 90 % dos olímpicos, porque, quando se fala em olímpicos é preciso saber que só 10% estão no ativo.

O seu futuro passa pela Federação de Atletismo...

Sim, como diretor-geral, um desafio difícil. Na AAOP lutámos durante vários anos contra corporações pouco profissionais, algumas lideradas por carolas e que não compreendem que o caminho é profissionalizar a gestão e fazer planeamento estratégico. Os pilares estratégicos da Federação Portuguesa de Atletismo são: criar identidade, ter ação de responsabilidade social e aumentar o número de praticantes. Não tem nada a ver com o alto rendimento nem com as competições tem a ver com o criar uma entidade. A base é o aumento do número de praticantes, o alto rendimento é o topo da pirâmide e resultado do trabalho que se faz na base.

No topo da pirâmide e da alta competição está Pedro Pichardo, o vice-campeão olímpico, que tem um problema com o seu clube, o Benfica. Há alguma solução?

Não é a minha área. Tenho a certeza que Domingos Castro sendo um homem de consensos, muito prático e que foi a quatro Jogos Olímpicos vai ter a capacidade de gerir estas situações e não falo especificamente do Pedro Pichardo. O presidente tem as competências e as características necessárias para resolver qualquer situação.

Falando em planeamento. É inegável que o atletismo olímpico precisa de renovação. Onde está a segunda vaga de atletas de referência como Patrícia Mamona, Liliana Cá ou Nelson Évora?

Alguém fez uma análise aos resultados dos Jogos Olímpicos? Quantos é que foram a Paris2024 e que acabaram a carreira? Quantos é que têm mais de 30 anos? Quantos é que continuam no alto rendimento? Ninguém se deu ao trabalho de fazer essa análise? Talvez não. Porque somos um país de resultados. Ficar satisfeito com quatro medalhas, dizer que são os maiores resultados de sempre e não fazer análises comparativas com países... Não se pode fazer um plano de preparação olímpica e meter objetivos por medalhas para justificar o dinheiro pedido. Objetivos em função da capacidade do investimento é algo que, para mim, não faz sentido. Este País só fala de dinheiro e portanto é muito fácil para um governante gerir um grupo corporativista que só quer dinheiro. "Toma lá mais 10% e cala-te". Agora o Governo anunciou uma verba extra de 20% e ficaram todos satisfeitos. Mas mais 20% em cima de quê? Onde é que vai ser aplicado o dinheiro. Onde é que vai ser investido? De que forma? Em que modalidades? Mais uma vez assistimos a toda a gente a pedir dinheiro e o governo a dar. Eu pergunto é pouco? É muito? É suficiente? Em função de quê? Ninguém sabe. Ficamos todos satisfeitos.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt