Roberto Martínez,  médio do Saragoça, enfrenta Jordi Cruyff, avançado do Barcelona. Tinham ambos 16 anos.  
Roberto Martínez,  médio do Saragoça, enfrenta Jordi Cruyff, avançado do Barcelona. Tinham ambos 16 anos.  D.R.

Jordi Cruyff vê Roberto Martínez “entusiasmado” e “rendido à paixão dos portugueses pela seleção”

Filho de Johan Cryuff falou ao DN sobre a amizade com o selecionador português, “um adepto do futebol ofensivo e “otimista contagiante” que já apurou Portugal para os oitavos de final do Euro 2024 em dois jogos. Conhecem-se desde os 16 anos de idade e são como irmãos.
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"O futebol é a vida do Roberto.  Mesmo nas folgas vive e respira o jogo, um treinador apaixonado pelo futebol de ataque, ofensivo e dominador. Gosta de ter posse de bola e de agarrar os jogos de início. Um líder muito acessível, disponível e dialogante com os seus jogadores, equipa técnica e staff.” Assim é Roberto Martínez nas palavras do grande amigo Jordi, filho de Johan Cruyff (1947-2016), o treinador que mais inspirou o selecionador português, como o próprio confessou antes do jogo com a Turquia, que apurou Portugal para os oitavos de final do Euro 2024.

Martínez tinha 15 anos quando o mago neerlandês se tornou treinador do Barcelona e revolucionou o futebol com a filosofia do “tiki-taka”, um estilo de jogo único, sinónimo de posse de bola, passes curtos e movimentos constantes. E Jordi consegue ver isso no trabalho do amigo. “O meu pai era muito de multissistemas, podia mudar várias vezes de sistema no mesmo jogo. O Roberto também faz isso. [Frente à Rep. Checa jogou em 3x4x3 e com a Turquia em 4x3x3.] É da escola do futebol ofensivo. Ele quer sempre jogar para ganhar e tirar o melhor de cada um dos seus jogadores, um pouco como fazia o meu pai, que tinha a sua própria identidade futebolística”, disse ao DN.

O antigo diretor desportivo do Barcelona já esteve em Lisboa a passar “um par de dias” com o amigo. Teve direito a uma visita guiada à Federação Portuguesa de Futebol e à Cidade do Futebol, o local de trabalho do técnico. “Vejo o Roberto muito entusiasmado com Portugal. Está supercontente. Querer aprender rapidamente o idioma, para poder comunicar em português, é sinónimo de pessoa que investe no sucesso. Acredito que os portugueses valorizam isso, porque têm um selecionador que não é só treino e ir para casa, ele quer entender a cultura, o sentimento de ser português, e está rendido à paixão dos portugueses à volta da seleção”, elogiou o amigo e confidente do técnico, que batizou os 26 de Portugal neste europeu com o cognome Os apaixonados.

Depois de sair da seleção belga, após a má campanha no Mundial 2022, Roberto Martínez recebeu propostas “bem interessantes” e foi trocando ideias com o amigo Jordi, que percebeu “desde o início que ele ficou muito entusiasmado com Portugal”. 

O sim à equipa das quinas demorou pouco. Foi apresentado no dia 9 de janeiro de 2023, iniciando o apuramento perfeito para o Euro 2024, só com vitórias e vários recordes pelo meio. Agora apurou Portugal para os oitavos do Euro 2024 logo ao segundo jogo, repetindo o feito de Humberto Coelho no Euro 2000 e de Luiz Felipe Scolari no Euro 2008. 

A Coca-Cola com algo...

Primeiro foram adversários, como bem mostra a imagem ao lado, em que Roberto Martínez, então médio do Saragoça, enfrenta Jordi Cruyff, que jogava no Barcelona. Tinham ambos 16 anos. Depois emigraram para o futebol inglês e tornaram-se amigos para a vida. Roberto jogava no Wigan e Jordi no Manchester United. “Em Inglaterra, o Jordi encontrou o irmão que não lhe pudemos dar. Foi assim que acabámos por ver o Roberto. Um tipo estupendo, um homem aberto e sincero”, pode ler-se na autobiografia, a título póstumo, de Johan Cruyff.

O encontro num restaurante espanhol de Manchester de dois estranhos com algo em comum - paixão pelo futebol e Cruyff - resultou numa amizade para a vida, “pura e real, que não tem a ver com o futebol”. E à prova de traquinices.  “Ele nunca bebia. Nunca, nunca, nunca. Sempre que ele pedia uma Coca-Cola, eu pedia uma Coca-Cola com algo dentro (risos), e quando ele se distraía trocava os copos. Mas ele descobria sempre. Quando me convidou para padrinho de casamento, disse-lhe que só ia à festa se bebesse uma Coca-Cola. Na verdade foi um pouco de champanhe e foi a única vez que o vi beber álcool”, contou o neerlandês, que na altura não sabia que o amigo tinha prometido ao pai nunca se perder para o álcool e ser alguém na vida.

Tiraram juntos o curso de treinador e uma pós-graduação em Marketing na Universidade de Manchester. E se Jordi foi internacional pelos Países Baixos (jogou o Euro 96), venceu uma Liga dos Campeões (Manchester United, 1999) e chegou a diretor desportivo do Barcelona (2020-2023), Roberto destacou-se como treinador e selecionador. 

“Ele era médio centro e esses jogadores têm uma visão de 360º, porque têm jogadores à sua direita, à esquerda, à frente e atrás, e isso dá-lhes um sexto sentido, sentem e intuem as jogadas. Mesmo no futebol britânico, quando foi treinar o Swansea, começou a jogar de maneira muito atrevida, com um futebol de passe, como se joga em países como Espanha e Portugal”, elogiou.

Em privado, Roberto Martínez, que é padrinho do filho mais velho de Jordi, “é um homem de família, muito tranquilo” e com “um sentido de humor apurado”, que não deixa de ser “obcecado por futebol”. Mesmo em casa continua atento a tudo no futebol e a todos os jogadores referenciados: “É muito otimista, alguém que vê sempre o lado bom das coisas. Ter uma pessoa positiva perto faz com que os outros também sejam mais positivos, e ele consegue passar isso para as equipas.”

Esse bom ambiente tem, aliás, sido destacado pelos jogadores da seleção nacional, que na quarta-feira joga com a Geórgia para cumprir o calendário, pois já tem o apuramento para os oitavos de final garantido. 

isaura.almeida@dn.pt

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