Jordi Cruyff vê Roberto Martínez “entusiasmado” e “rendido à paixão dos portugueses pela seleção”
"O futebol é a vida do Roberto. Mesmo nas folgas vive e respira o jogo, um treinador apaixonado pelo futebol de ataque, ofensivo e dominador. Gosta de ter posse de bola e de agarrar os jogos de início. Um líder muito acessível, disponível e dialogante com os seus jogadores, equipa técnica e staff.” Assim é Roberto Martínez nas palavras do grande amigo Jordi, filho de Johan Cruyff (1947-2016), o treinador que mais inspirou o selecionador português, como o próprio confessou antes do jogo com a Turquia, que apurou Portugal para os oitavos de final do Euro 2024.
Martínez tinha 15 anos quando o mago neerlandês se tornou treinador do Barcelona e revolucionou o futebol com a filosofia do “tiki-taka”, um estilo de jogo único, sinónimo de posse de bola, passes curtos e movimentos constantes. E Jordi consegue ver isso no trabalho do amigo. “O meu pai era muito de multissistemas, podia mudar várias vezes de sistema no mesmo jogo. O Roberto também faz isso. [Frente à Rep. Checa jogou em 3x4x3 e com a Turquia em 4x3x3.] É da escola do futebol ofensivo. Ele quer sempre jogar para ganhar e tirar o melhor de cada um dos seus jogadores, um pouco como fazia o meu pai, que tinha a sua própria identidade futebolística”, disse ao DN.
O antigo diretor desportivo do Barcelona já esteve em Lisboa a passar “um par de dias” com o amigo. Teve direito a uma visita guiada à Federação Portuguesa de Futebol e à Cidade do Futebol, o local de trabalho do técnico. “Vejo o Roberto muito entusiasmado com Portugal. Está supercontente. Querer aprender rapidamente o idioma, para poder comunicar em português, é sinónimo de pessoa que investe no sucesso. Acredito que os portugueses valorizam isso, porque têm um selecionador que não é só treino e ir para casa, ele quer entender a cultura, o sentimento de ser português, e está rendido à paixão dos portugueses à volta da seleção”, elogiou o amigo e confidente do técnico, que batizou os 26 de Portugal neste europeu com o cognome Os apaixonados.
Depois de sair da seleção belga, após a má campanha no Mundial 2022, Roberto Martínez recebeu propostas “bem interessantes” e foi trocando ideias com o amigo Jordi, que percebeu “desde o início que ele ficou muito entusiasmado com Portugal”.
O sim à equipa das quinas demorou pouco. Foi apresentado no dia 9 de janeiro de 2023, iniciando o apuramento perfeito para o Euro 2024, só com vitórias e vários recordes pelo meio. Agora apurou Portugal para os oitavos do Euro 2024 logo ao segundo jogo, repetindo o feito de Humberto Coelho no Euro 2000 e de Luiz Felipe Scolari no Euro 2008.
A Coca-Cola com algo...
Primeiro foram adversários, como bem mostra a imagem ao lado, em que Roberto Martínez, então médio do Saragoça, enfrenta Jordi Cruyff, que jogava no Barcelona. Tinham ambos 16 anos. Depois emigraram para o futebol inglês e tornaram-se amigos para a vida. Roberto jogava no Wigan e Jordi no Manchester United. “Em Inglaterra, o Jordi encontrou o irmão que não lhe pudemos dar. Foi assim que acabámos por ver o Roberto. Um tipo estupendo, um homem aberto e sincero”, pode ler-se na autobiografia, a título póstumo, de Johan Cruyff.
O encontro num restaurante espanhol de Manchester de dois estranhos com algo em comum - paixão pelo futebol e Cruyff - resultou numa amizade para a vida, “pura e real, que não tem a ver com o futebol”. E à prova de traquinices. “Ele nunca bebia. Nunca, nunca, nunca. Sempre que ele pedia uma Coca-Cola, eu pedia uma Coca-Cola com algo dentro (risos), e quando ele se distraía trocava os copos. Mas ele descobria sempre. Quando me convidou para padrinho de casamento, disse-lhe que só ia à festa se bebesse uma Coca-Cola. Na verdade foi um pouco de champanhe e foi a única vez que o vi beber álcool”, contou o neerlandês, que na altura não sabia que o amigo tinha prometido ao pai nunca se perder para o álcool e ser alguém na vida.
Tiraram juntos o curso de treinador e uma pós-graduação em Marketing na Universidade de Manchester. E se Jordi foi internacional pelos Países Baixos (jogou o Euro 96), venceu uma Liga dos Campeões (Manchester United, 1999) e chegou a diretor desportivo do Barcelona (2020-2023), Roberto destacou-se como treinador e selecionador.
“Ele era médio centro e esses jogadores têm uma visão de 360º, porque têm jogadores à sua direita, à esquerda, à frente e atrás, e isso dá-lhes um sexto sentido, sentem e intuem as jogadas. Mesmo no futebol britânico, quando foi treinar o Swansea, começou a jogar de maneira muito atrevida, com um futebol de passe, como se joga em países como Espanha e Portugal”, elogiou.
Em privado, Roberto Martínez, que é padrinho do filho mais velho de Jordi, “é um homem de família, muito tranquilo” e com “um sentido de humor apurado”, que não deixa de ser “obcecado por futebol”. Mesmo em casa continua atento a tudo no futebol e a todos os jogadores referenciados: “É muito otimista, alguém que vê sempre o lado bom das coisas. Ter uma pessoa positiva perto faz com que os outros também sejam mais positivos, e ele consegue passar isso para as equipas.”
Esse bom ambiente tem, aliás, sido destacado pelos jogadores da seleção nacional, que na quarta-feira joga com a Geórgia para cumprir o calendário, pois já tem o apuramento para os oitavos de final garantido.
isaura.almeida@dn.pt