Francisco Conceição. Antes de ser “espalha-brasas” até doente queria jogar e decidia jogos
Francisco Conceição foi o herói improvável da estreia de Portugal no Euro2024 ao marcar o golo do triunfo sobre a Rep. Checa. Quem o treinou viu o retrato fiel do que sempre foi: “um jogador explosivo e de compromisso.” O golo pode não ser suficiente para ser titular com a Turquia, em Dortmund, na segunda jornada do Grupo F.
Manuel Tulipa treinou-o nos sub-17 e nos sub-19 do FC Porto, já depois de Francisco Conceição ter trocado Alvalade pelo Dragão, em 2017. “Quando chegou já era explosivo, alguém que assumia o jogo e não tinha problemas em iniciar e terminar a jogada. Claro que evoluiu e hoje é mais completo, consegue ser mais consistente nas ações individuais e melhorou na tomada de decisão. Já levanta a cabeça para ver quem está melhor posicionado e decide se pode servir ou se vai no um para um”, contou.
Para o treinador, Francisco Conceição “tornou-se mais altruísta”, no sentido em que percebe agora a importância das ações defensivas: “Nunca foi um jogador individualista e sempre teve um sentido de compromisso muito grande com a equipa, mas quando resolvia ir para cima do adversário por vezes perdia a bola. Não tinha medo do risco e quanto mais forte fosse o adversário mais ele achava que tinha de corresponder.”
O contexto familiar também o ajudou a ser um adulto precoce. “Crescer com pai e irmãos jogadores deu-lhe uma exigência muito grande. Cresceu no meio do futebol e lidou com o sucesso e com o reverso da medalha desde muito jovem. Além disso, teve de se impor no FC Porto com o pai como treinador. Teve de sair para mostrar que era mais do que o filho do treinador e voltou determinado a mostrar que o talento era herdado, mas jogado em nome próprio”, defendeu o ex-treinador do Trofense.
E se alguns questionavam a presença de Francisco Conceição na lista dos 26 da seleção nacional para o Euro2024, Tulipa não. E o que pensou quando ouviu o selecionador apelidá-lo de espalha-brasas? “Embora em Portugal o termo se uso muitas vezes para definir uma pessoa que promete muito e faz pouco, acho que define bem o estilo do Francisco, um jogador explosivo, irreverente, que mexe com o jogo. No caso dele, espalha-brasas é mais o jogador que promete e faz”, respondeu Tulipa, sem se atrever a fazer de Roberto Martínez e antever se o jovem extremo será opção de início frente à Turquia, até porque tem a concorrência de Bernardo Silva.
Francisco Conceição jogou de leão ao peito durante seis temporadas. De 2011 a 2017, dos benjamins (futebol 7) aos juniores, onde foi colega de Nuno Mendes, que também está a jogar o Euro 2024. A mudança para o Sporting deveu-se à vida de saltimbanco do treinador Sérgio Conceição, que em 2012 deixou a equipa técnica do Standard Liège para assumir o comando do Olhanense. A família ficou em Lisboa e houve que arranjar clubes para todos: Sérgio, o filho mais velho, começou a jogar no CIF, Moisés e Rodrigo inscreveram-se no Belenenses, tal como Francisco que em poucas semanas foi convidado para se juntar ao Sporting a meio da época 2011-12. “Deu-nos o título de campeão distrital da AF Lisboa. No futebol 7 os jogadores podem sair e entrar e como ele era muito ativo no jogo, saiu para descansar uns minutos quando o jogo estava empatado, depois voltou a entrar e virou o jogo, que terminou 4-1 para o Sporting”, contou ao DN João Plantier, o treinador da altura, que sempre viu em Francisco Conceição o que é hoje: “Um jogador explosivo, mas com compromisso e nada individualista.”
Aliás, o antigo técnico e atual sócio da empresa de agenciamento FuteBALLER, deu o exemplo de um torneio em Coimbra que mostra bem a “raça” do internacional português: “Íamos jogar no Estádio Sérgio Conceição. O Francisco tinha estado doente e já não estava a contar em utilizá-lo, mas ele apareceu pela mão do pai, que me disse: ‘o Francisco ainda tem um pouco de febre, mas quis vir, diz que a equipa precisa dele’. Era apenas um torneio, mas ele dispôs-se a sacrificar-se pela equipa.”
Nessa altura, o Sporting, segundo Plantier, tinha uma política na formação que não castrava a liberdade criativa e por isso Francisco pode crescer a jogar um tipo de futebol que ainda parece de rua: “É um desequilibrador nato, muda facilmente de trajetória e é extremamente agressivo a defender e a atacar. Era assim na altura, com as devidas diferenças para agora.”
No final do Portugal-Rep. Checa, o camisola 26 confessou que queria dar uma alegria aos portugueses e à sua família, que passa por um momento complicado depois de o pai ter deixado de ser treinador do FC Porto: “É uma felicidade tremenda, representar o país e jogar por eles todos. Quis ajudar da forma que podia, felizmente consegui.”
O pai foi à Alemanha ver a estreia e emocionou-se quando Francisco marcou o golo que deu a vitória a Portugal, minutos depois de entrar em campo. Um golo que ajudou ambos a fazer história, afinal é apenas a segunda vez que pai e filho marcam golos na história das fases finais de Europeus, tendo igualado o feito dos italianos Enrico e Federico Chiesa.
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