Estabilidade, identidade, troféus e saldo negativo em jogadores falam por Zubizarreta
Para Andoni Zubizarreta, o papel de um diretor Desportivo é mais do que comprar e vender jogadores. O espanhol de 62 anos que irá liderar o futebol do FC Porto, depois de André Villas-Boas tomar posse como presidente (dia 7), tem como lema definir o que se quer em cada trabalho, sem esquecer o ADN do clube. E sabe o que é trabalhar e vencer em clubes-bandeira de uma região. No Athletic Bilbau lançou a equipa de futebol feminino, no Barcelona conquistou 14 troféus e no Marselha criou uma academia.
Foi no Athletic - clube onde jogou de 1981 a 1986 como guarda-redes e chegou à seleção espanhola - que Zubizarreta assumiu o primeiro de três projetos como diretor Desportivo. Nos três anos em que esteve em Bilbau honrou a política do histórico e peculiar clube basco de trabalhar com os jogadores da casa, por isso as contratações e vendas foram quase inexistentes. Em três anos transacionou apenas 27 jogadores e apenas sete foram contratações, e sem valores envolvidos (pelo menos que se conheçam).
Apesar disso, os objetivos desportivos superaram as expectativas. Se na primeira época (2001-02) terminou a Liga Espanhola em 10.º e chegou às meias-finais da Taça do Rei, na temporada 2002-03 acabou o Campeonato em 7.º e foi eliminado precocemente na Taça, tal como aconteceu em 2003-04, quando terminou o Campeonato no 5.º lugar.
No verão de 2010 mudou-se para a Catalunha. Como diretor Desportivo, sob a presidência de Sandro Rosell, foi responsável por alguns plantéis blaugrana estratosféricos. Zubizarreta contratou 17 estrelas, in- cluindo Adriano, Mascherano, David Silva, Milito, Fàbregas, Neymar, Luis Suárez, Ter Stegen, Jordi Alba, Thiago Alcântara, Abidal, Ibrahimovic ou Alexis Sánchez, a sua maior venda em 1648 dias como diretor do Barça.
O negócio da compra do passe de Neymar foi oficialmente o maior. Na versão do clube, custou 57 milhões de euros, mas na versão da Justiça espanhola que investigou a transferência foram 74. Um escândalo que o tempo amenizou e que levaria a um encaixe recorde de 222 milhões quando o brasileiro se mudou para o PSG, naquela que é a maior transferência da história e que também acaba por ser uma vitória de Zubizarreta.
Os troféus ganhos pela equipa catalã silenciaram muitas críticas devido aos gastos avultados com contratações, na ordem dos 400 milhões de euros, muito mais do que o valor averbado com 72M€ (!) em saídas, muitas delas excedentários do plantel e jovens saídos de La Masia.
Logo no primeiro ano (2010-11) ganhou o Campeonato, a Supertaça, a Liga dos Campeões e o Mundial de clubes e perdeu a final da Taça do Rei. Na época 2011-12 ficou em 2.º lugar no Campeonato, mas venceu a Supertaça, a Taça do Rei, a Supertaça Europeia e chegou às meias-finais da Champions... que repetiu na temporada seguinte, que terminou com a conquista do Campeonato. A época menos conseguida foi a de 2013-14 , com uma Supertaça.
Em janeiro de 2015 deixou o emblema catalão, despedido, depois de a FIFA proibir o clube de contratar jogadores até janeiro de 2016. Apesar da saída a meio, a época 2014-15 terminaria com a conquista da Liga dos Campeões, o Mundial de clubes, o Campeonato e a Taça do Rei. O total foram 14 troféus.
Objetivo falhado no Marselha
Um ano depois de digerir a saída, rumou a França e criou um projeto um pouco diferente. O objetivo era recuperar a glória marselhesa e impedir o domínio de PSG, Lyon e Mónaco.
Em quatro anos contratou 36 jogadores, mas falhou o objetivo. Foi 5.º em 2016-17, 4.º em 2017-18 (ano em que foi finalista da Liga Europa), novamente 5.º em 2018-19 e 2.º em 2019-20, mas lançou as bases do futuro. Saiu em maio de 2020, deixando Villas-Boas no banco e contratações sonantes - Dimitri Payet foi uma delas, assim como Balotelli, Patrice Evra ou Mandanda -, e uma venda recorde, a de Michy Batshuayi ao Chelsea por 39 M€ , entre 72 saídas (muitos emprestados e excedentários).
Mais habituado a projetos onde o dinheiro não é problema, terá um grande desafio pela frente no Dragão, onde a situação financeira conhecida é “preocupante”, segundo Villas-Boas. Mas pela primeira vez poderá ter saldo positivo em transferências, uma vez que o FC Porto é mais vendedor que comprador.
“Às vezes, avaliam-se os diretores Desportivos só pelo mercado, mas há muito mais trabalho na organização da estrutura de futebol”, respondeu numa entrevista ao Expresso, lembrando que “ser diretor Desportivo no Athletic ou no Barça é totalmente diferente, desde logo porque o Athletic está muito condicionado na sua abordagem ao mercado”. Assim como no Marselha o mais importante era restruturar o futebol de formação e, por isso, avançou com a construção de uma nova academia. Por isso, segundo o espanhol, “o mais importante é começar por entender para que clube se vai e de que é que esse clube precisa”.
E no Dragão poderá ter de escolher um novo treinador, caso Sérgio Conceição não continue. No clube basco trabalhou com Jupp Heynckes e Ernesto Valverde, em Barcelona com Pep Guardiola, Tito Villanova, Martino e Luís Enrique, e no Marselha com Rudi Garcia e André Villas-Boas.
isaura.almeida@dn.pt