A antiga sede da Federação Portuguesa de Futebol na rua Alexandre Herculano, em Lisboa.
A antiga sede da Federação Portuguesa de Futebol na rua Alexandre Herculano, em Lisboa.José António Domingues / Global Imagens

Três empresas, dois arguidos e uma sede. Quem é quem no negócio polémico da FPF

A Federação Portuguesa de Futebol vendeu a sede na Rua Alexandre Herculano, Lisboa, em 2018, mas a PJ anunciou que estava a investigar eventuais crimes de fraude fiscal e corrupção no negócio.
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A investigação da Polícia Judiciária (PJ) à venda, em abril de 2018, da sede da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) implicou a análise à atividade e ao papel dos administradores de um conjunto de empresas. Mas afinal que empresas são estas, quem as dirige, quem as fundou e que relações têm com os dois, até agora únicos, arguidos na investigação: o empresário Carlos dos Santos Marques e o advogado Paulo Lourenço, antigo secretário-geral da federação.

Esta é uma história que tem de ser contada do fim para o princípio e o ponto de chegada é a venda da sede da FPF, situada na altura na Rua Alexandre Herculano, em Lisboa. A venda, registada nas contas das federação pelo valor de 11,25 milhões de euros, aconteceu em abril de 2018 e terá envolvido, desde logo, pelo menos três entidades.

A primeira é a vendedora, a FPF, então liderada por Fernando Gomes. A segunda é a compradora, a Excellent Dimension, empresa com sede em Benavente (Santarém) criada em outubro de 2017 (cerca de seis meses antes da escritura de compra da sede da FPF). Tem como objeto a “compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; subdivisão de terrenos com introdução de melhoramentos; arrendamento de bens imobiliários e de terrenos” e é detida maioritariamente por José António Alves Inácio, que é também o sócio-gestor. José Alves Inácio não é um dos arguidos na designada Operação “Mais-Valia”.

Infografia DN

Inicialmente, a Excellent Dimension tinha apenas dois sócios, José António Alves Inácio (com uma quota de 9000 euros) e a mulher, com uma quota de 1000 euros). Mas em janeiro de 2021, a empresa fez um aumento de capital que implicou a entrada de mais um sócio, Carlos Alberto dos Santos Marques, com uma quota de 1250 euros. Carlos Alberto Santos Marques terá outras ligações ao negócio, mas já lá iremos.

José Alves Inácio é mais conhecido pelo facto de ser presidente do conselho de administração da histórica empresa Calbrita, de Alenquer, que opera no negócio da extração, produção e venda de britas e inertes. A Calbrita, que também está fora desta investigação, é um importante agente económico nos distritos de Lisboa, Santarém e outros no Vale do Tejo.

Uma busca no portal Base, que lista os contratos com entidades públicas, indica que a Calbrita fornece regularmente materiais usados na construção e manutenção de estradas, como brita e tout-venant (mistura de areia e gravilha), a várias câmaras, sobretudo do Ribatejo, como Benavente, Coruche, Salvaterra de Magos, Azambuja ou Arruda dos Vinhos. Mas também da zona ribeirinha a norte de Lisboa, como Vila Franca de Xira, Torres Vedras e Loures. De acordo com o Base, a Calbrita obteve contratos com entidades do Estado no valor de 4,3 milhões de euros, a maioria com autarquias.

O gestor da Excellent Dimension apareceu igualmente nas notícias locais de Benavente por liderar um projeto de construção de uma fábrica/estufa para a produção de canábis medicinal. O projeto, aliás, já obteve autorização e foi posto em consulta pública pela câmara de Benavente (ganha pelo PCP em 2017 e em 2021), que tem como fornecedor a Calbrita, de que José Alves Inácio é o presidente do conselho de administração. De acordo com o Base, o último contrato da autarquia de Benavente com a Calbrita data de janeiro deste ano (24.360 euros).

A terceira empresa alegadamente envolvida na venda da sede é a Softbutterfly Unipessoal Lda, com sede em Ourém (Santarém) e detida por Adelaide Ferreira Gameiro. Trata-se da mulher de António Gameiro, alegadamente mediador no negócio de venda da sede da FPF.

António Gameiro é um antigo deputado do Partido Socialista. Esteve no Parlamento em cinco legislaturas (as duas primeiras de 2005 a 2011, quando José Sócrates estava no poder, depois durante a troika, nos anos do PSD de Pedro Passos Coelho, e depois durante a geringonça com António Costa). Foi sempre eleito pelo PS no distrito de Santarém. Desconhece-se se António Gameiro é arguido ou não.

De acordo com fontes ouvidas pelo DN, a Softbutterfly terá uma ligação com outra empresa, a Stonevalue. A Stonevalue é uma empresa que nasceu em 2007, em Lisboa, para a “compra, venda e compra para revenda de imóveis; promoção imobiliária; exploração, locação e administração de imóveis próprios ou alheios”. De 2007 a 2011 teve como presidente do conselho de administração o antigo presidente do Benfica Luís Filipe Vieira.

Em 31 de janeiro de 2011 o gestor único da Stonevalue passou a ser Carlos Santos Marques, atual sócio na empresa que comprou a sede da FPF na Rua Alexandre Herculano. Nessa mesma data, toda a anterior administração de Luís Filipe Vieira saiu da empresa e, oito dias depois, a sede da empresa passou para Benavente.

Em 2018, a Stonevalue alterou a forma para sociedade por quotas. Carlos Santos Marques passou a deter uma quota de 25 mil euros e a sua mulher uma de igual valor. Ambos são gerentes da Stonevalue, mas Carlos Santos Marques foi constituído arguido na Operação “Mais-Valia”.

Há, até ao momento, um outro arguido nesta operação: o advogado Paulo Lourenço, antigo secretário-geral da FPF, que terá tido um papel na mediação do negócio de venda, tal como António Gameiro.

A investigação está a cargo do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) de Lisboa, foi aberta em 2021 e deu origem à Operação “Mais-Valia”, depois de serem “identificadas um conjunto de situações passíveis de integrarem condutas ilícitas relacionadas, sobretudo, com a intermediação da venda” do edifício em questão, por mais de 11 milhões de euros. Em causa estão suspeitas da prática de crimes de corrupção, recebimento indevido de vantagem, participação económica em negócio e fraude fiscal, segundo a PJ, que fez buscas na Cidade do Futebol, nova sede da FPF, e mais 19 locais.

Sobre este negócio, há uma frase no Relatório e Contas da FPF relativo ao exercício de 2017/ 2018 que refere, especificamente, as comissões envolvidas. “Em abril de 2018, foi alienada a antiga sede localizada na Rua Alexandre Herculano, Lisboa, pelo montante de 11.250.000 [euros], o que originou uma mais-valia contabilística de 2.765.790,24, que inclui os gastos com intermediação”.

Só a Federação Portuguesa de Futebol poderá explicar quanto gastou em intermediação, com quem e porquê.

FPF toma medidas e admite ações judiciais

A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) reuniu-se ontem de emergência para analisar as buscas à sede do organismo e as suspeitas em torno da venda da antiga sede, informando depois, através de um comunicado, que aceitou o “pedido de revogação de contrato do prestador de serviços Paulo Lourenço”, um dos dois arguidos na investigação.

O órgão liderado por Pedro Proença garantiu ainda que irá interpor “ações judiciais contra quaisquer pessoas e entidades que venham a ser responsabilizadas por danos causados à Federação Portuguesa de Futebol”.

Foi ainda decidido adotar mais medidas anticorrupção e a extensão ao mandato 2016-2020 da auditoria que já decorre, desde 17 de março, referente aos anos entre 2020-2024, “que permita uma análise minuciosa e aprofundada, sobretudo nas áreas críticas que envolvem pagamento de comissões, prestações de serviços e procedimentos na área de recursos humanos, por forma a apurar even- tuais responsabilidades civis ou criminais”.

Outra das medidas anunciadas foi a criação de um Comité de Ética (proposta de alteração dos estatutos) e a constituição da FPF como assistente em todos os processos de natureza criminal em curso em que estejam em causa prejuízos para a federação.

O ex-secretário geral da FPF Paulo Lourenço, um dos visados na investigação, emitiu ontem um comunicado a negar ter tido qualquer benefício na venda da antiga sede, depois de ter sido constituído arguido.

“É, para mim, inaceitável ver o meu nome envolvido num processo ao qual sou alheio. Não tive influência na decisão de venda do imóvel, não tive influência na escolha da proposta vencedora e não obtive qualquer benefício, direto ou indireto, com este negócio. Nego frontal e absolutamente ter recebido fosse o que fosse com este negócio. Qualquer sugestão em sentido contrário é falsa e profundamente injusta”, garantiu.

“Farei tudo o que estiver ao meu alcance para que esta situação se esclareça com a máxima celeridade, não só para demonstrar inequivocamente a minha inocência, mas também para compreender como e por que razão fui arrastado para esta investigação”, acrescentou o ex-dirigente da FPF.

com Nuno Fernandes

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