Com um monstruoso legado construído nas pistas de atletismo, que vai muito para lá das quatro Medalhas Olímpicas e oito títulos mundiais nos 200 e 400 metros, Michael Johnson quer agora “revitalizar” o atletismo mundial com o Grand Slam Track, uma série de quatro eventos, que assenta em duelos improváveis, rivalidade e muito dinheiro em prémios, cerca de 11, 5 milhões de euros.Numa conversa com jornalistas de todo o mundo, em que o DN participou, o Campeão Olímpico explicou que a ideia nasceu da necessidade de “capitalizar” um universo de 2,5 milhões de atletas que espera dois anos por um Mundial ou quatro anos por uns Jogos Olímpicos. “Muitos dedicam-se a tentar ganhar uma medalha nos Jogos Olímpicos e a maioria não vai conseguir. Um atleta não tem salário, vive de apoios e bolsas. Os atletas precisam de mais oportunidades para mostrarem o seu valor e serem recompensados por isso, e não esperar dois ou quatro anos para causarem impacto na modalidade”, defendeu Michael Johnson.O agora comentador da Eurosport disse acreditar que o atletismo tem o potencial de uma UFC ou Fórmula 1 se for bem explorado, der ao público o que ele gosta de ver e visibilidade aos protagonistas, recompensando-os como artistas de um espetáculo: “Os atletas lutam por medalhas e por recordes mundiais, também porque isso lhes dá dinheiro, senão como poderiam viver, treinar e preparar-se para as provas apenas com apoios do Estado? E isso leva a questões de saúde mental, porque a maioria dos atletas sofre muito, porque não ganha nada com o seu sucesso. Então a parte financeira é importante.”Na opinião de um dos maiores velocistas de sempre, “um atleta pode receber um cachet para participar numa corrida, mas, a menos que seja uma superestrela, não receberá dinheiro para ir a meetings”, enquanto, “no Grand Slam Track tem um incentivo para aparecer e um enorme incentivo para correr bem”.A nova prova está a ser vista como concorrência à Liga Diamante, que também funciona por convite, mas com valores muito inferiores. Enquanto cada vencedor da Liga Diamante recebe 9 mil euros e o vencedor dos vencedores, no encontro anual, ganha 21,1 mil, o vencedor da prova idealizada por Johnson recebe 63,4 mil euros. A sustentabilidade financeira do projeto não preocupa o seu mentor, garantindo que a parceria com a Winners Alliance - ligada à Associação de Tenistas Profissionais - é sólida, mas, segundo ele, o dinheiro é apenas um dos ingredientes da receita para o bom desempenho de um atleta. A felicidade conta. E ele que o diga. Grande figura de Atlanta1996, Michael Johnson ficou ainda na história pela frase com que se apresentou nos Jogos Olímpicos: “Estou aqui para vencer e ser feliz.” A mensagem revelava alguma indiferença face à azeda troca de palavras com o rival Carl Lewis e seria reveladora de dois ouros conquistados, nos 200 e nos 400 metros.Recordando essa frase, em conversa com o DN, lamentou a falta de alegria em muitos corredores: “Um atleta feliz rende mais, sem dúvida, e será mais feliz se conseguir conectar-se com os seus fãs, ser compensado financeiramente e reconhecido pelos rivais.”Aos 56 anos, o velocista que recuperou de um AVC, sofrido em 2019, garante que “a rivalidade é boa e os adeptos gostam”, porque há incerteza quanto ao vencedor e isso diverte quem está a ver: “Quando tens os melhores dos melhores a competir uns contra os outros isso é espetáculo puro.”Corredor elegante e de passadas curtas e muito rápidas, Michael Johnson tinha um estilo inconfundível, tal como as suas sapatilhas douradas. Chegou a ser dono de sete das 10 melhores marcas mundiais - a dos 200 metros permaneceu por 12 anos e a dos 400m demorou 17 anos a ser batida - e agora pretende revolucionar a modalidade. Mas há quem diga que é o primeiro passo para chegar a presidente da World Athletics.Como funciona? Um velocista pode ser chamado a duelar com um barreiristaO Grand Slam Track é uma série de quatro eventos e pretende mostrar mais diversidade - um velocista pode enfrentar um barreirista, por exemplo. Estreou-se no passado fim de semana, em Kingston, Jamaica, com o barreirista brasileiro Alison dos Santos em destaque. Apesar do nível dos presentes, o evento teve poucos espectadores, mas Michael acredita que as etapas de Miami, Filadélfia e Los Angeles, entre maio e junho, vão atrair mais adeptos. Em Portugal será transmitido pela Eurosport.Como funciona? Os meetings serão exclusivamente de corrida, com 48 atletas divididos em seis grupos (sprint curto, sprint longo, barreiras altas, barreiras baixas, distância média e distância longa). Quatro atletas de cada grupo estão sob contrato e outros quatro serão convidados pelo seu historial e desempenho atual. As características do evento não fazem prever convites a atletas portugueses, até porque não há lançamentos e saltos.Sydney McLaughlin-Levrone, Gabby Thomas, Cole Hocker e Quincy Hall são alguns dos contratados, mas Noah Lyles, Keely Hodgkinson e Jakob Ingebrigtsen são estrelas ausentes... para já.isaura.almeida@dn.pt