Diogo Ribeiro: ”Não descanso enquanto não chegar à medalha olímpica, mas não posso garantir que seja em Paris 2024”
É o maior fenómeno da natação portuguesa. Começou a nadar com 4 anos e aos 19 é campeão do Mundo dos 50 e 100 metros mariposa. Prepara-se para a estreia olímpica na La Défense Arena, que receberá as provas de natação de 27 de julho a 4 de agosto. Em maio, o nadador do Benfica esteve em Paris, num evento promovido pela Arena, marca de equipamentos que o patrocina, e que juntou jornalistas do mundo inteiro e alguns dos melhores nadadores mundiais para lançar a campanha “Flow like water, but be fueled by fire”. E o DN esteve lá.
Estamos num evento que desafia os jornalistas a descobrir o humano por detrás do atleta. E o ser humano Diogo Ribeiro tem uma história de vida brutal, apesar de só ter 19 anos...
Mesmo. A morte do meu pai quando eu tinha quatro anos, o acidente de moto quase fatal que sofri em julho de 2021 e, numa outra dimensão, a difícil adaptação ao Centro de Alto Rendimento do Jamor, quando me mudei de Coimbra com apenas 16 anos e todas as semanas fugia para casa e para o colo da mãe. Tudo isto parece distante, mas são coisas que estão bem presentes na minha memória, mesmo que eu vá ganhando resistência emocional com a idade. Foi a natação que me ajudou a superar todos esses obstáculos. Hoje posso dizer que na piscina sinto-me livre. O dia a dia é complicado por causa dos treinos, mas quando entro na água para treinar deixo de pensar em tudo à volta. É uma sensação boa.
Olhando para o caminho percorrido até chegar a Paris, o que vê?
Vejo tudo isso. Estou perto da estreia nos Jogos Olímpicos e penso em tudo o que passei e conquistei. Por um lado, acho que é fixe estar aqui e, por outro, penso no que já passei e todo o trabalho que tive para o conseguir. E é isso que também dá alguma força, alguma não, muita força, para continuar a fazer o que eu mais gosto, que é nadar e chegar em primeiro. Não há sensação melhor! Felizmente, o trabalho e a recompensa têm andado lado a lado.
Ainda há talento para ser trabalhado?
O talento tem de existir, mas o trabalho faz ganhar milésimos de segundo, e isso é tudo na natação. Quem trabalha mais é quem vai ganhar. Eu ganhei o Mundial, mas o oitavo lugar estava a seis décimos. O segundo e o terceiro foi um décimo. Foi uma diferença bastante pequena e numa final bastante equilibrada. Todos em linha quase. E os últimos cinco metros foi o trabalho da chegada que se notou. Quando tinha 14 anos diria que tinha 80% de talento e 20% de trabalho. Porquê? Eu treinava muito bem, mas também faltava muitas vezes, só que chegava às provas e ganhava tudo na mesma. Agora diria 50-50.
Isso não é diminuir um bocadinho o talento?
51% para 49%? (risos)
Foi campeão mundial em fevereiro e a viagem de férias foi a Paris. Foi a pensar nos JO?
Não. A minha namorada é irmã do skater Gustavo Ribeiro, que tinha uma prova em Paris de apuramento olímpico, e foi bom apoiá-lo e passar férias ao mesmo tempo. Paris é uma cidade espetacular e espero que não perca a magia. Pensar nos Jogos Olímpicos nas ruas é fascinante. Tenho pena de não ir ao desfile da cerimónia de abertura, deve ser brutal, mas já decidimos que não vou porque começo a competir logo no início dos Jogos e a cerimónia é cansativa e rouba um dia de treino. Adorava fazer o desfile no rio Sena, mas preciso concentrar-me no que me traz a Paris. Nunca estive nos Jogos, é a primeira experiência, e toda a concentração será pouca. Vou estar a lutar com os mais velhos, a competir entre os melhores do mundo, e espero que corra bem. Estou a fazer por isso, estou a treinar bem. Nunca treinei tão bem.
Isso significa o quê?
Significa que estou confiante em melhorar os meus tempos, pelo menos. Mais confiante no processo, mas com alguns alertas. Sei que estou bem e treinei mais, então tenho de fazer isto bem, porque se correr mal não há justificação. Antes, se calhar, não pensava tanto assim, porque tive momentos menos bons. Quando fui vice-campeão mundial em 2023, tinha tido covid-19 um mês antes, fui um bocado sem expectativas, ou se as tinha não eram muito altas. Porque, lá está, tinha parado, tinha faltado aos treinos. Agora não falho um e mesmo nesta fase com compromissos publicitários e fora do CAR tento sempre arranjar uma piscina para treinar pelo menos uma vez por dia.
A medalha de prata em Fukuoka 2023 disfarçou bem os efeitos da covid-19 ...
Mas foi complicado, perdi resistência, por isso Fukuoka 2023 não correu bem, nem os 100 m livres, nem os 100 m mariposa, porque são distâncias que exigem um bocadinho mais de resistência. Senti que precisava de resistência e não tinha. Nos 50 m é tudo muito rápido e por isso correu bem e cheguei à medalha de prata. A preparação para os Mundiais Doha 2024 foi melhor, daí ter sido campeão do mundo também nos 100 mariposa. Mas a competitividade nos Jogos Olímpicos vai ser diferente, vão estar lá outros atletas que também são campeões do mundo e alguns medalhados olímpicos que já têm outros níveis de experiência. Mas eu não me vou deixar ficar por aqui, quero lutar para, pelo menos, atingir uma final.
O chefe da Missão, Marco Alves, disse numa entrevista ao DN que o principal barómetro para perceber o potencial desempenho nos JO são os Mundiais. E o Diogo é campeão mundial nos 50 metros mariposa, distância não olímpica, e nos 100 metros mariposa. Saber que já está entre os melhores, a nível psicológico, pode ajudar?
Vou ser sincero. O facto de os 50 m mariposa não serem distância olímpica talvez me dê alguma tranquilidade para chegar depois ao outro patamar, porque posso descansar mais para as outras provas. Os 50 m mariposa foram sempre a minha primeira prova em todos os campeonatos internacionais e eu prefiro que seja assim, porque é a prova que sempre tenho mais oportunidade de ir à medalha. Mas nos Jogos Olímpicos a minha primeira prova serão os 50 m livres e nunca aconteceu isso. Os 50 m livres foram sempre depois dos 50 m mariposa e eu ia sempre cansado para os 50 m livres. Agora vou ter uma oportunidade de fazer os 50 m livres descansado, e, como é a primeira prova, se correr bem, vou ficar contente e continuar. Se correr menos bem, tenho de esquecer isso, basicamente, e concentrar-me nas outras.
Se há um ano dizia estar preparado para a pressão de poder ser o melhor nadador português de sempre, agora que já tem quatro medalhas e já é o melhor português de sempre está preparado para a pressão que se segue... a medalha olímpica.?
Já disse que não descanso enquanto não chegar à medalha olímpica, mas não posso garantir que seja já em Paris 2024. A nível psicológico eu estou bem, acho que sou uma pessoa que lida bem com essas coisas. Já disse isto várias vezes: eu meto tanta pressão em cima de mim que a pressão que vem de fora eu ainda não percebo que a tenho, mesmo agora, depois de ser campeão do mundo e de as pessoas na rua já me abordarem. Sinto reconhecimento, pressão não. Acho que a minha idade me ajuda a não pensar tanto na pressão que as pessoas de fora colocam, mas à medida que sou procurado para eventos, campanhas e ganho prémios vou pensando “OK, tenho de dar resultados, isto não vai ser assim para sempre”. Mas ainda estou tranquilo e sereno e quero aproveitar estes Jogos Olímpicos para pensar como se fosse o Mundial, ir para lá tranquilo e a saber que o trabalho foi feito.
Agora os adversários já o conhecem e estarão preparados...
Sim, acho que no Mundial de 2023 não estavam bem à espera, era visto como um outsider que tinha entrado por sorte e ainda não era muito conhecido. Neste momento já vão olhar para mim e saber que eu posso causar danos e fazer estragos nas ambições deles, então vão ter mais cuidado comigo, já não é aquele olhar de lado e a rir. Por isso é bastante diferente agora. E ainda bem que é assim, porque também me deixa confortável saber que me conhecem, que sabem que eu vou entrar na piscina para lhes ganhar.
E o que vão descobrir se estudarem o seu método?
A chamada, o ponto de viragem, a própria entrada na piscina, tudo isso teve um upgrade. Tenho treinado bastante. A parte de nadar está boa, não há muito a melhorar, mas a partida e a fase inicial precisam de ser melhoradas. Eles sabem que sou mau debaixo de água e eu sei que eles vão tentar aproveitar isso para me vencerem.
É mau debaixo de água?
Sim, sou mau. No último Mundial já fui bom, já fui sempre ao lado deles, não me ultrapassaram, nem eu os ultrapassei, foi igual. Mas agora espero que a parte nadada não regrida. É possível equilibrar as duas coisas. Eles podem saber que o meu ponto fraco é a partida, mas espero que não saibam que sou o melhor do mundo nas chegadas, pois assim poderei surpreendê-los.
Há um ano era um adolescente e agora é um jovem adulto. Como tem lidado com essa transformação?
Acho que me tenho adaptado bem. Tanto na vida pessoal como nos treinos, que também são diferentes agora. Sou um campeão do mundo pouco deslumbrado, mas a namorada, a mãe, o Daniel [fisioterapeuta e ex-tutor] e o Albertinho metem o travão quando é preciso. A estrutura familiar é muito importante e valorizo muito quem me rodeia. Sempre que vou a Coimbra tento estar com os meus avós, por exemplo. Conto bastante com a minha família e estamos sempre a falar no WhatsApp. Mesmo com a Rita Gonçalves, ex-nadadora que me ensinou a nadar mariposa e que me levava para casa após os treinos, porque a minha mãe estava a trabalhar e não conseguia ir buscar-me. Vão estar todos em Paris para me verem nos Jogos Olímpicos, como têm estado sempre.
A jornalista viajou a convite da Arena.