Diogo Ribeiro: “Agora dão-me os parabéns, chamam-me campeão. É bom ouvir”
Rita Chantre / Global Imagens

Diogo Ribeiro: “Agora dão-me os parabéns, chamam-me campeão. É bom ouvir”

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O DN acompanhou Diogo Ribeiro desde o aeroporto até ao Estádio da Luz e ficou a saber que o campeão do mundo vai passar férias a Paris, cidade onde espera festejar mais conquistas: “Até chegar à medalha olímpica não descanso.”

Chegaram a Portugal ao peito como se fossem uma só, mas são duas as medalhas de ouro que Diogo Ribeiro conquistou nos Mundiais de natação de Doha. “Vão ser emolduradas e penduradas na parede, por cima da cama.” Dormir com elas é que não. Apesar do duplo ouro mundial confortar o sonho do único campeão do Mundo da natação portuguesa, a almofada provou não ser um lugar seguro para elas. É que depois de subir ao pódio para ouvir A Portuguesa pela primeira vez, Diogo quis dormir com a medalha e meteu-a “debaixo da almofada”, esperando que fosse boa conselheira para o resto dos Mundiais de natação, mas no dia a seguir encontrou-a... partida. Não sabe quem foi, nem como aconteceu, mas provavelmente foi a senhora da limpeza, que não sabendo que ela estava a repousar entre uma fronha e um lençol pode tê-la deixado cair. "Felizmente deu para trocar por outra” e ficou mais uma história para contar.

Banhadas a ouro e com uma pedra preciosa polida incrustada, tem gravado Doha2024 na parte frontal, mas no verso são iguaizinhas e não referem a disciplina em que foram ganhas. Qual é qual? Essa é uma questão demasiado picuinhas para a grandiosidade do feito do dono dos dois únicos ouros da natação portuguesa. E pesam? “Sim, são pesadas”, respondeu ao DN o jovem nadador, consciente do duplo sentido da frase. Com um gesto simples mas cheio de significado, Diogo tirou uma delas do pescoço e entregou-ma para que pudesse tomar o peso que o acompanhará daqui para a frente.

O DN acompanhou o campeão do mundo desde o Aeroporto Humberto Delgado até ao Estádio da Luz, onde uma comitiva do Benfica o esperava para uma receção mais intimista, depois dos aplausos públicos à chegada a Lisboa e de uma entrevista à BTV. O caminho até ao parque automóvel do aeroporto na companhia de Ana Oliveira (diretora do Benfica) e Luís Filipe (assessor) foi interrompido várias vezes para tirar selfies de sorriso rasgado, genuíno e tímido com quem se cruza no seu caminho e lhe grita: “Parabéns!” Ele responde: “Obrigado.” Que mais poderia dizer... 

“Essa é a diferença de quando ganhei a prata no ano passado. Agora, as pessoas dão-me os parabéns, chamam-me campeão. É bom ouvir”, disse ao DN, confidenciando que já entrou em piloto automático no que a perguntas e respostas diz respeito. Todos parecem querer saber o mesmo: “E agora como vai ser nos Jogos Olímpicos?” 

Diogo ainda quer saborear estas  conquistas durante mais algum tempo, mas é inegável que o sonho já está em Paris2024. E é isso que tem dito sem falsas modéstias, “porque há margem para melhorar na largada e na viragem”. A reta final é o ponto forte, como se viu na final dos 100 metros mariposa, conquistada com um novo recorde nacional (51,17 segundos). Enquanto o nadador austríaco Simon Bucher optou por dar mais uma braçada ele deslizou até ao sensor e foi feliz, mas já sem o ar de surpresa que mostrou quando, dias antes, se sagrou campeão mundial dos 50 metros mariposa.

Se há ano e meio, numa reportagem do DN, Diogo Ribeiro assumia estar preparado para ser o melhor nadador português de sempre e que com treino ser melhor do que isso - frase que deu que falar no seio da natação pela suposta falta de humildade e que agora já está obsoleta face à dimensão do que acabou de conquistar -, hoje responderia exatamente da mesma forma. “A pergunta que mais me fazem é se estou preparado para essa pressão e eu digo que sim porque já coloco essa pressão em mim mesmo. É isso que me alimenta e me dá força para vencer. Até chegar à medalha olímpica não descanso”, garante o dono de quatro das sete medalhas da natação pura portuguesa.  As outras são de Alexandre Yokochi (prata nos 200m bruços nos europeus de 1985), Alexis Santos (bronze nos 200m estilos nos europeus de 2016) e Gabriel Lopes (bronze nos 200m estilos nos europeus de 2022). Nestes mundiais, Angélica André também conquistou um bronze nos 10 Km de águas abertas.

Doha entre os lugares felizes

Doha entrou para a lista de lugares felizes do jovem nascido em Coimbra em outubro de 2004. Já lá figuravam Lima (três títulos mundiais de juniores em 2021, nos 50m e 100m mariposa, e nos 50m livres ), Roma (bronze europeu nos 50m mariposa) e Fukuoka (prata mundial nos 50m mariposa). Agora Doha, com o ouro nos 50 e 100m mariposa. O próximo destino de sonho será... Paris. É lá que vai passar férias com a namorada, a irmã do skater Gustavo Ribeiro, que tem uma prova na capital francesa, na próxima semana. Quem sabe se Diogo, o primeiro português a apurar-se para Paris 2024, conseguirá visitar a La Défense Arena, que receberá a natação olímpica de 27 de julho a 4 de agosto. 

O estilo mariposa é transversal a todas as suas medalhas e tem um segredo. Diogo tinha seis anos quando a professora de natação o colocou perante a necessidade de fazer uma escolha entre o futebol e a piscina. O ‘reguila’ resolveu colocar a ex-nadadora Rita Gonçalves à prova dizendo-lhe: “Só fico na natação se me ensinar a nadar mariposa.” E foi através desta pequena chantagem que nasceu este fenómeno da natação portuguesa. Um talento potenciado pela equipa técnica liderada por Alberto Silva, que inclui também Igor Silveira, o responsável pela preparação física, o biomecânico Samie Elias e ainda Daniel Moedas, fisioterapeuta da Federação Portuguesa de Natação (FPN), que foi tutor de Diogo Ribeiro, quando ele era menor e que agora o vê tornar-se homenzinho.

Vestido e com a bandeira nacional às costas parece “mais pequeno”, mas a abismal envergadura (1,90 metros) é superior à estatura (1,85 m) e fazem com que se agigante assim que entra na piscina onde os 73 quilos parecem voar sobre a água. 

Chegou a Lisboa revigorado - teve problemas em dormir em Doha - e cheio de fome. Não se importava que estivesse à espera dele no Estádio da Luz um hambúrguer, apenas porque “é bom” e até recomendado na alta competição quando é preciso repor os índices de gordura após as provas, acrescenta. Era esse o segredo, afinal, de Usain Bolt (bicampeão olímpico dos 100 metros no atletismo) e da lenda Michael Phelps (o nadador mais medalhado de sempre com 28 pódios olímpicos), que até fazia “pior tempo” do que Diogo Ribeiro aos 19 anos, nos 100 metros mariposa. Phelps foi campeão olímpico em Atenas2004 , fixando na altura o recorde mundial dos 100m mariposa nos 51,25 segundos, agora Diogo Ribeiro fez a mesma distância em 51,17s. Contra factos...

O português tem características físicas e morfológicas muito parecidas com as do norte-americano retirado desde 2016, que fazia a diferença com a amplitude do movimento do pé (15 graus, o que é sobre-humano, segundo os especialistas). É nesse aspeto que o nadador do Benfica tem “melhorado imenso” e espera continuar a fazê-lo.

O campeão confessa que ainda não processou tudo o que conseguiu e se lho tivessem dito antes que iria acontecer, “não acreditaria”, mesmo num cenário ultrafuturista. Mas aconteceu. Agora, “é lidar com isso”. Que é como quem diz, trabalhar para conseguir mais. Porque Diogo pode ter nascido com talento, mas o trabalho tem sido o método de superação para quem já sofreu algumas agruras na vida como o acidente de mota quase fatal aos 16 anos e a morte do pai quando tinha apenas quatro. “Falo muito com ele durante a noite”, contou, depois de dedicar as medalhas ao pai. De lá para cá a vida sorriu-lhe.  “E ser campeão do mundo é uma sensação inexplicável”, disse à BTV.

Ainda no aeroporto, Diogo Ribeiro pediu mais apoios governamentais e patrocínios para a natação. “Não há muitos apoios. Antes ainda era pior. Desde o ano passado que já se notam ligeiras mudanças, mas é preciso investir mais nesta modalidade, que é a mais vista dos Jogos Olímpicos. É uma tristeza não receber a mesma ajuda pela medalha dos 50 metros mariposa por não ser olímpica, estamos a falar de um Campeonato do Mundo”, sublinhou o nadador do Benfica, referindo-se ao facto de receber 25 mil euros pelo ouro nos 100m mariposa e apenas 5 mil pelo ouro nos 50m.  O nadador vai ainda passar para o nível 1 do Projeto Olímpico que lhe dá direito a uma bolsa mensal de 1750 euros.

isaura.almeida@dn.pt

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