Da covid-19 a Jesus. Razões para a crise no Benfica

Há 70 anos que as águias não olhavam para o Sporting como líder com nove pontos de avanço. Álvaro Magalhães responsabiliza treinador, mas não ​​​​​​​acha que seja altura para o contestar.
Publicado a
Atualizado a

Ver o Benfica a nove pontos do líder Sporting à 16.ª jornada é raro, para não dizer pré-histórico! Há 70 anos que a águia não olhava de baixo para os leões como líderes do campeonato com tão grande distância. E há 13 anos que não tinha nove pontos de atraso para o primeiro.

As estatísticas e os número sempre relativizados pelos treinadores, porque quando é favorável é para desvalorizar e quando é amargo é para contrariar, também têm o seu lugar na história do futebol e ajudam a perceber a evolução. Os últimos anos da I Liga têm sido ricos em recuperações épicas, mas nenhuma com a dimensão daquela que o Benfica terá de conseguir se quiser chegar ao título.

Nunca uma equipa recuperou nove pontos e foi campeã. É esta a missão do Benfica de Jorge Jesus no que resta da I Liga. Agora tem 33 pontos em 16 jornadas e, embora não atire a toalha ao chão na luta pelo título, a missão é hercúlea. Os 15 pontos perdidos até agora fazem deste o pior arranque do treinador na sétima época de águia ao peito, superando a temporada de 2010-11, que acabou por ser o FC Porto de André Villas-Boas a conquistar o título, com 21 pontos de avanço no final do campeonato.

Será Jesus o problema ou ainda é a melhor solução para o Benfica? "Obviamente que Jorge Jesus tem responsabilidade" no mau momento do Benfica, diz Álvaro Magalhães, antigo jogador do clube. Não só porque é o treinador, mas também porque foi ele que escolheu os jogadores, que significaram um investimento de cem milhões de euros, mas esta "ainda não é altura de pôr em causa o treinador", defende.

No entanto, para o antigo futebolista, de 60 anos, ainda "há muito campeonato para jogar", e como se viu nas duas épocas passadas é possível recuperar de distâncias consideráveis. Em 2018-19, Bruno Lage recuperou de uma desvantagem de sete pontos e foi campeão, enquanto na época passada o FC Porto de Sérgio Conceição foi campeão depois de galgar também sete pontos na classificação.

E se para alguns o segredo está nos jogos entre os grandes, para Álvaro o caminho para o título passa pelos jogos com os ditos mais pequenos: "A perda de pontos com equipas aflitas pode ser a chave, são muitas equipas a lutar por não descer e com o decorrer do campeonato vão ficando mais aflitas e precisam de jogar no limite para conseguir pontos."

Neste momento, é impossível não lembrar que Jorge Jesus prometeu pôr a equipa a jogar o triplo e apontou ao sucesso europeu, justificando que um clube como o Benfica não se pode contentar com os sucessos internos. Falhada a presença na Champions, a margem do treinador diminuiu, mas o bom início de campeonato com cinco vitórias seguidas e uma média de quatro golos por jogo atenuaram a desilusão europeia, frente ao PAOK Salónica, então treinado por Abel Ferreira, que lhe sucedeu na conquista da Taça Libertadores.

O regresso conturbado e com poder reforçado de Jesus, o mau planeamento da época apesar do investimento recorde de 105 milhões de euros em transferências - já contando com a contratação de Lucas Veríssimo -, a saída do diretor-geral Tiago Pinto a meio da época para a Roma e a pandemia ajudam a explicar na opinião do ex-jogador e antigo adjunto de Giovanni Trapattoni na Luz. "Há muito tempo que o Benfica não acerta nas contratações. Muitos são fogachos que se apagam depressa e, além disso, tem deixado fugir grandes jogadores, e posso dizer isto porque já recomendei alguns que acabaram em grandes clubes e nunca os quiseram. Jesus contratou jogadores da sua confiança, daqueles que lhe enchem as medidas, mas precisam de tempo, nem todos se adaptam logo ao futebol português e às ideias do treinador", lembrou.

Habituado a observar jogadores, ele não tem dúvidas de que "o plantel do Benfica tem soluções" para jogar em qualquer esquema. No entanto, não entende a mudança de atuação de Jesus, outrora criticado por não adaptar o esquema aos jogadores que tinha: "Ele gosta de pegar numa equipa, prepará-la e ir com ela até ao fim da época, e agora não se vê isso, muda muito o onze, e a covid-19 não explica tudo."

Contudo, há algo com o qual Álvaro Magalhães concorda com Jesus: "As pessoas andavam iludidas com a formação do Benfica, pensavam que eram todos grandes estrelas, e é mentira. Só dois ou três são jogadores de topo. As pessoas têm de ser realistas e verdadeiras, a maioria não está preparada para jogar na equipa A, e nisso Jesus tem razão. Olhem para os emprestados e vejam como não rendem, não estão preparados, precisam de crescer como jogadores, e até a nível mental, para jogarem na equipa principal."

O antigo jogador ficou "surpreendido" por ver o Benfica mudar o esquema tático no dérbi perdido (0-1) com o Sporting da 16.ª jornada, na segunda-feira, quando apostou num sistema de três centrais. "Ele já tinha usado este esquema de três centrais no início da carreira, no Estrela da Amadora, mas para um jogo com a importância e responsabilidade que este dérbi tinha, mudar de esquema com apenas três dias de treino dá muito que pensar. É um esquema que demora muito a funcionar, os jogadores precisam de entrosamento, e leva tempo a apurar. Neste jogo, mais do que ganhar, era importante não perder. Ele arriscou, mas eu não o faria", diz, lembrando que os encarnados têm plantel e jogadores para criar problemas a qualquer equipa e jogar em qualquer sistema tático.

E se a ideia era surpreender o adversário, não o conseguiu, uma vez que a equipa do Benfica "encaixou na do Sporting" e ficou presa na própria teia. Álvaro considera, no entanto, que tudo seria diferente se Jorge Jesus não estivesse infetado com covid-19 e pudesse estar presente nos treinos e no banco: "Não é por telefone que se prepara a equipa. Não é uma crítica, mas sem o técnico presente, a equipa tem de ser preparada pelo adjunto. Ele é que tem de decidir. Se tem a confiança de Jesus, João de Deus devia ter liberdade para trabalhar a equipa e orientar o Benfica. Ver o adjunto ao telefone quando saiu para o intervalo não deixou dúvidas de quem estava a orientar a equipa de casa."

Através do boletim News Benfica, o clube apela à reação da equipa. "Estamos a nove pontos da liderança, uma distância pontual, à 16.ª jornada, inesperada e frustrante, mas também desafiante. Perante este contexto, num clube como o Benfica, em que predominam exemplos, ao longo da sua história, de resiliência e inconformismo, só uma postura lutadora é aceitável. Há muito por disputar, há ainda muito por tentar ganhar", avisa o Benfica, lembrando a "competência indubitável" da equipa técnica.

Jaime Antunes acredita que "o campeonato não está perdido" e que Jorge Jesus tem "condições, qualidade e jogadores para dar a volta à situação". Em declarações à Antena 1, o vice-presidente suplente da direção de Luís Filipe Vieira espera por "uma resposta à Benfica" na segunda volta do campeonato: "Temos uma equipa técnica cuja competência ninguém discute, e as capacidades estão lá. Se temos capacidade e qualidade, só temos de esperar resultados."

Já a oposição dividiu-se entre o silêncio e as críticas. O líder do Movimento "Servir o Benfica" recorreu às redes sociais na tentativa de ouvir explicações do presidente. "Os benfiquistas querem ouvir o presidente Luís Filipe Vieira sobre este pesadelo que estamos a viver. Dá a cara nas horas boas e deixa-nos órfãos nas horas más?", questionou Francisco Benítez, que chegou a aliar-se a João Noronha Lopes nas últimas eleições. Contactado pelo DN, o gestor que obteve 34,71% dos votos preferiu não comentar a crise encarnada.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt