Patrícia diz-se “uma aluna esforçada” do Mestrado em Treino Desportivo de Alto Rendimento na FMH.
Patrícia diz-se “uma aluna esforçada” do Mestrado em Treino Desportivo de Alto Rendimento na FMH.PAULO SPRANGER

Como o regresso à universidade pode ajudar Patrícia Mamona a ir a Los Angeles2028

A medalhada de prata em Tóquio2020 divide os dias entre treinos e o Mestrado em Treino Desportivo de Ato Rendimento na FMH. É Chefe de Missão de Portugal nos Jogos Mundiais Universitários.
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Assim que se senta na sala de aula e tira o computador, Patrícia Mamona é surpreendida por uma pergunta do professor de Biomecânica e Morfologia Funcional, Pedro Mil-Homens, antigo diretor da formação do Sporting e do Benfica. “A Patrícia está satisfeita com o equilíbrio entre a vida desportiva e escolar?” A resposta sai-lhe da alma: “Preferia passar mais tempo a competir, mas voltar a estudar faz todo o sentido para mim.”

Aluna do mestrado em Treino Desportivo de Alto Rendimento, na Faculdade de Motricidade Humana (FMH), em Lisboa, a vice-campeã olímpica do triplo salto em Tóquio2020 é licenciada em Ciências da Saúde na Clemson University dos EUA e ainda estudou Engenharia Biomédica na Universidade Lusófona. E foi agora nomeada Chefe de Missão para os Jogos Mundiais Universitários Rhine-Ruhr2025, pela Federação Académica do Desporto Universitário (FADU). “Estes Jogos Mundiais Universitários fazem todo o sentido porque também é aquilo que eu estou a viver neste momento. Percebo plenamente o quão difícil é a vida de estudante-atleta. O meu papel como chefe de missão também é importante para mim para continuar a viver a competição. Estou no curso certo, era aquilo que precisava”, confessa a atleta ao DN em plena sala de aulas.

Enquanto os colegas não chegam para tirar dúvidas para o exame, a atleta do Sporting (desde 2011) confessa-se “uma aluna que se esforça bastante” e “organizada”, mas que tem a noção das dificuldades que é a vida de estudante-atleta: “Sou muito esforçada, não tenho tido 20, mas tenho tido boas notas dadas as condições. O mais importante é o conhecimento que estou a adquirir e que me vai ajudar não só como atleta, mas no pós-carreira. Acho que sou uma boa aluna.”

Ainda sub-23 participou nas antigas Universíadas (hoje Jogos Mundiais Universitários) em Shenzhen2011. Por isso hoje sente um “orgulho imenso” e uma “enorme responsabilidade” em liderar toda uma seleção de 82 atletas universitários. O amigo e também medalhado olímpico, Fernando Pimenta, é o mais credenciado da comitiva, que também conta com a ginasta Olímpica, Filipa Martins, entre muitos outros ilustres desconhecidos.A nova vida da atleta-estudante Patrícia Mamona.

FECHAR A CARREIRA EM LOS ANGELES2028

Ao descer as escadas da FMH com a mesma azáfama com que entrou ao início da manhã, só tem tempo para trocar a mala de ombro, com o computador, os dossiers de estudo - desta vez, mais pesada devido ao preciso conteúdo: bronze, ouro e prata em forma de medalha - pelo saco onde tem o material de treino.

Em 5 minutos deixa a universidade, localizada numa zona limítrofe ao Complexo do Jamor, e chega ao Centro de Alto Rendimento (CAR) do Atletismo Moniz Pereira, o seu “sítio favorito” ou segunda casa como lhe chama também: “A casa mesmo é só para ir fazer as refeições e dormir (risos).”

Antes de entrar no CAR faz uma paragem no café do Jamor, junto à pista de atletismo. “Sem café não respiro”, atira. O seu treinador de sempre, aquele que a ‘descobriu’ numa prova de corta mato escolar, José Uva, já estava na pista com um grupo de atletas do Sporting que também treina quando ela aparece de sorriso na cara para uma sessão de sacrifício. A triplista lesionou-se durante os Europeus em pista coberta de 2023, em Istambul, e ainda não treina regularmente na pista nem faz saltos. E não arrisca timings para o regresso. “Tenho muitas saudades de saltar, competir, ganhar... Mas estar aqui já não é mau. Houve alturas em que só fazia fisioterapia e vinha aqui de vez em quando com uma lágrima no canto do olho”.

Duas décadas de alta competição e 35 anos de vida dizem-lhe que o tempo e a paciência podem ser os melhores amigos de um atleta. “Este período de recuperação da cirurgia ao joelho esquerdo não tem sido fácil, tenho de ter muita paciência. Tenho tido também muito apoio a nível psicológico, tanto por parte da minha equipa técnica, da minha família. O que mais quero é estar livre e saltar o mais longe possível, mas, neste momento, ainda tenho que meter o travão, não quero lesionar-me outra vez e tenho que sentir que estou recuperada a 100% para depois começar a saltar outra vez como antes”, disse, confessando em “voz alta e sem medo” o “ambicioso” objetivo em mente: “Conseguir fechar a carreira em Los Angeles2028.”

Queria ter ido a Paris2024, mas uma cirurgia ao joelho esquerdo impediu que sequer tentasse apurar-se. “Fiz um pacto comigo em que decidi adiar o final da carreira para depois de Los Angeles2028. Sinceramente, não sei como vou estar porque eu ainda passo por um processo de recuperação e não faço a mínima ideia de como o meu corpo vai reagir daqui a três anos, mas só saberei se tentar e fizer tudo para que aconteça”, defende em jeito de mensagem automotivacional.

SONHOS FEITOS DE AREIA

Ultrapassar desafios impossíveis faz parte da natureza de Patrícia Mamona, “uma atleta 24 horas por dia”, que detesta que a resumam ao estereótipo de “menina bonita”. Fotogénica, simpática e muito disponível para retribuir à Sociedade o que ela lhe deu, seja nas pistas ou em palestras motivacionais, Patrícia garante que só gosta dos flashs em contexto de competição.

Para já, o ginásio e o treino de fortalecimento e recuperação ainda lhe ocupam mais tempo do que gostaria. Preferia já estar a fazer treino de alta intensidade e saltos. Tem muitas saudades da caixa de areia. E não é a única. Do nada, depois da sessão fotográfica para o DN, a caixa com a medalha olímpica foge-lhe da mão e rebola até à caixa de areia. A atleta do Sporting nem queria acreditar. Tinha acabado de dizer que sentia falta da areia e que acreditava que iria voltar a uns Jogos e a medalha olímpica revela-se...

Viu-o como um presságio? Talvez. Sorriu, deixou-a rolar e depois abraçou o símbolo da sua maior conquista. Ninguém melhor do que a atleta do Sporting sabe o poder dos sonhos, que são “mero resultado de muito treino físico e mental”.

Há muito que Patrícia valoriza a sua saúde mental e tem razões para isso. Cerca de um mês antes dos seus terceiros Jogos Olímpicos (esteve em Londres2012, RIO2016 e Tóquio2020), o psicólogo desafiou-a escrever a marca que tinha em mente para Tóquio. Ela tinha sido capa da revista GQ, em junho de 2021, com o título She Can Fly (Ela voa), pegou nela e escreveu 15,04 metros. Nunca tinha passado a marca os 15 metros nem nos treinos, mas tanto eu como o meu treinador acreditávamos que poderia passar a mítica marca dos 15 metros. Saltou 15,01 metros e conquistou a medalha de prata olímpica, sinal de que o sonho e a realidade têm andado de mãos dadas com a campeã da Europa em Amesterdão2016, para quem sonhar é ambicionar fechar carreira num grande palco: “Mas se terminar assim, pelo menos, até hoje, foi espetacular”.

isaura.almeida@dn.pt

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