Como um jogador ajudou 200 trabalhadores sazonais que dormiam na rua

Jogador da Sampdória pagou comida, ofereceu roupa e alugou uma casa para acolher as duas centenas de pessoas que trabalhavam na apanha da fruta, depois de os hotéis de Lleida se recusarem a recebê-los.
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"Os 200 irmãos de Keita Baldé, o jogador samaritano". Este é o título da notícia do El País que conta como o agora jogador da Sampdória ajudou duas centenas de trabalhadores temporários da apanha da fruta, em Lleida, abandonado sem casa ou comida pelos patrões durante o primeiro confinamento em Espanha, no ano passado. Uma história agora revelada por entre receios de que se repita.

Filho de pais senegaleses Keita Baldé nasceu em Espanha, mais concretamente em Arbúcies, Girona, há 25 anos. Foi formado em La Masia (academia do Barcelona) e contratado pelo Mónaco no verão de 2017. E foi refastelado na sua casa no Principado que o jogador esbarrou numa história "triste e desesperadora", revelada num vídeo pelo ator e diretor Paco León, no Instagram.

Em maio de 2020, as ruas desertas da confinada cidade espanhola escondia a história de 200 trabalhadores sazonais sem casa e sem comida. A maioria era senegalesa e tinham sido contratados para apanhar cereja e abandonados pelos patrões à sua sorte, fugindo à obrigação legal de lhes fornecer alojamento. "Fiquei em choque. Muito muito emocionado e afetado", contou o extremo esquerdo numa conferência para vários meios de comunicação espanhóis, franceses e italianos.

Mas Keita não se ficou pelo choro e passou à ação: "Não sabia o que fazer ou como fazer, só não podia ficar quieto no sofá. Nós jogadores somos uns privilegiados. É por isso que dou tudo de mim no campo, porque tenho sorte. Às vezes, vejo um colega triste, olho para ele e acho que nos deixamos consumir por insignificâncias."

Resolveu recorrer aos amigos catalães para saber se estava ao corrente da situação e pensarem em conjunto sobre o que podiam fazer para ajudar, oferecendo-se para pagar um local para dormirem, comida e roupa. Todas as semanas enviava dinheiro para que pudessem cozinhar algo para 200 pessoas e pediu aos amigos que fossem a casa dele em Barcelona recolher a roupa que lá tinha. "Eram peças novas, com a etiqueta. Eu tinha uma marca de roupa que depois fechei e ia mandar a que sobrou para África", revelou o jogador, que entretanto se mudou para a Sampdória, de Itália.

Assim que duas carrinhas com roupa chegaram a Lleida e os amigos começaram a distribuir as peças "houve alegria e também alguma confusão", contou Mamadou, um dos trabalhadores, revelando que se sentiram "uns modelos".

A missão não estava completa. Tinham comida e roupa, mas continuavam a dormir na rua. Arranjar lugar para 200 pessoas dormirem foi mais difícil do que ele esperava. Apesar das garantias de pagamento, se oferecer para pagar adiantado e dar a cara, vários hotéis rejeitaram acolher os trabalhadores sazonais. "Gostaria de ir a esses mesmos lugares agora com mais dez amigos de pele preta, com casacos elegantes e um bom carro, tentar alugar quartos e ver se dizem sim ou não. Aposto que nem vão reparar que sou preto", desabafou Baldé "tentando" evitar a palavra racismo: "Eu nunca tive um problema desses, mas o que posso pensar...?"

Ele não desistiu. Baldé recordava-se de ver a sala de casa dos pais repleta de colchões no chão para abrigar compatriotas que não tinham onde ficar. E foi em memória do pai que continuou a insistir até encontrar uma solução parcial. Sem hotéis disponíveis para os acolher, Keita resolveu alugar uma casa durante uns meses, mas só conseguiu alojar 90. E garante que não o fez por terem as mesmas origens: "Não conhecia as pessoas e eram 200. Sim, a maioria são do Senegal, mas não os conhecia e tenho de ser eu desde o Mónaco a resolver um problema em Lleida? E se eu não visse aquele vídeo?"

Mas agora, dez meses depois, está preocupado com a próxima safra. "Em maio vamos voltar ao mesmo? Que fazemos? Rezamos para que apareça outro Keita?", questionou o jogador.

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